Rafael Henzel é jornalista da Oeste Capital FM. No Twitter, apresenta-se assim: «Nascido em 25/08/1973 e 29/11/2016.» É um dos seis sobreviventes do acidente aéreo que a 29 de novembro de 2016 vitimou 71 pessoas, incluindo o treinador Caio Junior, que faria 52 anos nesta quarta-feira, e 19 jogadores do clube brasileiro. E este é o primeiro golo da história da Chapecoense na Taça Libertadores narrado por ele.

A voz de Henzel fala por si sobre o momento que marcou o regresso da Chape a uma competição internacional. A nova Chapecoense viajou até Maracaíbo, no norte da Venezuela, pouco mais de três meses depois da tragédia, que aconteceu quando a equipa viajava para a Colômbia, onde iria jogar a final da Taça Sul-Americana. O título foi atribuído ao clube, um homenagem do adversário, o Atlético Nacional, e da Conmebol. E a Chape ganhou direito a jogar a Libertadores.

O primeiro adversário era o Zulia, outro estreante. E a imensa onda de solidariedade que rodeou a Chape desde o acidente prolongou-se no estádio. Muita gente, muitos aplausos à equipa quando entrou em campo. Adeptos a pedirem autógrafos aos jogadores da Chape que ficaram nas bancadas, conta o «Globoesporte». Bem diferente do habitual ambiente hostil dos jogos da Libertadores.

E a Chape ganhou. Este que ouvimos narrar é o golo de Reinaldo, aos 33 minutos, que os jogadores festejaram ajoelhando-se e olhando para o céu.

Depois Luiz Antonio fez o segundo aos 69m. Golos de dois dos 22 reforços que a Chape foi buscar para reconstruir um plantel onde está também Artur Moraes, ex-guarda-redes do Sp. Braga e Benfica, que foi titular. Juan Arango ainda reduziu, aos 79m, o jogo terminou com a vitória por 2-1 que deixa a Chape na frente do Grupo 7. Para a semana recebe o Lanus, da Argentina.

Uma vitória para muita gente, a começar pelas vítimas da tragédia. «Foi uma vitória que os atletas ofereceram para todos os que faleceram. Graças a eles é que a Chapecoense está a disputar a Libertadores. É pelo esforço deles que estamos aqui. Foi graças aos nossos guerreiros que faleceram», diz ao Maisfutebol Ivan Tozzo, vice-presidente da Chapecoense, que não viajou com a equipa no dia fatídico e ficou também na cidade desta vez. 

E sem esquecer todos os adeptos. «Sabíamos que a cidade de Chapecó precisava de uma vitória. Tínhamos que vencer para retribuir todo o apoio recebido de Chapecó e de todo o mundo», disse no final o treinador Vagner Mancini, agradecendo também aos adeptos venezuelanos: «Obrigado ao povo da Venezuela, de Maracaibo, por nos receber tão bem. Normalmente, a Libertadores é um ambiente hostil e não foi o que vimos aqui. Vimos uma solidariedade, uma amizade muito grande das pessoas. Fizeram de tudo para que nos sentíssemos à vontade e vamos fazer de tudo para retribuir em Chapecó.»

O jogo foi acompanhado de forma emotiva na cidade. As mulheres de alguns dos jogadores que faleceram assistiram juntas à partida, houve quem se reunisse em bares, em restaurantes. «Foi uma alegria muito grande, felicidade total de todo o povo de Chapecó, da região de Santa Catarina», conta Ivan Tozzo: «Uma estreia fora de casa, ainda mais obtendo uma vitória, a forma como o time jogou. Foi uma torcida muito grande, não só por parte de Chapecó, mas do Brasil e quem sabe do mundo.»

É um momento particularmente feliz para quem ajudou a reconstruir a Chape. Ivan Tozzo foi presidente interino nos meses que se seguiram ao acidente e já tinha contado ao Maisfutebol como foi. Agora resume assim esses tempos: «Trabalhámos muito na reconstrução do clube. Montámos uma equipa em 60 dias, foi muito difícil. Construir uma equipa de futebol em que tudo desse certo, treinadores, jogadores, preparador físico. Trabalhámos muito para conseguir que tudo acontecesse tão rapidamente.»

Em campo, as coisas estão a correr bem. «Ficámos em segundo lugar na primeira volta do Catarinense, com grandes probabilidades de ganhar o segundo turno. A equipa começou a conhecer-se melhor. A união da equipa está muito grande. As pessoas que contratámos são comprometidas com a equipa.»

Toda a estreia na Libertadores teve uma carga emotiva grande. A começar pela viagem, uma nova viagem de avião que a equipa assinalou com uma fotografia à partida e que até passou próximo do local do acidente, na Colômbia. «O psicológico das pessoas fica abalado. Voltar a viajar, passar próximo da rota do acidente. Foi um momento de emoção», diz Ivan Tozzo: «No voo até o piloto comunicou quando estavam a passar próximo do local.»

A Chapecoense está a voltar à normalidade possível. «A vida tem de continuar», diz o dirigente: «Estamos muito fortes, com o mundo inteiro a torcer por nós.»

A normalidade passa também por questões práticas, de compensação das famílias das vítimas e apuramento de responsabilidades pelo acidente. Ivan Tozzo diz que a Chapecoense já pagou as indemnizações previstas no seguro. «Tinhamos a apólice de seguro e todas as famílias receberam 40 vezes o salário. Toda a gente recebeu.»

Segue-se a ação judicial contra a companhia boliviana responsável pelo voo: «Agora, nós temos uma equipa de advogados mais o jurídico do clube a trabalhar numa ação contra a LaMia. Está formalizada, vai ser entregue, para solicitar uma indemnização não só às famílias como ao clube, que perdeu todos os seus ativos.»