A 12 de Fevereiro, em Abu Dhabi, o Chelsea venceu o Mundial de clubes, o último troféu internacional que lhe faltava conquistar, completando um ciclo de duas décadas que levaram o clube ao topo do mundo. Menos de duas semanas mais tarde, a invasão da Ucrânia pela Rússia mudava tudo. Acossado perante a comunidade internacional, Roman Abramovich pôs o clube à venda. Agora, o ponto final numa era que mudou o futebol está próximo, depois de terem sido fechadas as propostas de compra, num processo que teve dezenas de potenciais interessados, protestos e até uma desistência de última hora. E o futuro do Chelsea depois de Abramovich, o símbolo mais mediático da oligarquia russa e da ascensão no futebol à custa de muito dinheiro, passa pelos Estados Unidos.

São três as propostas na mesa, numa corrida que envolve bilionários com origens norte-americanas e nomes sonantes que vão de donos de clubes até um fundador do Facebook e inclui referências do desporto britânico, como John Terry ou Sebastian Coe. Agora é hora da decisão, que não está apenas nas mãos da direção do Chelsea, mas também da Premier League e por fim do Governo britânico, com muita incerteza pelo meio. A começar pelo destino do dinheiro da venda do Chelsea, estimado em mais de três mil milhões de euros.

Quando anunciou a intenção de vender o Chelsea, no início de março, Abramovich disse que o lucro que viesse a obter seria utilizado «para o benefício de todas as vítimas da guerra na Ucrânia», uma formulação que abria espaço a várias interpretações. Mas depois disso o cerco das sanções internacionais apertou e o Governo britânico garantiu que o dinheiro não irá para Abramovich. «Se o clube for vendido, Abramovich não beneficiará», garantiu a 10 de março Nadine Dorries, a secretária de Estado com a pasta do desporto, acrescentando apenas que o destino do dinheiro dependerá «dos termos da licença que for emitida» pelo ministério das Finanças britânico.  

Quando o Chelsea defrontar o Liverpool em Wembley na final da Taça de Inglaterra, a 14 de maio, já deverá ter caído o pano sobre a era Abramovich, 19 anos depois de o empresário russo que enriqueceu nos anos do fim da União Soviética ter decidido investir no então não tão glamoroso clube londrino. O homem que entretanto ganhou nacionalidade portuguesa, num processo que ainda dará muito que contar, terá gastado na altura pouco mais de 200 milhões de euros para adquirir o clube ao antigo dono, Ken Bates.

A partir daí gastou muito mais, milhões e milhões de euros em contratações e injeções de capital. Desde logo no investimento inicial que levou para Stamford Bridge o treinador campeão europeu em título, José Mourinho. O português conduziu logo na primeira temporada o Chelsea ao segundo título de campeão inglês da sua história, o primeiro em 50 anos e o primeiro de muitos ao longo destas duas décadas em que o Chelsea ganhou tudo o que havia para ganhar. Foram 21 troféus, entre eles duas Ligas dos Campeões, num clube que nos primeiros 98 anos de existência não tinha ganho mais que uma dezena de títulos. Abramovich lançou a tendência que mudou a face do futebol europeu nos anos que se seguiram, a entrada em jogo de magnatas ou instituições com um poder financeiro nunca visto e disponibilidade para gastar sem preocupação de equilíbrio ou retorno proporcional na conta corrente, subindo a pirâmide à custa de muito dinheiro.

No meio de tudo, está o Chelsea, o clube que vive num limbo desde final de fevereiro. Nas primeiras semanas, até as verbas para as deslocações aos jogos ou a venda de bilhetes ficaram congeladas, até serem desbloqueadas mediante uma autorização especial das autoridades britânicas. Agora, adeptos e profissionais do clube só querem um desfecho. «Esperamos que as coisas fiquem resolvidas o mais depressa possível para termos alguma clarificação. Mas percebo que não é assim tão fácil», diz Thomas Tuchel, o treinador que acabou por ser um dos poucos rostos do clube a dar a cara, confrontado com o assunto a cada conferência de imprensa, a cada novo desenvolvimento. E eles sucedem-se. No final da semana passada as sanções estenderam-se também a outro diretor do Chelsea, Eugene Tanenbaum, natural da Ucrânia e associado de longa data de Abramovich.

Desde que se iniciou o processo de venda do clube sucederam-se as manifestações de interesse. A lista foi-se reduzindo e quando o prazo terminou, no final da semana passada, ficou limitada a três propostas, todas elas a confirmar outra tendência do topo da pirâmide desportiva, o crescente interesse de investidores norte-americanos no futebol europeu. Sobre o prazo limite caiu por terra uma quarta. A família Ricketts, dona do clube de basebol norte-americano Chicago Cubs, liderava uma candidatura forte do ponto de vista económico, mas que foi mal recebida junto de vários setores de adeptos do Chelsea, que em março levaram os protestos a Stamford Bridge. Em causa declarações islamofóbicas do patriarca do grupo, Joe Ricketts, que foram reveladas em e-mails tornados públicos em 2019. A desistência foi anunciada no último dia do prazo, num comunicado que não fazia alusão aos protestos, dizendo apenas que «ficou cada vez mais claro que certas questões não poderiam ser abordadas devido à dinâmica incomum em torno do processo de vendas».

Na mesa do banco norte-americano Raine Group, encarregue de gerir o processo, estão então três propostas, para um negócio que, segundo estima a revista Forbes, pode rondar os quatro mil milhões de dólares, algo como 3,7 mil milhões de euros. Em comum, todas as candidaturas garantem que não pretendem adquirir o clube à custa de contrair dívida e prometem manter o investimento, bem como a renovação do estádio de Stamford Bridge. Até final do mês, o Chelsea deverá indicar qual a proposta preferida, entrando depois em campo a Premier League com a avaliação da idoneidade dos candidatos a donos do clube, um processo frequentemente acusado de ser demasiado frágil, como aconteceu com a recente compra do Newcastle, e por fim as autoridades britânicas, a quem compete emitir a licença de funcionamento do Chelsea.

O essencial das três propostas para a aquisição do Chelsea:

  • Uma das primeiras propostas a vir a público e que se manteve até ao fim tem como principal rosto o milionário americano Todd Boehly, que é um dos donos da equipa de basebol LA Dodgers, também detém ações dos LA Lakers e já tinha há muito interesse em comprar um clube em Inglaterra, tendo sido associado há três anos ao Tottenham e ao próprio Chelsea. A financiar a candidatura estão outros magnatas, como Mark Walter, o principal acionista dos Dodgers, além da firma de investimento norte-americana Clearlake Capital. Boehly fez-se notar em Stamford Bridge no início de abril, a assistir ao Real Madrid-Chelsea.
  • A outra proposta essencialmente americana é liderada por Stephen Pagliuca, outro magnata que fez fortuna com fundos de investimentos e que também é um dos donos de uma equipa da NBA, os Boston Celtics, além de ser o principal acionista do clube italiano Atalanta. O que aliás poderá levantar questões de conflitos de interesse e, no caso de ser a proposta vencedora, obrigar alterações nessa frente. Entre os parceiros da candidatura estão Eduardo Saverin, um dos fundadores do Facebook, ou o canadiano Larry Tanenbaum, presidente da NBA. Também tem o apoio do True Blues Consortium, um grupo de adeptos cujo principal rosto é o antigo capitão do Chelsea, John Terry, que procurou angariar fundos para poder ter uma participação no clube.
  • O inglês Martin Broughton é o protagonista da terceira proposta. Presidente da British Airways, foi também presidente do Liverpool num breve período em 2010, antes da venda do clube aos atuais donos, os também norte-americanos do Fenway Group. Tem o apoio dos americanos Josh Harris e David Blitzer, acionistas dos Philadelphia 76ers e de clubes em vários países, incluindo o Crystal Palace, em Inglaterra, também aqui um potencial conflito de interesses que teria de ser resolvido. E inclui na candidatura o antigo campeão olímpico britânico Sebastian Coe, presidente da Federação Internacional de atletismo e notório adepto do Chelsea.