Isto aconteceu depois de o Hamburgo ter ficado à porta do regresso ao primeiro escalão pela quinta temporada consecutiva. Não conseguiu subir e por isso este estádio e estes adeptos vão voltar a ver jogos da 2. Bundesliga na próxima época.

Desta vez foi especialmente dramático. Na última jornada, no final da vitória sobre o Sandhausen, os adeptos chegaram a invadir o relvado a festejar a subida. Dizem tudo as expressões de alegria a transformar-se em incredulidade à medida que as pessoas percebem que o Heidenheim, depois de estar a perder por 2-0, marcou um golo e ainda mais outro já nos descontos, deu a volta e garantiu para si a história feliz da época, uma estreia absoluta na Bundesliga.

O Hamburgo teve de jogar o play-off, o segundo consecutivo. Apesar daquele pesadelo na última jornada e da derrota na primeira mão por 3-0, o Volksparkstadion teve lotação esgotada para assistir à segunda mão. O Hamburgo ainda marcou primeiro, a alimentar a ilusão, mas depois o Estugarda deu a volta. 3-1, ainda não foi desta.

Na baliza do Hamburgo estava Daniel Fernandes. O guarda-redes luso-alemão, que foi internacional sub-21 por Portugal, viveu a quarta temporada no clube. Foi protagonista involuntário na segunda mão, com um erro que resultou no segundo golo do Estugarda. Mas a reação dos companheiros e dos adeptos foi de apoio ao guarda-redes, que foi uma referência de solidez da equipa ao longo da temporada.

«É uma desilusão brutal», disse Daniel Fernandes no fim, visivelmente emocionado. «Mas dá para ver como este clube é grande e poderoso. É isso que nos vai dar força para recuperarmos nos próximos dias.»

Este foi o quarto play-off de acesso à Bundesliga que o Hamburgo teve de jogar. Todos eles na última década, a pior fase do clube que se orgulhava de ser o único que jogou sempre no primeiro escalão, desde a sua fundação em 1919. Um dos nomes que chamam ao Hamburgo é «Dinossauros», precisamente por causa dessa longevidade. No Volksparkstadion, reconstruído em 2000, havia um relógio gigante a assinalar precisamente a passagem do tempo entre a elite.

O Hamburgo foi seis vezes campeão alemão, três delas na era da Bundesliga, quando viveu a sua época de ouro. Começou com a conquista da Taça das Taças, em 1977. Seguiu com os três campeonatos alemães, mais dois segundos lugares nas cinco temporadas entre 1979 e 1983. E culminou com a vitória na Taça dos Campeões Europeus de 1983, quando venceu a Juventus na final. No banco estava o mítico Ernst Happel, o treinador austríaco que em 1970 já tinha sido campeão europeu com o Feyenoord, em campo nomes como Felix Magath, Horts Hrubesch ou Wolfgang Rolff, campeões da Europa e vice-campeões do mundo com a então RFA, a Alemanha Ocidental.

O relógio do Volksparkstadion que parou ao fim de 54 anos

Passou muito tempo. O Hamburgo ainda voltou à Europa, esteve em duas meias-finais consecutivas da Taça UEFA na primeira década deste século. Mas depois começou a derrapagem. Em 2013 e 2014, depois de terminar em 16º lugar na Bundesliga, sobreviveu a dois play-offs pela manutenção. Mas em 2018 não se salvou. Apesar da vitória na última jornada, frente ao Borussia Moenchengladbach, foi penúltimo classificado e desceu mesmo, pela primeira vez na sua história. O relógio do Volksparkstadion parou, ao fim de 54 anos e 260 dias.

O relógio foi pretexto para muitas piadas e provocações de adeptos rivais nos meses que se seguiram. Ainda seria adaptado, para contar o tempo desde a criação do clube. Mas era uma memória dolorosa. Acabou por ser desmantelado e leiloado, em 2019.

Quanto ao Hamburgo, manteve uma aposta forte para o regresso à Bundesliga. Andou sempre perto. E o simples relato destas cinco épocas é devastador. Em 2018/19 ficou em quarto lugar, a um ponto dos lugares de luta pela subida. O cenário repetiu-se na época seguinte. E na outra, quando voltou a terminar na quarta posição.

Na temporada passada, o Hamburgo garantiu o terceiro lugar, numa última jornada épica, em que deu a volta no último quarto de hora para vencer o Hansa Rostock. Seguiu-se o play-off com o Hertha. Em Berlim, o Hamburgo venceu o primeiro jogo por 1-0. E depois o Hertha deu a volta à decisão, com um triunfo por 2-0 que gelou o Volksparkstadion.

Esta época a história repetiu-se. E confirmou aquela que é uma tendência deste play-off de acesso à Bundesliga. Desde que ele foi instituído no atual formato, em 2009, apenas por três vezes levaram a melhor as equipas do segundo escalão.

Um gigante nas bancadas e um cemitério para os adeptos

Quando começar a época 2023/24 o Hamburgo será o terceiro clube há mais tempo na 2. Bundesliga, como notava a revista Kicker, atrás apenas do Holstein Kiel e do St. Pauli, o velho vizinho e rival da cidade portuária do norte da Alemanha. Mas continua a ser um gigante, alimentado pela força dos adeptos. Muitos deles invadiram o campo em fúria quando a equipa desceu, em 2018, mas mais ainda voltaram a dizer presente a cada época. Tem perto de 90 mil sócios, o que o coloca entre os dez clubes com maior base de apoio do futebol alemão.

Essa força é bem visível nas bancadas. O Volksparkstadion, que quer dizer literalmente Parque do Povo e tem capacidade para 57 mil pessoas, teve uma média de 53.400 espectadores nos seus jogos em casa na temporada da 2. Bundesliga que agora terminou. Foi a quinta melhor assistência de todo o futebol alemão em 2022/23, atrás apenas de Dortmund, Bayern Munique, Schalke e Hertha Berlim. Mais do que isso, está entre as 20 melhores assistências nas grandes Ligas europeias – ocupa o 16º lugar, segundo dados do Transfermarkt.

É uma relação forte, que passa de família em família. E que pode prolongar-se para lá da vida. No cemitério contíguo ao Volksparkstadion há um espaço reservado ao Hamburgo e aos seus adeptos. Existe desde 2008, o Hamburgo foi o primeiro clube na Europa a ter um cemitério dedicado aos adeptos.

É nessa ligação, como dizia Daniel Fernandes, que o Hamburgo volta a procurar forças para nova tentativa de regresso à Bundesliga. Mas o nível de exigência da já de si muito competitiva 2. Bundesliga tenderá a aumentar na próxima temporada, uma vez que passa a contar com outros dois históricos despromovidos esta época, Schalke e Hertha Berlim.