Há uma nova equipa na MLS e chegou em grande. O St Louis City SC somou quatro vitórias nas primeiras quatro jornadas, é a única equipa que ganhou todos os jogos e já é o melhor estreante desde que o campeonato norte-americano iniciou uma lógica regular de expansão, em 2005. Um arranque de sonho para um clube que se distingue por várias razões. É desde logo o primeiro liderado por mulheres. Também tem um novo estádio já com fila de espera por lugares nas bancadas. E tem como diretor-desportivo alguém com tanto mundo que tem o nome no Guiness.

A 29ª equipa da MLS nasceu em 2019, depois de um processo de avanços e recuos para levar a Liga norte-americana à cidade de St Louis. Um projeto liderado pela família Taylor, dona de várias empresas de aluguer e transporte automóvel, abriu caminho a algo raro no futebol de alto nível. A presidente do clube é Carolyn Kindle, neta do fundador do grupo, que está à frente de uma administração composta por mais seis mulheres e apenas dois homens.

Uma administração de mulheres à frente das camisolas rosa forte

«Gosto de dizer que foi uma tempestade perfeita. Conseguimos juntar o grupo de proprietários certo com o plano de negócios certo para conseguir vender o clube. Oferecemos um pacote que a MLS não podia recusar e acho que já cumprimos mais do que prometemos», disse Carolyn Kindle à BBC, acrescentando que o facto de esta ser uma liderança feminina não foi planeado, resulta da lógica da administração das empresas do grupo: «Deixa-me orgulhosa, mas é interessante porque é assim que a minha família é construída, somos sobretudo mulheres. Foi engraçado, rimo-nos com isso porque estamos habituados, mas de repente pensámos: ‘Uau, temos este ângulo incrível.»

O Saint Louis equipa com camisolas magenta, um rosa forte, e a liderança feminina, diz a sua dona, pode ser uma «inspiração para muitas meninas». O ângulo feminino também abre novas portas no que diz respeito a parcerias, não só de patrocínios como, acrescenta Kindle, de pequenas empresas lideradas por mulheres que quiseram associar-se ao clube.

Carolyn Kindle admite que pouco sabia sobre «soccer» quando se lançou no projeto. Mas está a aprender, diz. «É um desporto internacional. Adorei a paixão, adoro os adeptos. Toda a cultura do futebol é muito interessante.»

O diretor-desportivo que correu mundo até chegar a Saint Louis

Para a gestão desportiva, a administração foi buscar o alemão Lutz Pfannenstiel. Para quem tem alguma memória dos anos 2000, o nome talvez soe vagamente familiar. Pfannenstiel foi guarda-redes e nunca se distinguiu pelas proezas desportivas, mas por uma carreira rocambolesca que o levou basicamente a todo o mundo. Da África do Sul à Noruega, da Malásia ao Brasil, dos Estados Unidos à Nova Zelândia. O alemão que passou pela formação do Bayern Munique e chegou a representar a seleção sub-17 da Alemanha tornou-se um ‘globe-trotter’. Especializou-se em colecionar clubes mais ou menos exóticos, até que em 2009 foi inscrito no livro de recordes do Guinness como o único jogador que competiu a nível profissional nos seis continentes. Por essa altura contou ao Maisfutebol que até esteve perto de jogar também em Portugal.

Depois de deixar de jogar, Pfannenstiel dedicou-se a várias atividades, criou uma organização de ativismo ambiental e manteve-se ligado ao futebol, primeiro no departamento de scouting do Hoffenheim, depois como diretor-desportivo do Fortuna Dusseldorf e pelo meio como comentador televisivo em vários canais. Foi contratado pelo St Louis em 2020 e dedicou-se a construir a equipa.

Começou pelo treinador, contratado logo em janeiro de 2022, mais de um ano antes do arranque oficial da equipa. O escolhido foi Bradley Carnell, antigo internacional sul-africano que trabalhou durante várias épocas como nos New York Red Bulls como adjunto de Jesse Marsch e depois de Chris Armas. «Recebemos centenas de candidaturas de treinadores de todo o mundo, alguns dos maiores nomes», disse Pfannenstiel em novembro ao site da MLS: «Mas tínhamos um perfil pretendido e o Bradley encaixou perfeitamente, porque ele representa a filosofia, o estilo de jogo e o ADN que eu quero.»

Essa filosofia, defende o diretor-desportivo do St. Louis, assenta na lógica coletiva. O plantel não tem grandes estrelas. Em vez de ir buscar pelo menos um nome mediático, Pfannenstiel foi ao mercado que melhor conhece garantir as suas principais apostas. Para a baliza, o St Louis assegurou a experiência do suíço Roman Burki, que terminou uma longa ligação ao Borussia Dortmund para rumar aos Estados Unidos e é o capitão de equipa.

Uma equipa sem estrelas

O St Louis optou por contratar apenas dois jogadores designados, aqueles pelos quais uma equipa pode exceder o teto salarial. Também eles com experiência de Bundesliga – o médio Edward Lowen, internacional sub-21 alemão, e o avançado brasileiro João Klauss, que passou as últimas temporadas na Bélgica mas pertencia ao Hoffenheim e já é o melhor marcador da equipa. São eles as principais referências.

«Ainda acredito que o futebol é um desporto de equipa, a estrela tem de ser a equipa», diz Pfannenstiel. «Se se coloca muita responsabilidade, muito peso salarial e o foco num, dois ou três jogadores, não é bom para a química da equipa. Foi por isso que decidimos ter uma estratégia diferente.»

A estratégia passa também, afirma ainda, pela aposta em jogadores jovens: «Não procuramos necessariamente antigas super-estrelas de 35 que venceram duas vezes a Liga dos Campeões e o Mundial e estiveram no topo. Queremos desenvolver jogadores, queremos jogadores jovens e com fome.»

Tem a ver também, defende o alemão, com o enquadramento do clube. Saint Louis, a segunda maior cidade do Missouri, tem cerca de 300 mil habitantes, num meio muito diferente do cosmopolitismo das grandes metrópoles. «Temos que recorrer à abordagem do Midwest. Queremos refletir as pessoas que de facto vão ao estádio, que são trabalhadores, operários, terra a terra. Isso é ser modesto, deixar o suor em campo, trabalhar tanto quanto possível e no fim conseguir fazer alguma coisa.»

O treinador defende a mesma ideia, ele que começou a trabalhar com a equipa logo no verão, vários meses antes do arranque da Liga, procurando passar a filosofia de jogo de pressão e intensidade que trouxe da «escola» Red Bull. «Vai para além da equipa, tem a ver com o estilo de jogo que atrai determinado público. Pensando na cidade de Saint Louis e na comunidade, jogar uma forma enérgica de futebol», disse Carnell ao Daily Mail: «Sabemos que somos os novatos. Como é que podemos mitigar isso? Achamos que a melhor forma de mitigar é ser um coletivo, jogar como uma equipa.»

Os responsáveis do clube fazem gala em lembrar que Saint Louis é uma das cidades norte-americanas com maior tradição no «soccer». Há registos de jogos de futebol, o europeu, com mais de um século. E uma das maiores proezas da seleção norte-americana, a vitória sobre a Inglaterra no Mundial 1950, tinha cinco jogadores naturais da cidade. E a universidade de Saint Louis venceu 10 títulos da NCAA, mais do que qualquer outra, ainda que o último triunfo já remonte a 1973. Teve também vários clubes de futebol ao longo dos anos, mas só agora conseguiu chegar à MLS.

«Os rapazes estavam zangados por ninguém acreditar neles»

A cidade disse presente. O estádio construído de raiz para receber os jogos da equipa, o Citypark, tem capacidade para 22.500 espectadores e tem os bilhetes todos vendidos, já com fila de espera.

Ainda só recebeu dois jogos. Isto está apenas a começar. Mas não podia ter arrancado melhor, em modo épico. O St Louis venceu as três primeiras jornadas com reviravoltas e agora conseguiu um triunfo claro por 3-0 sobre os Saint Jose Earthquakes.

Antes do arranque da época poucos imaginariam um cenário assim, como reconheceu o treinador após o último jogo. Ninguém dava o St Louis como favorito e isso foi motivação adicional para a equipa, afirma Bradley Carnell. «Não é surpresa para nós. Os rapazes estavam confiantes desde o primeiro dia. E estavam zangados desde o primeiro dia, por ninguém acreditar neles. Mas agora demonstrámos que podemos competir, podemos dominar, podemos controlar.»

O Saint Louis vive, até aqui, uma história cor de rosa. Isto está só a começar, mas para já o treinador garante que a equipa não vai deixar-se deslumbrar por este arranque. «Temos de manter os pés no chão. Não duvido que este grupo vá continuar humilde e ansioso por aprender e comprometer-se.»