Marc Zoro tornou-se famoso em Itália por um gesto forte contra o racismo, foi jogador do Benfica sem praticamente ter jogado na Luz, já andou por muitos clubes depois disso e atualmente joga no OFI Creta, da Grécia, treinado por Ricardo Sá Pinto. Agora voltou a não encolher os ombros quando foi alvo de gritos de macaco vindos da bancada. Valeu-lhe um cartão amarelo e uma história para contar.

É o próprio Marc Zoro quem descreve o episódio ao Maisfutebol, na primeira pessoa e em português, aliás. O jogo era em Salónica, com o Aris. «Sabemos como é o futebol. Há muita gente que aproveita o futebol para fazer outras coisas, gente mal intencionada, não vale a pena dar muita importância», começa Zoro: «É a mesma coisa de sempre, gritos de macaco.»

Ele não quis dar muita importância, mas achou, e acha, que não devia ignorar. «Não fiquei muito nervoso. Fui ter com o árbitro, porque quero que o árbitro saiba o que está a acontecer, que não é bom.»

Aí complicou-se. «O árbitro não entendeu, não percebe inglês. O capitão da equipa adversária foi falar com o árbitro e disse-lhe que eu estava a queimar tempo. E ele deu-me um amarelo», conta Zoro, sorrindo perante a ironia.

O árbitro acabou por perceber. E, ainda com o jogo a decorrer (o incidente aconteceu a 20 minutos do final, com um 0-0 no marcador que persistiu até final), tentou... compensar: «Foi falar comigo para pedir desculpa, ainda durante o jogo. Disse: «Desculpa, não tinha entendido. Não vou dar-te um segundo amarelo se houver alguma coisa.»

No banco, conta Zoro, Sá Pinto moralizava o seu jogador: «O mister disse: não ligues a essa gente, és melhor que essa gente, és um grande homem, continua em frente.»

Zoro não quis dar muito mais relevo ao caso, limitou-se a deixar um desabafo numa rede social, o qual se tornou depois notícia. Nunca lhe passou pela cabeça uma medida drástica.

«Não pensei sair do campo. Fiz uma vez, nunca mais vou fazer outra. Tem que haver procedimentos para sancionar as pessoas que fazem isso. O meu trabalho é jogar.»

Essa vez de que fala foi em novembro de 2005. Zoro era um jovem defesa da Costa do Marfim a jogar no Messina. As provocações das bancadas eram constantes e naquele jogo com o Inter foi de mais para ele. Em lágrimas, pegou na bola e quis ir-se embora. Acabou por ser demovido por vários jogadores, entre os quais o brasileiro Adriano, mas a sua atitude correu mundo.



Tinha na altura 21 anos e já levava muito tempo de Itália, onde chegou com 16 anos. Aquilo já tinha acontecido muitas vezes, naquele dia não deu para ignorar. «Não aguentei mais. O que eles diziam entrava-me na cabeça, não conseguia concentrar-me no jogo», explicou mais tarde.

A sua atitude fez despertar consciências. O Inter foi multado em 25 mil euros, vários adeptos do clube foram banidos dos estádios por algum tempo, a jornada seguinte da Serie A começou com cinco minutos de atraso, numa manifestação simbólica anti-racismo. Zoro tornou-se um símbolo da luta anti-racismo no futebol.

«Porque é que o estádio também não pode levar um cartão vermelho?»

Mas hoje, oito anos e meio depois, continua a acontecer. Tantas e tantas vezes. Em Itália, mas não só, ainda esta semana Inglaterra debateu a discriminação em relação aos jogadores negros, o Brasil também. A FIFA e a UEFA aprovaram medidas mais duras de combate a manifestações racistas. Mas não chega, diz Zoro.

«Não mudou nada desde aquele dia com o Messina. Depois disso aconteceu muitas vezes. Com o Balotelli, com o Etoo, com tantos», desabafa Zoro: «Não há procedimentos muito fortes. Não mandam uma equipa ficar cinco meses sem jogar no seu campo. Era preciso um castigo forte. Quando um jogador se porta mal vê cartão vermelho e é castigado. Porque é que o estádio também não pode levar um cartão vermelho?»

Em Portugal, Zoro não precisou de falar com nenhum árbitro por causa disto. Nas três épocas que jogou na Liga diz que não foi alvo de insultos racistas. «Em Portugal não aconteceu. Depende da mentalidade do país, das pessoas que vão ao estádio. Em Portugal há sempre muita gente de várias cores junta, negros, brancos, mulatos», diz, ele que guarda memórias positivas da passagem por cá. Apesar da forma como correu, ou como não correu, a passagem pela Luz: «Embora o Benfica não tenha corrido bem para mim, tenho boas recordações de Portugal.»

Foi em maio de 2007 que Zoro chegou a Lisboa para assinar pelo Benfica, vindo do Messina. Ficou na Luz na época 2007/08, fez sete jogos, dois dos quais na Liga (no último marcou um golo ao U. Leiria), mas depois as portas do clube fecharam-se definitivamente para ele, embora o contrato tenha durado até junho de 2011.

Em janeiro de 2009 foi cedido ao V. Setúbal, onde jogou, com regularidade, o que restava dessa época e a temporada seguinte. Os últimos seis meses de ligação ao Benfica passou-os na Roménia, no Universitat Craiova. No final de 2011 esteve à experiência no Blackburn Rovers, mas ficou de novo sem jogar até janeiro. Nessa altura assinou pelo Angers, da II Divisão francesa. Fez uma boa temporada e, no verão de 2013, voltou a mudar, desta vez para a Grécia, para o OFI Creta.

Não começou bem, mas a chegada de Sá Pinto, em Outubro, mudou as coisas no clube grego, diz. «Quando cheguei aqui estava difícil, a equipa estava muito em baixo. Depois o presidente contratou o Sá Pinto e mudou muita coisa», conta: «Conhecia o Sá Pinto de Portugal, mas nunca tinha trabalhado com ele. Trabalha com muita seriedade, com muito profissionalismo. Agora estamos a lutar por um lugar na UEFA, na final da Taça da Grécia, tem sido excelente.»

Hoje, com 30 anos, Zoro mantém o futuro em aberto. «Estou a fazer um bom campeonato. Depois logo se vê. Tenho mais dois anos de contrato, mas tenho a possibilidade de sair», diz, sem pensar já na seleção da Costa do Marfim, ele que somou 22 internacionalizações: «Quero acabar a carreira com felicidade, aí mais uns três anos. Não tenho o sonho de voltar à seleção. Já passou. Vou ficar a ver a seleção como um patriota da Costa do Marfim, não como um menino a sonhar com a seleção. Se o selecionador me telefonar é diferente, mas não penso nisso.»

Está de bem com a sua carreira e com a sua forma de estar. Voltando ao racismo, mantém os seus princípios. Ignorar, para ele, não é opção: «Cada vez que acontecer eu vou sempre dizer ao árbitro. Dizer ao árbitro é como dizer à FIFA e à UEFA que têm de encontrar um caminho melhor. Acho que isto não vai acabar de uma vez, vai acabar pouco a pouco.»