A Liga chinesa teve publicidade com fartura nos últimos dois meses. Estrelas que chegaram, muitas outras que podiam chegar, milhões para trás e para a frente. Agora que a roda parou de girar e que o campeonato vai arrancar, já nesta sexta-feira, a primeira conclusão é que a China gastou mais que nunca, mas não foram assim tantos os jogadores estrangeiros seduzidos pelo futebol chinês. Ideia que pode estender-se aos treinadores, embora em ambos os casos haja novidades, e em português.

O Shanghai SPIG, agora de André Villas-Boas, contratou Óscar ao Chelsea, um negócio de valores noticiados na ordem dos 60 milhões de euros, o que, aliado à mudança de Carlos Tevez para o Shanghai Shenhua, agora treinado pelo uruguaio Gus Poyet, ou de Axel Witsel para o Tianjin Quanjian garantiu desde logo a dimensão mediática do mercado chinês este ano, repetindo uma tendência que já vinha de 2016. Mas na verdade o clube chinês que terá gasto mais dinheiro neste mercado foi o Hebei Fortune. Sem que o clube onde está o técnico chileno Manuel Pellegrini tenha contratado uma mega-estrela do futebol europeu.

É certo que o Hebei foi buscar o médio brasileiro Hernanes à Juventus, mas as contratações de maior dimensão que fez foram de jogadores chineses e no mercado interno. A começar por Zhang Chendong, avançado que começou... no Mafra. Pois, um negócio estimado em 20 milhões de sempre, que faz do jogador que chegou a Portugal em 2009/10 e que ainda passou por U. Leiria e Beira Mar, além de uma experiência na segunda divisão alemã e outra no Rayo Vallecano, o chinês mais caro de sempre.  Zhang foi contratado ao Beijing Guoan e terá no Hebei a companhia de mais dois internacionais chineses, Zhao Mingjian e Yin Hongbo, ambos contratações estimadas em 10 milhões de euros. Num mercado em que na maior parte dos casos não são divulgados os valores das transferências, a de Hernanes foi anunciada pela Juventus e foi de oito milhões de euros.

Sinais de uma mudança de abordagem também dentro do próprio futebol chinês, que além disso modificou neste defeso as regras relativas à utilização de jogadores estrangeiros. Até agora as equipas podiam ter quatro, mais um asiático. Agora, embora possam manter esses elementos no plantel, só poderão utilizar três em cada jogo, incluindo nesses três o jogador asiático. Além disso, passou a haver também obrigatoriedade de os clubes integrarem pelo menos dois jogadores chineses sub-23.

Em causa o receio de que esteja a ser alimentada uma bolha artificial, bem como a preocupação em proteger o próprio futebol chinês, que o regime quer assumidamente transformar numa potência mundial em pouco mais de três décadas, até 2050.

No comunicado em que anunciou estas medidas, a Federação chinesa justificava-as com a necessidade de «cumprir o ‘Plano Geral da Reforma e Desenvolvimento do Futebol Chinês’ e beneficiar o desenvolvimento do futebol e jogadores chineses, para melhorar a qualidade da seleção e manter a liga profissional numa linha saudável, estável e consistente». E garantia que vai continuar a «definir novas regras para regular gastos irracionais da Super Liga e da Liga chinesa, incluindo o pagamento excessivo de transferências nacionais e internacionais e salários».

Ainda assim, as estimativas apontam para que a China tenha gasto mais do que nunca neste mercado: 388 milhões de euros, contra 345 há um ano, de acordo com dados da empresa de representação e consultoria espanhola Primesports. Mais dinheiro do que gastou qualquer outro dos cinco grandes campeonatos europeus neste período: o mais próximo foi a Liga inglesa, gastos orçados em 277 milhões. Mas convém ter em conta que esta é a principal janela de mercado na China, aquela que antecede o arranque do campeonato, pelo que a comparação mais correta seria com os gastos europeus no verão. E aí a China fica muito longe da Premier League, que terá passado os mil milhões de euros no verão de 2016.

De qualquer modo, todos os clubes chineses têm a quota de estrangeiros preenchidos e estes representam um papel importante nas suas equipas. O que é ainda mais verdade para os treinadores. Entre os 16 clubes da Super Liga chinesa, apenas três têm técnicos chineses. Há de resto quatro sul-coreanos e nove ocidentais. Há quatro novidades, entre elas dois portugueses: André Villas-Boas no Shanghai SIPG, o clube que contratou Oscar e já tinha Hulk, e Jaime Pacheco no Tianjin Teda, um regresso para o técnico, que já tinha trabalhado na China em 2011 e 2012, e que tem como contratação mais sonante o nigeriano Obi Mikel.

Ainda no que diz respeito a novidades nos bancos, ao Shanghai Shenhua chegou o uruguaio Gus Poyet e no Beijing Guoan está agora o espanhol José Gonzalez.

Depois há, claro, Luiz Felipe Scolari, que permanece como treinador do crónico campeão Guangzhou Evergrande, seis títulos nas últimas seis épocas. E ainda Manuel Pellegrini, que chegou no final da temporada passada ao Hebei, mais o alemão Felix Magath no Shandong Luneng, o sérvio Dragan Stojkovic no Guanghzou RF e o italiano Fabio Cannavaro no recém-promovido Tianjin Quanjian, o clube de que mais se ouviu falar em Portugal nas últimas semanas.

O Tianjin levou Axel Witsel logo no arranque do mercado e também contratou Alexandre Pato, mas ainda procurava um nome sonante para o ataque. Foi associado a vários jogadores da Liga portuguesa, como Mitroglou ou Bas Dost, e a estrelas do futebol europeu como Falcao, Wayne Rooney ou Aubameyang, mas acabou por fechar o plantel com um nome bem mais discreto: Junior Moraes, irmão do ex-portista Bruno Moraes, que estava no Dínamo Kiev. Não foi o único. Para cada reforço efetivo no futebol chinês houve informações sobre muitos mais que não se confirmaram, não apenas de jogadores mas também de treinadores. José Mourinho, por exemplo, foi um dos técnicos que revelou já ter recusado uma proposta do futebol chinês.

 O Guangzhou não contratou nenhum nome sonante no defeso – aliás, o clube manifestou a intenção de vir a reduzir a sua quota de estrangeiros, mas mantém nomes como o ex-portista Jackson Martinez, além dos brasileiros Goulart e Alan, e é ainda o principal candidato ao título.

Na corrida está ainda o Jiangsu Suning, segundo classificado na época passada e que também optou por uma lógica de estabilidade no defeso, depois de já contar com estrangeiros como Ramires ou Alex Teixeira. E o Shanghai SIPG, com um investimento forte às ordens de Villas-Boas e também com o único jogador português atualmente no principal campeonato chinês, Ricardo Carvalho. Depois do terceiro lugar na época passada com Sven Goran-Eriksson no banco, ele que aliás se mantém na China, a treinar na segunda divisão, o Shanghai tem dado bons sinais na Liga dos Campeões asiáticos, com vitórias nos três primeiros jogos