Olhem para Oriente e aí encontrarão o novo Eldorado do futebol mundial. Não é um provérbio chinês, mas a constatação não deixa de ser cada vez mais uma evidência.

A China milenar, que há quatro mil anos inventou o tsu-chu – uma espécie de parente ancestral do desporto-rei –, deu lugar à China milionária, que despertou tardiamente para o futebol como indústria, mas bem a tempo de atrair cada vez mais estrelas para a rota do Oriente.

Criada em 2004, a Superliga já atraiu nomes como Anelka e Drogba (ambos rumaram em 2012 ao Shangai Shennua), mas só recentemente, com o investimento cada vez maior de clubes que têm grandes grupos económicos do país na sua estrutura acionista, começou a atrair de forma consistente cada vez mais estrelas do futebol mundial.

A Superliga Chinesa arranca apenas em março, mas os reforços da edição de 2017 anunciados nos últimos dias têm deixado o mundo do futebol de boca aberta: Oscar trocou o Chelsea pelo Shangai SIPG, agora treinado por André Villas-Boas, por um valor próximo os 70 milhões de euros. O médio brasileiro ruma à China com apenas 25 anos atraído por um salário anual de cerca de 24 milhões de euros. Um valor impressionante, mas ainda assim aquém da proposta com que o Shangai Shenhua, o outro clube da gigante metrópole portuária, oficializou a contratação de Carlos Tévez, que passará a auferir o mais alto salário de sempre do futebol mundial: 40 milhões por época. Ou seja, 80 milhões de euros pelos dois anos de contrato.

Pepe talvez, Cristiano não

Do gigante asiático terá chegado também uma proposta milionária para Pepe: segundo o diário desportivo espanhol Marca, o Hebei Fortune, orientado por Manuel Pellegrini, preparou uma oferta de 10 milhões de euros por época ao internacional português, mais do dobro do que os 4,5 milhões do que o defesa-central de 33 anos aufere no Real Madrid.

Ainda mais incrível é uma alegada proposta astronómica por Cristiano Ronaldo, revelada por Jorge Mendes em entrevista recente à Sky italiana: «Da China ofereceram 300 milhões pelo Cristiano e mais 100 milhões de salário, mas o dinheiro não é tudo e o Real Madrid é a vida dele.»

Cristiano aparentemente resiste, mas outros vão cedendo. O exemplo mais recente é o do ex-benfiquista Axel Witsel, que à última hora preteriu a Juventus para assinar por três épocas pelo Tianjin Quanjian, equipa treinada por Fabio Cannavaro, recém-promovida ao escalão principal depois de se sagrar campeã da China League One, segundo escalão do país.

«Foi uma decisão muito difícil porque de um lado estava uma grande equipa e um clube de topo como a Juventus e do outro estava uma oferta irrecusável para o futuro da minha família», afirmou ao jornal italiano Tuttosport, o médio belga que este mês completa 28 anos.

Fala-se de um salário na ordem dos 16 milhões de euros, cinco vezes mais do que os três milhões/ano que Witsel auferia nos russos do Zenit, que deverão receber 20 milhões pela transferência imediata apesar de o jogador terminar contrato em junho.

Evolução com um toque luso

A evolução do futebol chinês também tem influência lusa. Além de André Villas-Boas, que substitui Sven Göran Eriksson no comando do milionário Shangai SIPG, Jaime Pacheco orienta o mais modesto Tianjin Teda, depois de em 2011 e 2012 ter treinado o Beijing Guoan, enquanto o ex-selecionador nacional Luiz Felipe Scolari é técnico do crónico campeão Guangzhou Evergrande.

Além deste trio no banco e de Hulk e Witsel em campo, outros nomes bem conhecidos do futebol português fazem parte dos destaques da Superliga de 2016, como os colombianos Montero (ex-Sporting), Jackson Martínez e Guarín (ambos ex-FC Porto), os brasileiros ex-Benfica Ramires e Alan Kardec, ou até o defesa moçambicano Zainadine, ex-Nacional e formado no Sporting.

Neste lote só não se inclui Rúben Micael (ex-FC Porto, Sp. Braga e Nacional), que em 2017 só não estará na elite porque o seu Shijiazhuang Ever Bright foi relegado para o segundo escalão, a China League One.

Mas aos nomes já referidos juntam-se uma série de jogadores chineses que têm atuado nos clubes da II Liga Portuguesa, em virtude do protocolo estabelecido com a Ledman, empresa que patrocina a prova.

E se os árbitros forem o próximo alvo?

Os milhões da China atraem treinadores, jogadores e até aquele que na atualidade é considerado como melhor árbitro do mundo. O inglês Mark Clattenburg, de 41 anos, abordou a hipótese de poder vir a trocar a Premier League pelo campeonato chinês. «A China está a tentar desenvolver o seu futebol, tendo em consideração as recentes contratações. Neste momento, não existe qualquer proposta, mas se surgir uma oportunidade terei que pensar a minha carreira de forma estratégica, a longo prazo. Quanto tempo ainda poderei arbitrar? Levo 12 anos de Premier League», revelou o árbitro inglês de 41 anos à agência noticiosa norte-americana Associated Press.

A debandada de grandes estrelas do futebol europeu só não é maior porque o número de contratações de jogadores estrangeiros está limitado a quatro para cada uma das 16 equipas da Superliga, havendo uma vaga adicional por plantel para incluir um jogador de outro país asiático.

O restante tem de ser ocupado por jogadores chineses, o que limita o rombo causado ao futebol europeu e baixa consideravelmente o nível competitivo de cada equipa.

PC chinês alerta para a bolha

Os investimentos milionários em contratações estão a alarmar o Partido Comunista Chinês, que através do seu jornal oficial – na edição de 16 de dezembro – alertou para a «bolha» da indústria futebolística do país.

O Diário do Povo salientou a importância de «controlar a obsessão» com transferências em prol da «estabilidade financeira dos clubes a longo prazo». Em 2016, os gastos de clubes e empresas proprietárias superaram os mil milhões de euros, sendo que, destes, 400 milhões foram investidos na contratação de jogadores estrangeiros. Um valor três vezes maior ao de 2015 e que, segundo o jornal, «excede em muito a valorização que trouxe ao campeonato», dado o fraco aumento nas receitas de bilheteira e produtos de merchandising.

A média de assistências por jogo tem subido consistentemente, de 19 mil espetadores em 2014 para 24 mil em 2016, e em termos desportivos o hexacampeão chinês, o Guangzhou Evergrande, de Jackson e Scolari, já conseguiu nos últimos anos a proeza de vencer por duas vezes, em 2013 e 2015, a Liga dos Campeões Asiática.

Corroborante com esta extraordinária expansão do futebol no país está a vontade do presidente do país Xi Jinping quer tornar a China numa potência mundial da modalidade. Apesar de a seleção ter apenas conseguido apuramento para o Mundial 2002, o objetivo passa por conseguir uma equipa nacional competitiva para disputar a fase final do Mundial de 2026.

Não será fácil conseguir uma ascensão tão súbita num prazo não tão distante assim e para já os milhões só têm ajudado a mudar para já a face da competição interna. Contudo, o futebol é também um jogo de paciência.