É mais conhecida por Nadya Karpova, mas o seu primeiro nome é Nadezhda, que em russo significa esperança. A futebolista russa de 27 anos, que atua no Espanhol de Barcelona, é uma das poucas vozes no mundo do desporto russo que se tem manifestado contra a guerra. Tem uma tatuagem com o seu primeiro nome na parte da frente do pescoço e, apesar de não se lembrar do motivo pela qual a fez quando tinha 21 anos, sabe que dificilmente tem tanto significado como por estes dias. Ter esperança.

Karpova alista-se no reduzido leque de futebolistas da Rússia que já se pronunciaram contra a guerra em território ucraniano. Em fevereiro, Fedor Smolov, do Dínamo de Moscovo, apelou à paz. Aleksandr Sobolev, do Spartak Moscovo, também publicou uma mensagem de oposição à guerra no dia um desta, mas a publicação foi apagada horas depois.

A partir de Espanha, Karpova sabe que dificilmente se expressaria como tem feito consecutivamente caso estivesse na Rússia, mas frisa que não pode ficar em silêncio perante o que vê à distância.

«Eu não posso olhar para esta desumanidade e ficar em silêncio. Eu não sei o que aconteceria se eu estivesse na Rússia e não em Espanha, mas eu sinto uma responsabilidade especial em falar», afirmou Karpova, em entrevista à BBC, publicada esta terça-feira e realizada em Barcelona.

Cuidadosa nas palavras, apesar de não recear dizer algo errado, Karpova tem, sobretudo, receio de esquecer-se de dizer algo importante.

«A propaganda russa está a tentar persuadir os russos de que nós somos uma nação muito especial e que o mundo inteiro está contra nós e a nossa “missão única”», diz a avançada, internacional russa.

«Eu não penso que os russos sejam especiais. Ao mesmo tempo, eu não tenho vergonha de ser russa, porque a Rússia não é o governo nem Vladimir Putin. Putin tirou-nos tudo, ele tirou-nos o nosso futuro. Ao mesmo tempo, ele fê-lo sem o nosso consentimento tácito. Eles [ndr: governo] não enfrentaram resistência forte. A maioria das pessoas apenas fechou os olhos à injustiça», prossegue a futebolista, contando que já fez parte de duas manifestações da oposição, a última delas em apoio a Alexei Navalny, principal opositor recente de Putin, que foi envenenado e preso.

«Eu participei em duas manifestações, a última delas em apoio a Navalny quando ele foi envenenado e preso, mas penso que ainda não fiz o suficiente», defende.

Karpova chegou a Espanha com 22 anos para jogar no Valência após o Euro 2017, já passou pelo Sevilha, está agora no Espanhol e partilhou ainda que deixou de ter medo de falar de determinados assuntos, como é exemplo a sua homossexualidade.

«Eu parei de ter medo de certas coisas. De falar, por exemplo. Eu também entendi que ninguém iria culpar-me por viver com uma rapariga e que não é estigma aqui ser lésbica», referiu.

Do seu ponto de vista, Karpova mostra ainda esperança – ou não fosse também, por coincidência, o significado do seu primeiro nome – quanto a mudanças no futuro no povo russo. «Eu gostaria que mais e mais russos – atletas russos também – falassem, para que outras pessoas que são contra a guerra saibam que não são uma minoria. Não podemos simplesmente fingir que nada está a acontecer. O tempo do silêncio deveria ter acabado», aponta.