Tinha tudo para ser um dia de festa – mais do que um dia, uma jornada. De festa da Taça. Da Taça de França. Acabou por ser um susto – se não do outro mundo, pelo menos, do outro lado do mundo. Com a triste coincidência de ter acontecido com os atentados de Paris em pano de fundo, esta história cabe num triângulo de medo cujos vértices estão em França, no Taiti e nos Estados Unidos.

Comecemos pelo primeiro: o jogo em q uestão foi a contar para a sétima eliminatória da Taça de França. Passamos para o segundo vértice: o jogo foi disputado no Taiti. O terceiro está numa viagem de regresso cuja passagem pelos Estados Unidos em modo filme de ação só ficou diminuída – para os protagonistas em questão – perante a realidade da última sexta-feira 13.

Contextualizando, as divisões em França vão-se dividindo desde a Ligue 1 até aos campeonatos que vão ate ao quinto escalão; depois estão as divisões regionais (sexto escalão) e, depois, as departamentais (sétimo e seguintes). Os escalões regionais incluem as 22 regiões de França (antiga metrópole) e ainda cinco outras divisões de antigos territórios ultramarinos gauleses. Na Taça de França, também ainda participam clubes de ligas já independentes de ex-colónias francesas, como é o caso do Taiti.

Um emocionante jogo com 11 golos

Foi assim que o GSI Pontivy, da divisão CFA2-A (do quinto escalão) de França deu graças à sorte por lhe ter calhado como adversário na sétima eliminatória o AS Pirae, campeão da Polinésia Francesa em 2014 e participante na Taça de França pela décima vez. As despesas da viagem ficam com a federação francesa e, quem consegue negociar uma licença especial no emprego, carimba o passaporte com o visto, faz as malas e ruma a um destino turístico para jogar futebol.

O jogo entre o clube taitiano (semi-finalista em 2006 da Liga dos Campeões da Confederação de Futebol da Oceania) e os amadores franceses foi emotivo, muito emotivo, com um 6-5 para os visitantes com o golo decisivo concretizado no minuto 119 do prolongamento, após a permanente incerteza durante os 10 golos que o antecederam (0-1; 1-1; 1-2; 2-2; 2-3; 3-3; 3-4; 4-4; 5-4; 5-5; 5-6).


Coupe de France de foot : Pirae s'incline 5... por 1ere-polynesie

Foi a grande consolação para os jogadores do Pontivy, pois, para passear, os bretões que foram ao Taiti fazer a sua festa da Taça acabaram por ter pouco tempo. Com temperaturas altas num fuso horário bastante diferente a que se habituarem, a equipa técnica acabou por «limitar as saídas» para que «os jogadores pudessem recuperar para o jogo».

«Gostávamos muito de ter tido mais tempo depois do jogo para passearmos um pouco e conhecer um pouco a ilha, já que antes do desafio foi complicado fazê-lo», admitiu o treinador adjunto do Pontivy, Hervé Brouard explicando ao «So Foot.com» as razões da equipa: «Treinávamos duas vezes por dia, mais o tempo de recuperação tão importante por causa do calor que fazia lá. Acabámos apenas por ir passear a um mercado na véspera do jogo.»

Os bretões ainda foram brindados com uma receção e um repasto, segundo o relato, em casa do presidente do AS Pirae. Chegada a hora de fazer o regresso a França, a pena de deixar o Taiti quase sem o conhecer acabou por durar pouco. Porque, não muito depois, o susto apanhado fez o medo dominar os pensamentos...

O FBI, pizas e hambúrgueres... e uma bomba?

A bordo do avião a recusa de uma hospedeira em dar um pouco de pão quando comiam fez soar o primeiro alarme emocional. O movimento anormal dentro da aeronave foi aumentando as suspeitas. O aviso do piloto minutos depois fez a confirmação. Um «problema técnico» obrigava a uma «aterragem de emergência» escutando as indicações da comissária de bordo.

«Ela pediu aos passageiros junto às saídas de emergência que se preparassem para sair pelas mangas. Foi a partir daí que o avião desceu muito rápido enquanto largava combustível. (...) A descida foi muito, muito rápida e na aterragem batemos com força na pista. Uma vez no chão, fomos evacuados rapidamente por um grande número de veículos que já estava na pista. (...) Foi deveras impressionante», contou Brouard.

Mas o filme estava longe de estar terminado. Os passageiros foram recebidos por elementos do FBI. Foram recebidos com pizas e hambúrgueres, mas também com a notícia de que havia a suspeita de uma bomba no avião. Tecnologia de ponta, cães pisteiros, tudo serviu para inspecionar a aeronave de uma ponta à outra.

O filme terminou com o final feliz. Não havia bomba. Pôde-se regressar a casa. Nem todos os passageiros o quiseram fazer. A comitiva do Pontivy regressou, mesmo que não tenha ganho para o susto. Hervé Brouard teve «medo, como toda a gente». E recordou: «A dado momento disse para mim mesmo *******, o que é que faço dentro deste avião? O que é que eu vim fazer aqui? Vou fazer-me morrer no meio dos Estados Unidos por... por nada

«É peculiar. Estamos a 1.500 metros de altura e tudo se passa muito rápido na cabeça. São momentos de emoções tão fortes que eu garanto que ficámos felizes por pôr os pés em terra», confessou o técnico adjunto. Será algo que «ficará gravado» na cabeça «para sempre». Mas Brouard também não se esqueceu de que a aventura do Pontivy no Taiti aconteceu apenas dois dias depois dos atentados em Paris na última sexta-feira 13. E frisou os graus de impacto que cada situação tem: «Quando se vê o que aconteceu em Paris, não foi mais do que um simples incidente.»