Argentino, ponta-de-lança e agora profundamente odiado por uma significativa franja de adeptos em Itália. Não, não é Gonzalo Higuaín, até porque o caso de Mauro Icardi é bem diferente, a começar pelo facto de ser capitão do Inter de Milão e ser detestado pelos adeptos do seu próprio clube.
De tal modo que, na madrugada de domingo para segunda, um grupo de tifosi colocou à porta de casa do jogador uma tarja com uma mensagem bem elucidativa: «Nós estamos aqui. Quando chegam os teus amigos argentinos? Avisa-nos, ou és um cobarde?»
Os assobios e faixas de contestação ao avançado argentino já haviam marcado a derrota em casa da equipa de João Mário (1-2) diante do Cagliari de Bruno Alves, domingo, na 8.ª jornada da Serie A.
Icardi falhou uma grande penalidade, o que motivou aplausos entre os adeptos da Curva Norte do Giuseppe Meazza, que entre outras tarjas estendidas no estádio lhe dedicaram mensagens tão contundentes como esta: «Usas uma criança para justificar-te e enxovalhar-nos. Não és um homem, não és um capitão. És uma merda.»
O episódio que espoletou a relação conflituosa remonta a fevereiro de 2015, quando após uma derrota fora diante do Sassuolo o jogador teve um desentendimento grave com os adeptos.
Um conflito reavivado, pela autobiografia lançada na semana passada, intitulada «Sempe Avanti» – sim, uma autobiografia aos 23 anos, mas já lá vamos…
Num dos capítulos do livro, Icardi conta que no final do jogo, em Reggio Emilia, dirigiu-se à bancada dos adeptos visitantes e quis oferecer a sua camisola a uma criança, mas que o capo dos ultras interistas a atirou de volta para o relvado em direção ao jogador, desencadendo uma violenta troca de palavras. O jogador contou que em seguida o balneário do Inter o aplaudiu como um herói por ter feito frente aos ultras, que desmentem por completo essa versão e acusam o jogador de usar uma criança para tentar denegrir a claque.
Mas nada melhor do ver o episódio e ler na íntegra o trecho da autobiografia que fez eclodir a guerra entre o capitão e os adeptos da Curva Norte:
«Estava triste porque tinha jogado pouco. Os adeptos começaram a assobiar e chamaram-nos à bancada. Enfrentei-os com Fredy Guarín [ex-jogador do FC Porto]. Enquanto me aproximo, gritam-me insultos de todo o tipo. Junto à rede, há um miúdo que me pede a camisola […] Lamentavelmente, um 'capo' dos ultra tira-lha e lança-a de volta com desprezo […]
Nesse momento, apetecia-me dar-lhe um soco pelo gesto indigno e comecei a insultá-lo de forma dura: “Pedaço de merda, fazes-te de valente e prepotente com uma criança para te exibires na bancada. Achas-te duro? Devias ter vergonha. Deviam todos ter vergonha!” Dito isto, atirei-lhe a camisola à cara. Com o estádio quase vazio, a direção pediu-nos para voltar ao campo e falar com os adeptos. Ofereci-me como voluntário. Não tinha medo de nenhum deles. Os ultras queriam que pedisse desculpa, mas eu não tinha nada que por que pedir perdão e os ânimos incendiaram-se: “Adeptos a sério têm de aplaudir quando se ganha e quando se perde” […]
Ninguém antes tinha enfrentado de forma tão direta os 'capos' históricos dos ultras do Inter. No balneário receberam-me como um ídolo, mas os dirigentes presentes temiam que os adeptos pudessem fazer-me uma espera à porta da minha casa e fazer-me pagar pelas minhas palavras, mas eu fui muito claro: ‘Estou disposto a enfrentá-los um a um. Talvez não saibam que cresci num dos bairros com maior criminalidade na América do Sul, com cadáveres pelas ruas. Quantos são? Cinquenta, cem, duzentos? Perfeito, podes dizer-lhes que trarei cem criminosos da Argentina que os matarão ali mesmo’ Disse estas frases com algum exagero para fazer-lhes entender que não ia intimidar-me com as ameaças.»
Direção e capitão tentam esvaziar polémica
Este depoimento provocou a ira dos tifosi que exigem a retirada da braçadeira de capitão ao jogador. E a direção do Inter teve de entrar em cena para tentar salvar a situação, até porque o jogador renovou no início deste mês o contrato que o ligava ao Inter até 2021.
Javier Zanetti, antiga glória do clube e agora vice-presidente, criticou o seu compatriota, salientando que «o comportamento de uma pessoa que trabalha para o clube tem de estar em linha com os valores históricos do Inter» e que «os adeptos são o mais importante: acompanham-nos e respeitam-nos».
Já o diretor-desportivo Piero Ausilio veio a público, logo após a derrota frente ao Cagliari, dizer que o jogador tem de ser mais responsável: «Não acho que se possa escrever uma autobiografia aos 23 anos… Só soube este ano que ele estava a escrever um livro. São situações que não nos agradaram a nós nem aos adeptos.»
Segunda-feira de manhã a direção do clube reuniu-se com Icardi para se debater o assunto, tendo durante a tarde difundido um comunicado em que dava conta da decisão de «sancionar o jogador por violar as regras internas do clube», sem contudo revelar o valor da multa e mantendo-o como capitão.
Icardi também já apressou a tentar baixar a tensão junto dos adeptos com um post na sua página oficial de Instagram em que justifica o que está escrito na sua autobiografia com o «calor do momento».
«É a vocês que procuro a cada domingo quando marco. É o vosso abraço que procuro primeiro porque amo o Inter […] Espero que tenham compreendido quão importante são para mim e quanta estima e amor tenho por vocês, apesar de terem decidido assobiar-me.»
Caso com Wanda Nara e acusações de «traição»
Não é de agora que Icardi é sinónimo de controvérsia em Itália. Recusou a seleção do país transalpino, do qual tem dupla nacionalidade, para representar a seleção argentina, que só representou numa ocasião (jogando oito minutos no único jogo que fez pela albiceleste, já em 2013).
Mauro fala disso no seu livro, mas é outro dos capítulos da obra autobiográfica que volta a causar polémica. Aquele que é dedicado a Wanda Nara, sua atual esposa e ex de Maxi López, na altura seu melhor amigo e companheiro de equipa na Sampdória.
Nesse capítulo, Icardi conta como conquistou Wanda. A rotura entre o casal Maxi e Nara aconteceu pouco depois e tanto Icardi como a ex-mulher do amigo assumiram a relação e dedicaram-se a fazerem algumas provocações de mau gosto nas redes sociais visando Maxi López, que cortou relações com Mauro, evitando até cumprimentá-lo quando se cruzam em campo.
Recentemente, Maxi López queixou-se na comunicação social argentina do comportamento de Wanda Nara, que o tem impedido de ver os seus três filhos (Valentino Gastón, Constantino e Benedicto) que resultaram do relacionamento.
O reavivar desse episódio levou até Diego Maradona a comentar o caso, chamando Icardi de «traidor», tendo o atleta reagido de forma cáustica aos comentários de El Pibe: «Falamos de uma pessoa que não pode ser exemplo para ninguém…»
Facto é que a relação extra-conjugal muito propalada em Itália motivou até a máfia a contactar Maxi López, nos primeiros meses de 2014, oferecendo-se para vingar a traição de Mauro Icardi.
O avançado argentino terá escapado dessa ameaça, mas agora tem «à perna» os interistas. Resta saber se na próxima quinta-feira, na receção ao Southampton para a Liga Europa, de que lado estará a Curva Norte do Giuseppe Meazza.