A noite de sábado no Estádio Kanjuruhan, na Indonésia, fica para a história como uma das maiores tragédias de sempre num estádio de futebol. Os números oficiais apontam para a morte de 125 pessoas na sequência da invasão de campo que se seguiu à derrota do Arema frente ao Persebaya, num jogo que vinha sendo antecedido de enorme tensão. O relato do luso-guineense Abel Camará dá a medida do horror que se viveu naquelas horas. Depois de Malang, que acrescenta um marco negro a uma longa história de violência e falhas de segurança que redundaram em fatalidades, o Maisfutebol recorda os mais graves incidentes em estádios que o mundo já presenciou.

Estádio Nacional de Lima, 1964

A maior tragédia de que há memória num campo de futebol vitimou 328 pessoas. Foi há 58 anos, mas as circunstâncias têm muitas semelhanças com o drama da noite deste sábado em Malang. Aconteceu a 24 de maio de 1964, no Estádio Nacional de Lima, num jogo entre o Peru e a Argentina de qualificação para os Jogos Olímpicos. Em protesto por um golo não validado à equipa da casa alguns adeptos entraram em campo e ocorreram incidentes nas bancadas, a que a polícia respondeu lançando gás lacrimogéneo. O movimento de fuga de centenas de adeptos na zona da tribuna norte do estádio, em direção a uma porta que estava fechada, resultou em mais de três centenas de mortes.

Accra Sports Stadium, 2001

A 9 de maio de 2001, um jogo entre o Hearts of Oak e o Asante Kotoko, na capital do Gana, terminou com 126 mortes. Também aqui os incidentes começaram com protestos, após a equipa da casa ter marcado dois golos nos minutos finais, e a situação descontrolou-se depois de a polícia reagir com balas de borracha e gás lacrimogéneo. Asfixia foi a causa da morte da maioria das vítimas, que se atropelaram na tentativa de fuga, num estádio com saídas insuficientes. Vários elementos da polícia foram julgados pela sua conduta naquele dia, mas não foram considerados responsáveis pelo que aconteceu. 2001 foi um ano particularmente trágico nos estádios em África. Em abril, 43 pessoas tinham morrido no Estádio Ellis Park, na África do Sul, esmagadas na confusão que gerou a tentativa de entrada no estádio sobrelotado.

Hillsborough, 1989

A maior tragédia de sempre num estádio europeu aconteceu a 15 de abril de 1989 em Sheffield, resultado de uma sucessão de erros de organização e segurança que conduziu à morte 97 pessoas, número que foi recentemente atualizado: a última vítima, Andrew Levine, morreu em 2021, depois de passar 32 anos em coma. Ficaram ainda feridas oito centenas de pessoas. Era a meia-final da Taça de Inglaterra entre Liverpool e Nottingham Forest e os problemas começaram com o atraso na entrada de adeptos, que levou as autoridades a abrirem uma porta que conduziu milhares por um túnel que desembocava em duas bancadas já cheias e vedadas com grades. A pressão levou ao esmagamento de dezenas de pessoas contra a vedação. Hillsborough teve consequências profundas na modernização dos estádios e na organização do jogo em Inglaterra e por toda a Europa. O encobrimento das falhas das autoridades, que responsabilizaram os adeptos do Liverpool pelos incidentes, conduziu a uma longa batalha na justiça.

Katmandu, 1988

A 12 de março de 1988, o estádio Dasharath, em Katmandu, recebia a final do Tribhuvan Challenge Shield, o maior torneio do Nepal, quando uma violenta tempestade de granizo levou as pessoas a tentarem abrigar-se, procurando a única bancada coberta do estádio ou dirigindo-se para as saídas, que estavam fechadas. A intervenção policial a tentar manter as pessoas nos seu lugares teve um efeito adverso, originando ainda maior confusão. Ainda que o número oficial seja de 70 mortes, estima-se que tenham sido 90 as vítimas mortais, a maioria por esmagamento.

Estádio Monumental, 1968

Chamaram-lhe a Tragédia da Porta 12. Aconteceu a 23 de junho de 1968 no Monumental de Nuñez, no final de um clássico entre o River Plate e o Boca Juniors. Morreram 71 pessoas, todos adeptos do Boca e na maioria adolescentes, quando tentavam dirigir-se à porta de saída dos visitantes, por um túnel com escadas, estreito e mal iluminado. Nunca foi totalmente esclarecido o que aconteceu - se a porta estava fechada, se foram os torniquetes a condicionar a passagem ou mesmo se foi a repressão policial no exterior, num tempo em que a Argentina estava sob ditadura, a impedir a saída e a pressionar os adeptos uns contra os outros, conduzindo-os à morte. Também nunca foram apuradas responsabilidades e mesmo o Boca Juniors só muitos anos mais tarde, em 2018, pediu desculpa às famílias das vítimas por não ter evocado a tragédia ao longo dos anos. A Puerta12 é hoje o Sector L do estádio do River.

Um documentário de 2008 revive aquela que foi a maior tragédia do futebol argentino:

Moscovo, 1982

Aconteceu a 20 de outubro de 1982 uma tragédia que ainda hoje é alvo de diferentes versões – os números oficiais falam em 66 mortes, mas ao longo dos anos houve estimativas que apontaram para três centenas de vítimas. No então Estádio Central Lenine, no final do jogo da primeira mão da segunda eliminatória da Taça UEFA entre o Spartak Moscovo e os neerlandeses do Haarlem, a concentração de adeptos numa única saída, com os adeptos limitados a uma bancada por imposição das autoridades, conduziu a enorme pressão nessa zona e a um movimento de pânico que redundou em tragédia. O incidente permaneceu durante muito tempo quase incógnito e só em 1989 o regime soviético forneceu informação sobre o que se teria passado, anunciando o número oficial de vítimas e também revelando que teriam sido julgados e condenados alguns elementos das forças policiais. 36 anos mais tarde, remodelado e já rebatizado Luzhniki, o estádio recebeu a final do Mundial 2018.

Ibrox Park, 1971

O Old Firm entre Rangers e Celtic de 2 de janeiro de 1971 terminou em tragédia. Morreram 66 pessoas, também na sequência da pressão da aglomeração das pessoas numa saída estreita e com vários obstáculos, a escadaria 13, que já tinha levantado anteriormente questões de segurança. Terá sido a queda inicial de alguns adeptos a potenciar o que se seguiu e que redundou na maior tragédia do futebol escocês.

Guatemala, 1996

A 16 de outubro de 1996 o Estádio Mateo Flores preparava-se para receber o jogo de apuramento para o Mundial 1998 entre Guatemala e Costa Rica. Era um ambiente de festa, mas terminou em tragédia depois de centenas de adeptos terem forçado a entrada, aparentemente após terem sido vendidos bilhetes em excesso. O movimento de pânico gerado na bancada, com adeptos esmagados contra a vedação e a caírem no relvado, resultou em 83 mortes, a maior tragédia até hoje num jogo de qualificação para o Campeonato do Mundo.

Port Said, 2012

Morreram 74 pessoas e cinco centenas ficaram feridas na batalha campal que a 1 de fevereiro de 2012 se seguiu à vitória do Al-Masry sobre o Al-Ahly para o campeonato egípcio (3-1). Adeptos afetos ao Al-Masry invadiram o relvado, agredindo jogadores e desencadeando uma sucessão de confrontos, que se prolongaram ao exterior do estádio, além de movimentos de pânico. Muitos dos adeptos não sobreviveram aos ferimentos ou morreram esmagados quando tentavam abandonar o estádio, com as portas fechadas e com a polícia a utilizar gás lacrimogéneo na tentativa de controlar a situação. O Al Ahly era treinado pelo português Manuel José. A tragédia levou à suspensão do futebol no Egipto por vários meses e a um julgamento que redundou na condenação de 21 adeptos a pena de morte.

Heysel, 1985

A 29 de maio de 1985, a final da Taça dos Campeões Europeus de 1985 ainda não tinha começado quando adeptos do Liverpool invadiram a bancada onde estavam os apoiantes da Juventus, causando um movimento de pânico, perante a impassividade de um reduzido contingente policial, que lançou centenas de adeptos em fuga. Morreram 39 pessoas e mais de 600 ficaram feridas naquela que é a tragédia mais marcante da história das competições europeias. O jogo, esse, realizou-se como se nada tivesse acontecido. Depois, os clubes ingleses foram suspensos das competições europeias durante cinco anos, enquanto 14 adeptos do Liverpool foram condenados a penas de prisão. As consequências de Heysel no futuro do futebol europeu foram da abordagem ao hooliganismo à segurança nos estádios.