Quando, na transição para o século XXI, Paco Seirul·lo começou a experimentar uma nova abordagem para o treino, estava também a moldar o futuro de uma das equipas mais vencedoras da história do Desporto e, possivelmente, a maior do futebol até ao momento.

Aquilo que o atual diretor da área de metodologia do Barcelona pôs em prática em 2000 foi teorizado pelo professor Wolfgang Schollhorn, da Universidade de Mainz, Alemanha.

A «Differential Learning» (Teoria da Aprendizagem Diferencial) rompe com a ideia tradicional, no futebol e no desporto em geral, que a repetição é o melhor método para se desenvolver o jogador.

Schollhorn defendeu o contrário, Seirul.lo foi provando que estava correto. «Aqueles jogos de tiki-taka? Os atletas mais velhos, habituados à repetição, não os conseguiam fazer», revelou o alemão, ao Maisfutebol, após intervenção nas Football Talks organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol.

O conceito: os jogadores aprendem pela adaptação

Na ideia de Wolfgang Schollhorn, não há repetição no treino nem correção de erros. Os jogadores aprendem de forma intuitiva a adaptar a técnica e, igualmente importante, adaptar a decisão a tomar perante aquela circunstância. São, por assim dizer, levados a assumir maior responsabilidade.

«Alguns jogadores não têm nenhum problema com esta metodologia, outros estão muito habituados a receber instruções. Digo que estes últimos são preguiçosos. Estão habituados à preguiça. “Está aqui alguém a dizer-me o que fazer, a responsabilidade é dele e não quero saber do resto.” Mas no campo eles têm de decidir por eles próprios, não podem olhar para o treinador e perguntar se este passe é correto ou não. Assumem a responsabilidade desde início e isto tem grandes consequências no jogo.»

Comecemos pela técnica antes da tática. O professor universitário dá conta de um estudo que teve por base o remate à baliza. Pré-teste, um de dois grupos obteve 463 pontos. Depois, treinou com metodologia de repetição, ou seja, tentativa de reproduzir as mesmas circunstâncias. A pontuação subiu para 487.

Um segundo grupo fez 474 pontos antes do teste, mas foi-lhe aplicado a Teoria da Aprendizagem Diferenciada depois. No grande ecrã do auditório do Centro de Congressos do Estoril aparece, então, um vídeo com um exemplo extremado, e sublinhe-se o extremado, do que são variações.

Um jogador aproxima-se da bola ao pé-coxinho e remata; outro corre com um braço no ar e outro ainda remata com o pé de apoio claramente distante da bola – em campo, o corpo de um jogador não parte sempre da mesma posição, pode ser importunado por um adversário, a relva ou outro fator qualquer e o jogador tem de, lá está, adaptar-se.

No final, quando foi para atirar à baliza, este segundo grupo terminou com uma pontuação de 617.

O professor universitário indicou: «Quando usamos a repetição, o nosso cérebro fecha, é como se estivéssemos a dormir.» Por outro lado, as variações estimulam a perceção de um jogador, levam-no a encontrar a técnica mais indicada para a situação.

Taticamente, como é que isto é?

Wolfgang Schollhorn fala com o Maisfutebol depois da intervenção e é quando lhe perguntamos se isto se aplica a nível tático que a explicação do alemão é mais entendível para quem não o viu no auditório.

«Um sistema tático, seja ele qual for, também tem variações. Numa abordagem tradicional, essas significam erros. Os tradicionalistas tentam reduzir o erro do jogador, enquanto nós dizemos: “Eles não estão cientes deste erro. Por isso, aumente-se o erro para eles verem a consequência. E assim que eles experienciam a consequência, aprendem por eles próprios.”» O treino tático deve, também ele, ser diferenciado para cada jogador.

O alemão acrescenta que «é assim que aprendemos a andar de bicicleta, ninguém nos explicou como funciona».

Para além disso, «as coisas que aprendemos por nós próprios nunca se esquecem, no que é ensinado por outros há um efeito de memória e dentro de duas semanas está esquecido».

Não é apenas no futebol que esta teoria tem surtido efeito. Quando questionado se afeta a liderança de um treinador, Schollhorn admite que sim. Para melhor a quem a aplica: «Assim que implementámos este sistema diferenciado nas fábricas automóveis o nível de doenças nas empresas baixou e a motivação aumentou.»

«Os velhos do Barça não conseguiam jogar tiki-taka»

Voltemos ao futebol. Deve ser isto aplicável apenas na formação ou incluir também os jogadores veteranos? Também os mais velhos ganham com este tipo de abordagem.

«Temos estudos com pessoas de 70 anos que começaram a ter aulas de tango e, em quatro semanas, repito, em quatro semanas apenas, a postura e equilíbrio deles atingiu o nível de pessoas de 40 anos», disse Schollhorn.

Pois bem, então e um jogador veterano, com 36 anos, que teve uma carreira de sucesso? «É mais difícil eles acreditarem nesta metodologia porque foram bem-sucedidos com o modo anterior até aos 36», começou por indicar o alemão.

«Isto foi observado há 10/15 anos, quando a média de idades das equipas europeias baixou de forma impressionante. Perceberam que os jogadores mais velhos não estavam dispostos a estas variações e, por isso, não faziam sentido. Foi extremamente visível no Barcelona. Não vou mencionar nomes, mas aquele tiki-taka, com apenas um contacto, era impossível para os jogadores mais velhos. Pura e simplesmente, não conseguiam acompanhar. Era demasiado rápido para eles, porque foram habituados a um treino diferente.»

Rápido na técnica e na tomada de decisão.


 

No entanto, há exceções em que Schollhorn admite usar a repetição: «Descobrimos que se alguém for psicologicamente estável, podemos variar o que quisermos na parte motora. Mas quando alguém é instável psicologicamente, pede repetições para ganhar controlo.»

O alemão exemplifica com crianças, no momento em que vão para a cama. «Normalmente, lemos-lhes livros, mas para eles são não-livros, porque eles já sabem o que acontece», iniciou.

«Se nós mudarmos algo na história, eles vão dizer: “Não é assim.” A repetição dá-lhes uma sensação de controlo e assim podem dizer adeus à segurança do dia e entrar na insegurança da noite. Agora, o que descobrimos é que três repetições chegam para dar essa segurança», concluiu sobre o tema.

«Não conheço ninguém em Portugal que siga isto, mas era como no Barcelona…»

Assim que subiu ao palco do auditório, Schollhorn lembrou que já tinha estado em Portugal há cerca de dez anos a falar sobre isto. No entanto, não sabe se influenciou algum dos treinadores portugueses, ainda que se encontrem algumas publicações em que é citado.

«Não conheço ninguém cá que siga esta ideia, mas era o mesmo com o Barcelona, nenhum clube fala sobre isto», disse e passou a explicar: «Nalgumas áreas, é considerado arma secreta. Não se fala sobre isto, porque quem aplica, tem uma vantagem que não quer desperdiçar. Mas quanto mais cedo se reconhecer isto, maior é a probabilidade de sucesso.»

Paco Seirul.lol e Wolfgang Schollnor encontraram-se várias vezes desde 2001. O espanhol começou por um método simples e depois sistematizou a Teoria de Aprendizagem Diferencial. Aplicou-a não só à equipa de futebol do Barcelona, mas também às restantes modalidades do clube.

«Se foi peça-chave do êxito deles? O sucesso de uma equipa tem de ser visto por mais do que uma coisa, mas foi uma parte», terminou Wolfgang Schollhorn.