O jogo da placa, homenagem dos mexicanos, na parede do seu coliseu. El Estadio Azteca rinde homenaje a las selecciones de: Italia (4) y Alemania (3) protagonistas en el Mundial de 1970, del «Partido del Siglo». 17 de Junio de 1970. A República Federal Alemã favorita; a Itália, que passou a fase de grupos com apenas um golo marcado, a triunfar. O empate no segundo minuto de compensação, dado por um peruano com nome japonês. A finalização, estranha, do líbero germânico Schnellinger, logo ele que jogava em território inimigo, no Milan. Beckenbauer de ombro e braço ligado, mas a continuar. A correr, a rematar. Cinco-golos-cinco no prolongamento. Um golo a responder ao outro. Um deles no pontapé de saída. Da festa à desilusão, da desolação à glória. O jogo do século não valeu a Taça Jules Rimet para sempre, ou sequer o título mundial. Rezam as crónicas que para ganhá-lo a Itália teve de abdicar da final. E talvez tenha sido mesmo assim.



Beckenbauer, Overath, Müller – tanto talento

Seeler, aos 33 anos, corria mais do que todos os outros, naquele relvado molhado pelo temporal que antecedeu o pontapé de saída. Atacava, defendia, atacava outra vez. Saltava mais alto, ia ao choque. Caía, levantava-se. Wolfgang Overath fazia jus ao nome de maestro, mexendo, com o pé esquerdo, os cordelinhos de um meio-campo onde respirava a classe de um
Kaiser de 24 anos, e onde cresciam da sua própria baliza Vogts e Schulz, em correrias loucas. Grabowski era o atirador furtivo. E havia Müller, claro, fantástico. Sempre a conseguir receber e virar. Sempre a procurar o erro, as entrelinhas. Não era a toa que a Mannschaft, vice-campeã de 1966, chegava à meia-final desse Mundial com tudo a seu favor. Já o tinha provado frente à campeã Inglaterra, ao recuperar de 0-2 para um 3-2 final, após prolongamento. E Beckenbauer exibira a coroa, ao assinar uma obra de arte!

No Azteca, encontravam-se o campeão europeu em título e o seu sucessor, daí por dois anos, a ser encontrado na Bélgica. Que também se consagraria campeão mundial. Mas ninguém ainda o sabia. E, por isso, não se podia falar de passagem de testemunho. A história somava oito triunfos para os transalpinos, dois para os germânicos. E isso dava alento aos homens de Ferruccio Valcareggi. Na Taça dos Clubes Campeões Europeus, a Itália somara um título, pelo Milan, em 69. O Inter falhara na final dois anos antes perante o Celtic. Equipas alemãs em jogos decisivos da maior competição de clubes nem vê-las. E a década de 70 começaria, aliás, com domínio holandês – Feyenoord, uma vez, e Ajax, três – antes do triplete, finalmente, do Bayern, de 1974 a 1976.

O anti-herói Boninsegna

Na Squadra Azzurra, Zoff era suplente de Albertosi e ainda não tinha começado a escrever a sua parte na história. Facchetti carregava pelo corredor esquerdo, Bertini, com o dez nas costas, era o centro nevrálgico de toda a equipa, o homem de todas as transições. Mazzola, que se tornara futebolista como o pai, falecido em Superga, tinha sempre consigo a bola. Mesmo quando não a tinha. E havia Domenghini, claro, talvez o melhor no jogo do século, a aparecer em todas as zonas do ataque transalpino. Gigi Riva foi outro gigante, esmagado entre Schulz, Schnellinger e Patzke até se conseguir soltar, com magia, para o 3-2 em pleno prolongamento. Só que todos apontariam, no final, para Boninsegna, que inaugurou o marcador e ajudou a fechá-lo, com um arranque pela esquerda, antes de servir o contra-pé de Rivera ao grande Sepp Maier.

E seria justo! Boninsegna deixar-se-ia cair no tapete com o último apito de Arturo Yamasaki Maldonado. Bateu várias vezes com as mãos no relvado, e não nos chegou o som do que gritou. Sentir-se-ia finalmente realizado? Roberto cresceu a pulso, fez-se homem no Prato, no Potenza e no Varese. Antes, tinha tentado a sorte no Inter do seu coração, mas o histórico Helenio Herrera não ficara convencido. Seria precisamente em San Siro, frente à equipa mais forte do mundo, que Boninsegna se estrearia na Serie A, a 4 de setembro de 1965. Terminou o encontro derrotado, com 5-2 no marcador, e olhar para o banco, para o homem que lhe tinha negado o sonho de ser nerazzurro. Marcou cinco golos em 28 jogos, mas mesmo assim o Varese desceu de divisão. 


Roberto Boninsegna

Um ataque ligado por dois pés esquerdos

No fim da época assina pelo Cagliari e o treinador Puricelli quer que faça dupla com um jovem em ascensão, Gigi Riva, de quem se tornará amigo inseparável. Um incidente num encontro com a sua antiga equipa, com insultos ao árbitro pelo meio, leva a um pesado castigo de 11 jogos, e depois de Valcareggi o ter testado (com Riva) frente à Suíça, a 18 de Novembro de 1967, na qualificação para o Europeu, acaba por perder a fase final e o título.

Com a chegada de um novo treinador ao Cagliari, surge também uma nova premissa. O plantel é curto e é preciso vender as estrelas para ter dinheiro para comprar novos jogadores. Só Boninsegna e Riva são cobiçados pelos grandes, e o clube abre-lhe a porta de saída. Roberto impõe a sua condição: só sairá para o Inter. Depois de três anos na Sardenha, assina finalmente pelo seu clube de coração. Em Milão, Mazzola deixa de ser ponta de lança para descer uns metros no terreno, para partir de trás e entregar a referência na área a outro. A Boninsegna.

A dupla desfaz-se, mas por pouco tempo. Reencontrar-se-á na
Squadra Azzurra logo depois. No Inter, Roberto vê o título escapar para o amigo Luigi Riva, o rombo di tuono (o roncar do trovão), que tinha ficado no Cagliari. A sua hora viria, mas primeiro havia que estar no México. Faz parte da lista de 40 pré-convocados, mas cai fora dos 22. A lesão de Anastasi dá-lhe, contudo, a oportunidade perseguida. Valcareggi está disposto a juntá-lo a Riva na frente de ataque, numa dupla inédita apenas na seleção. Dois pés esquerdos ligados entre si.

Até ao último fôlego

Muito da ideia que nos chega hoje de que os alemães nunca desistem foi construído no Azteca. Empate a um golo no segundo de três minutos de descontos, nova igualdade a três golos aos 110. Os rapazes de Helmut Schoen a correrem a todas as bolas, até ao último segundo. Até à última gota de suor. E não era só força de vontade, havia talento. Mas também debilidades. Talvez as maiores estivessem na sua defesa, apesar da presença de Maier.

O triunfo italiano começa a desenhar-se ao minuto oito. Como quase em todas as jogadas, Boninsegna tenta servir Riva. O ressalto entre Schulz, Beckenbauer e o amigo beneficiam-no. O remate de pé esquerdo, fulminante, bate o
gato Maier pela primeira vez! Por volta do quarto de hora, o Kaiser arranca, passa por três e cai na área. O juiz nada assinala. Müller ameaça pela primeira vez, com um remate ao lado. Assustou. É a vez de Grabowski, com Albertosi seguro sobre a linha. Chega agora a Itália à área alemã. Boninsegna abre para Mazzola, que atira por cima. Erro de Maier!!! Incrível! Passos... Os melhores do mundo também erram. O livre indireto é bloqueado, felizmente para ele. Intervalo.

Rivera e uma Itália (ainda) mais veloz

O futebol era tão diferente. Ataque, contra-ataque. Arranques pelo meio dos meio-campos. De médios. De defesas. Avançados a recuar até ao meio-campo. Jogava tanto o tosco Seeler. As linhas finais praticamente esquecidas, com cruzamentos dos três-quartos. Bola pelo ar, muitas vezes.

Recomeça. Rivera entra para o lugar de Mazzola, e a Itália torna-se mais veloz na resposta, menos pensativa. Maier defende a cabeçada de Gigi Riva, depois de mais um bom cruzamento de Domenghini. Que jogador! Seeler tenta uma bicicleta ao seu jeito diferente; Maier volta a estar seguro, desta vez a tiro de Rivera. Chega Overath, depois de cruzamento de Grabowski... À barra! Beckenbauer, outra vez. Passa um, dois, Cera não lhe permite mais. Falta! Recupera o Kaiser, parece. Entra Held, e a Alemanha inclina-se ainda mais para a frente. Outra vez, Overath. Bola para Grabowski. O remate passa Albertosi, mas Rosato está lá, sobre a linha. Que sufoco. O guarda-redes italiano mostra que também erra. Tenta pontapear para a frente e acerta nas costas de Held. A bola vai sobrar para Müller, mas Albertosi reage a tempo e corta no limite. Que sorte! A Alemanha não desiste. Minuto 92. Lançamento lateral. Grabowski ganha espaço na linha e cruza. Schnellinger aparece sem marcação e atira os dois pés para a frente, numa finalização estranha mas eficaz.


A lesão de Franz Beckenbauer

A vertigem total

Respire fundo. O que parecia certo deixa de o ser. Mais meia-hora. Beckenbauer aparece com o ombro ligado, a clavícula tinha cedido, provavelmente naquela falta dura de Cera. Albertosi começa melhor o prolongamento do que minutos antes. Müller vê o golo ser-lhe negado. Mas ele não desistiria. Aos 94, Cera tenta atrasar para o seu guarda-redes, após um canto e um cabeceamento de Seeler.
Der Bomber percebe tudo antes dos rivais e antecipa-se. 2-1. O comentador da RAI, resignado, fala em «equipa desmoralizada» e «fase dramática».

Os alemães, viu-se, também são humanos. Livre de Rivera, Schnellinger erra, e Burgnich fuzila Maier. 2-2, aos 98. Agora, outra vez, Domenghini, já com as meias em baixo, a cruzar da esquerda. Riva recebe, ganha espaço com um toque para afastar-se de Schnellinger e remata cruzado, rasteiro. Que explosão de alegria! 3-2, aos 104. E, claro, outra vez, Albertosi! Chega mais rápido que Müller, mas ao querer repor na frente de Polletti acerta-lhe nas costas.
Der Bomber prepara-se para o golpe e o guarda-redes derruba-o. Livre, apenas isso. 

110 minutos, canto. E a Alemanha de sempre, com o golo mais alemão de todos. Libuda cruza, Seeler ganha no ar, Müller desvia com a cabeça. 3-3. A bola vai ao círculo e pouco depois, como serpente que engole a própria cabeça, está de volta a Boninsegna. O italiano passa Schulz e cruza para a zona frontal. Rivera, que, junto ao poste esquerdo, não conseguira impedir o terceiro golo dos rivais, chega rápido na área e apanha Sepp Maier em contra-pé. É o golpe fatal. A Mannschaft não volta a levantar-se. Impossível para a Alemanha ou para outra seleção qualquer.

Os mexicanos, e o resto do mundo, que já via os golos a cores, tinham percebido. Não voltaria a haver um jogo assim!

Veja o jogo completo: