Lembra-se da Espanha que jogava como nunca e perdia como sempre?

A história diz-nos que essa recordação dos nossos vizinhos esgotou o prazo de validade em Viena, há oito anos, num duelo contra a Alemanha que Torres decidiu. Foi o início do período dourado que acabou (ou pelo menos teve uma interrupção) no Brasil, há dois anos.

Esta é a versão oficial. Os espanhóis, porém, definem claramente um outro momento, também ele há oito anos, como o separar das águas. Duas rondas antes do jogo do título, Espanha defrontou Itália nos quartos de final para quebrar a maldição.

Maldição dupla, aliás. Por ser contra a Itália, carrasco histórico, e por ser nos quartos de final, um degrau que os espanhóis tinham, historicamente, mais dificuldades em deixar para trás. 

Eliminada nessa fase nos Mundiais de 1986, 1994 (pela Itália…) e 2002, além dos Europeus de 1996 e 2000, Espanha jogava contra os próprios fantasmas, além de um opositor com tradição de fazer a vida negra. Uma história longa, que começou os Jogos Olímpicos de 1928, em Amesterdão, quando os italianos golearam os espanhóis por 7-1 nos…quartos de final. E teve novo capítulo seis anos depois, no segundo Mundial da história, com triunfo italiano no jogo de desempate (1-0) dos…quartos de final, pois claro.

Não admira, portanto, que aquela noite no Estádio do Prater, dias antes de Iker Casillas lá levantar o troféu, tenha ficado tanto na memória dos espanhóis. Era um mundo diferente, até naquele campo, onde a, ainda, respeitável densidade capilar de Iniesta era apenas um dos indicadores do que mudou desde então. 

Itália, que hoje joga com três centrais, alinhava com três laterais de início: Grosso na esquerda, Zambrotta na direita e Panucci adaptado a central, ao lado de Chiellini. Espanha respondia com…três centrais. A dupla era Puyol-Marchena e Sergio Ramos era o lateral direito. Havia ainda um Busquets nascido em São Paulo, chamado Marcos Senna, e dois avançados de início: Villa e Torres.

O jogo foi equilibrado mas sem golos. Algum ascendente espanhol um quase frango de Buffon, a remate de Senna, que o poste devolveu e tudo para decidir nos penáltis. Casillas parou os de De Rossi e Di Natale, Buffon apenas o de Dani Guiza. Decidiu Fabregas no momento decisivo.

Espanha quebrava a malapata e ganhava fôlego para quatro anos loucos de conquista atrás de conquista. Tudo começou naquele jogo com Itália, adversário que esta segunda-feira volta a surgir no caminho. Como já tinha surgido no Euro 2012, até por duas vezes. A segunda na final.

O que acontece quando a final se reedita?

Ora, esta será apenas a terceira vez que a final de um Europeu se reedita no torneio seguinte. E há um dado que alimenta esperanças italianas, goleados em Kiev em 2012: o campeão europeu em título nunca venceu a reedição.

Os primeiros campeonatos da Europa tiveram fases finais muito curtas, essencialmente com quatro equipas, o que dificultava reeditar a final. Por isso, só em 1980, ano do primeiro alargamento do Europeu, que passou a contar com oito equipas, houve uma reedição da final no torneio seguinte.

Quatro anos depois do penálti de Panenka que deu o título à Checoslováquia, houve novo duelo com os alemães. E logo no jogo de abertura! As equipas integraram o mesmo grupo, o A, mas, desta feita, o triunfo sorriu aos derrotados de Belgrado. Um golo de Rummenigge fez a diferença na segunda metade.

Em 1992, embora desta vez com um asterisco forte em cima, a final voltou a repetir-se. Quatro anos antes, a Holanda tinha batido a União Soviética na final marcada pelo golaço de Marco Van Basten. No Europeu da Suécia, o duelo repetiu-se. Mais ou menos, vá.

A União Soviética iniciou o apuramento mas acabou por ser desintegrada antes do Europeu, o que originou um problema: quem iria competir? A solução encontrada chamou-se CEI (Comunidade de Estados Independentes), que disputou a fase final, então, no lugar do antigo estado.

E defrontou a Holanda, também na fase de grupos. Tal como na primeira vez que uma final se reeditou, o vencedor não foi o mesmo. Neste caso, não foi nenhum. O jogo terminou sem golos.

Agora é a vez de Espanha e Itália, com estes a tentarem confirmar a onda e os primeiros a tentarem contrariá-la. Uma coisa é certa: ganhe quem ganhar há uma regra do Europeu que continuará atual: ao contrário do Mundial, nunca uma final de um campeonato da Europa repetiu-se na edição seguinte.

Em 2012 foi assim a final

Morata vai sentir-se num treino da Juventus

O Espanha-Itália vai proporcionar, ainda, um duelo especial com muito cheiro a Juventus. De um lado Álvaro Morata, do outro…toda a defesa da «vechia signora». Buffon, Barzagli, Chiellini e Bonucci.

Haverá muita «Juve» em Saint-Dennis, palco do jogo, já que as esperanças ofensivas de Espanha passam, em boa parte, pela pontaria do seu artilheiro, que a par de Griezzmann e Gareth Bale é o melhor marcador do Euro, ao passo que as esperanças defensivas da Itália passam, quase todas, pelo quarteto citado.

Buffon deu, até, o mote para o duelo na antevisão do encontro: «Morata nem sequer sabe o quão bom é». Do outro lado o espanhol respondeu à letra, dizendo que a defesa italiana é «quase perfeita». A verdade é que nos dois jogos que fez (no terceiro, com o primeiro lugar assegurado, Conte rodou a equipa), aquele quarteto manteve as redes invioláveis.

A ameaça, agora, é a mesma de um treino da Juventus nos últimos anos. Mas com toda a Europa a ver atentamente.

Duelo Morata-Buffon/Chiellini/Barzagli/Bonucci será um dos atrativos do duelo

Todos os Itália-Espanha em fases finais:

-Mundial 1934, Quartos de final: Itália-Espanha, 1-1 (Ferrari, 44) (Regueiro, 31)

-Mundial 1934, Quartos de final (desempate): Itália-Espanha, 1-0 (Meazza, 11)

-Euro 80, Fase de Grupos: Itália-Espanha, 0-0

-Euro 88, Fase de grupos: Itália-Esapanha, 1-0 (Vialli, 73)

-Mundial 94, Quartos de final: Itália-Espanha, 2-1 (Dino Baggio, 25; Roberto Baggio, 88) (Caminero, 58)

-Euro 2008, Quartos de final: Itália-Espanha, 0-0 (2-4 gp)

-Euro 2012, Fase de grupos: Itália-Espanha, 1-1 (Di Natale, 61) (Fabregas, 64)

-Euro 2012, Final: Itália-Espanha, 0-4 (David Silva, 14; Jordi Alba, 41; Torres, 84; Juan Mata, 88)

-Taça das Confederações 2013, Meias-finais: Itália-Espanha, 0-0 (7-6 gp)