Últimos segundos do Suécia-Itália e Gianluigi Buffon na área contrária. Correu o campo todo, já não era a primeira vez, a subir para tentar a sorte num último canto. Não deu, o árbitro apitou e foi ali, junto à pequena área da Suécia, que acabou a carreira internacional de Gigi. 20 anos, 175 jogos e cinco Mundiais depois. A dignidade das palavras no seu tom grave entrecortadas por lágrimas poucos minutos depois, ainda em campo, eternizaram o momento e reforçaram-lhe o sentido.

Itália e Campeonato do Mundo foram sinónimo nos últimos 60 anos, uma vida. Há muita histórias nestas seis décadas e muito poucas memórias de um Mundial em que a «azzurra» não tenha entrado em campo. Buffon era a última grande referência, o derradeiro titular campeão do mundo de 2006 a dizer adeus à Seleção - restavam também De Rossi e Barzagli, que se retiraram igualmente depois da queda frente à Suécia, dos 23 da Alemanha há mais dois jogadores em atividade, Gilardino e Amelia, sendo que o guarda-redes, atualmente sem clube, não jogou nesse Mundial. Naquela que era também a sua hora Buffon fez da sua dor a dor de um país. «Lamento não por mim, lamento por todos, falhámos algo que mesmo a nível social podia ser importante», dizia, enquanto tentava deixar uma mensagem de esperança. «Há futuro porque nós temos orgulho, temos força.»

Uma demonstração de grandeza na hora do adeus, mais uma entre tantas. Como a que tinha deixado ainda antes de começar o jogo, quando abanou a cabeça e aplaudiu o hino da Suécia enquanto San Siro o vaiava.

Aos 39 anos, a carreira de Buffon segue agora apenas na Juventus. Para trás fica uma história com a camisola «azzurra» que começou em 1997 e durou exatamente duas décadas. Pelo meio um título de campeão do mundo e um recorde, o jogador europeu com mais jogos pela sua seleção. São 175, o segundo é Iker Casillas, com 167. No «top 10» só há mais dois jogadores ainda em atividade, Sérgio Ramos (148) e Cristiano Ronaldo (147). Também recordista de presenças em fases finais do Mundial a par do alemão Lothar Matthaus e do mexicano Antonio Carbajal.

Buffon começou no Parma e foi lá que ganhou a primeira chamada à seleção italiana. Estreou-se a 29 de outubro de 1997, por ironia no primeiro play-off para o Mundial que a Itália jogou. Na neve de Moscovo, um adolescente de 19 anos assumia a baliza à meia-hora, para render o lesionado Pagliuca.

O jogo terminou empatado a um golo, na segunda mão a Itália venceu por 1-0. E no verão Gianluigi Buffon seguiu para França com a «azzurra». Não jogou no Mundial 1998, mas ganhou pouco depois a titularidade da baliza da Itália. Devia ser ele a ocupá-la no Euro 2000, mas uma fratura na mão uma semana antes da competição deixou-o de fora.

Estava de volta para a fase final do Mundial 2002 e fez os quatro jogos da campanha que acabou em choque para a Itália: eliminada nos oitavos de final frente à anfitriã Coreia do Sul, a clamar contra o árbitro Byron Moreno.

Também não foi feliz a grande competição que se seguiu. E a história mete a Suécia. Última jornada dramática, com a Itália a não depender de si depois de dois empates. Em Guimarães, Cassano marca nos descontos e festeja, até cair em desespero quando lhe dizem que Dinamarca e Suécia tinham empatado e esse resultado mandava a Itália para casa.

A redenção chegou em 2006. Na Alemanha, a Itália foi até ao fim. Buffon sofreu apenas um golo até à final, no empate com os Estados Unidos na fase de grupos. Depois, o Panenka de Zidane na decisão, antes de a Itália levar a melhor nos penáltis. Campeão do mundo, melhor guarda-redes do Mundial e segundo na Bola de Ouro desse ano, ganha pelo seu companheiro de seleção Fabio Cannavaro.

Quatro anos mais tarde, a Itália falhou, ficou pela fase de grupos. Praticamente sem Buffon, que se lesionou logo no primeiro jogo, frente ao Paraguai, e não voltaria a jogar. Estaria de novo muito perto da glória no Euro 2012, quando foi até à final, perdida para a Espanha.

E voltou àquele que seria o seu último Mundial em 2014, no Brasil. Também com uma presença limitada por lesão. Falhou o primeiro jogo, com a Inglaterra, voltou depois, mas as derrotas com a Costa Rica e o Uruguai ditaram mais uma vez o fim precoce da aventura para a Itália.

O Euro 2016 foi a sua última grande competição. A Itália já não chegava como favorita, mas deixou pelo caminho nos oitavos de final nada menos que a Espanha, antes de cair nos penáltis frente à Alemanha.

A Itália não foi cabeça de série na campanha para o Mundial 2018 e ficou por isso à mercê do que aconteceu: calhou no grupo da Espanha, ficou em segundo e seguiu para o play-off. O resto foi a impotência de uma equipa que está longe da qualidade e identidade de tantas gerações do futebol italiano. E de um país que tem agora muito que pensar. Vai ter de o fazer já sem a sua grande referência das últimas décadas, mas com o seu exemplo.