O jogador que saiu do banco a meia hora do final no duelo de Taça de Itália com a Roma, a 12 de janeiro, era um rosto familiar para o público italiano. Sobretudo para os adeptos do Génova. Domenico Criscito iniciava ali a sua quinta passagem pelo clube. Passaram 20 anos desde que se estreou com a camisola do Génova, de onde saiu e para onde voltou sempre, uma e outra vez. Agora, aos 36 anos, regressou para tentar ajudar a levar os «rossoblu» de volta à Serie A. E pelo prazer de jogar, porque pelo dinheiro não é. Criscito vai receber o salário mínimo definido para os futebolistas da Serie B em Itália, qualquer coisa como dois mil euros brutos.

«Nem sei ainda quanto é porque ainda não recebi o primeiro ordenado», disse à Sky italiana o internacional, numa entrevista em que explicou o que o levou a voltar: «Nunca questionei o dinheiro, escolhi sempre com o coração.»

Foram muitas as escolhas que marcaram a carreira de Criscito, longa e atribulada. Teve uma longa passagem pela Rússia, teve um caso de polícia que o tirou de um Campeonato da Europa e passou pela MLS, mas teve sempre um ponto comum: Génova.

«Quando se fala do Génova fala-se da minha vida. Nasci em Nápoles, mas cheguei a Génova em 2001. A minha mulher é genovesa, os meus filhos nasceram aqui. Acho que o Deus do futebol deu-me uma grande oportunidade, a de fechar um ciclo belíssimo, uma carreira belíssima», diz o jogador.

O início entre Génova e Turim

Criscito chegou cedo aos escalões de formação do Génova e tinha apenas 16 anos quando se estreou com os seniores, para alguns minutos em campo na última jornada da Serie B de 2002/03. Depois disso, entrou na órbita da Juventus, que passou a dividir o seu passe com o Génova.

Saiu então do clube pela primeira vez, para passar as últimas temporadas de formação em Turim. Sem ter vestido a camisola principal da Juve, voltou a Génova na temporada 2006/07. E aí sim, subiu à equipa principal, pela mão de Gian Piero Gasperini, e foi peça fundamental na campanha que terminou com o regresso do Génova à Serie A. No final da temporada a Juve voltou a chamá-lo. Fez de novo as malas, rumo a Turim, mas não se afirmou e a meio da temporada regressou a Génova, uma vez mais.

Por essa altura já tinha iniciado o percurso nas seleções. Esteve com a Itália nos Europeus sub-21 de 2007 e 2009 e pelo meio nos Jogos Olímpicos de Pequim. Em agosto de 2009, chegou à seleção principal e um ano mais tarde esteve entre os eleitos de Marcelo Lippi para o Mundial 2010. Perante várias baixas, o defesa polivalente, que tanto poda jogar a lateral esquerdo como a central, ganhou a titularidade, numa campanha de má memória para os então campeões do mundo, que se ficaram pela primeira fase na África do Sul.

A polícia no quarto e o caso que o tirou do Euro 2012

Foi referência na defesa do Génova ao longo de três épocas, até voltar a sair. Uma proposta do Zenit levou-o até à Rússia. Tudo corria bem a Criscito, que continuava a ser opção regular na seleção, quando em 2012 se viu no olho do furacão, no meio de um escândalo de apostas e resultados combinados que agitou o futebol italiano. Em maio, estava concentrado em Coverciano com os pré-convocados da Itália para o Euro 2012, quando a polícia entrou no seu quarto. Era a véspera da divulgação final da lista de convocados e enquanto a equipa treinava Criscito respondia a questões sobre um encontro que ele e Giuseppe Sculli, avançado do Génova, tiveram em 2011 com membros dos «ultra» do clube e com o bósnio Safet Altic, conhecido pela associação a atividades criminosas. Perante o escândalo, os responsáveis da Federação italiana apressaram-se a excluir Criscito do Euro 2012.

O defesa sempre reclamou inocência e explicava assim o tal encontro: «Depois do dérbi, os adeptos acusaram-nos de falta de empenho e questionaram os jogadores. Fui ao local onde me indicaram e aí encontrei Sculli com uma pessoa que não conhecia. Falei com os adeptos, assegurando-lhes que estávamos empenhados e fui-me embora.»

«Nunca fiz nada de errado na minha vida», garantia. «Quando percebi por que estava ali a polícia mostrei-me inteiramente disponível. Ao ficar de fora da convocatória tornei-me símbolo do escândalo. Por causa de uma foto, que nada prova. Estou furioso e desapontado, não vou passar por bode expiatório», lamentou. Mas o facto é que, apesar da investigação que ficou conhecida como «Calcioscommesse» ter envolvido nomes sonantes do futebol italiano, ninguém foi exposto como ele. O seu caso foi arquivado, mas deixou marcas para sempre.

Nos seis anos que se seguiram só somou duas presenças na seleção. Depois, teve uma última passagem pela «Azzurra» em 2018, convocado por Roberto Mancini. Nessa altura recordou como aquele caso o marcou: «De vez em quando vem uma recordação horrível de 2012. Não tenho nenhuma vontade de vingança, mas aquela cicatriz nunca vai desaparecer. Sempre que venho a Coverciano voltam-me à cabeça aquelas recordações horríveis, mas faz tudo parte da vida.»

O Zenit e depois… o Génova

Quando o escândalo rebentou Criscito já era jogador do Zenit e essa ligação ao clube russo prolongou-se por sete anos. Chegou a capitão de equipa, fez quase duas centenas e meia de jogos e ganhou muitos troféus na Rússia, entre eles dois títulos de campeão. Pelo meio participou em vários confrontos na Liga dos Campeões com FC Porto e Benfica. Num deles, em fevereiro de 2016, foi protagonista no Estádio da Luz, na primeira mão dos oitavos de final. Perto do fim do jogo, com o resultado a zeros, viu segundo cartão amarelo por uma entrada sobre André Almeida. Foi expulso e do livre resultou o golo do Benfica, marcado por Jonas. A vitória na segunda mão por 2-1 sobre o Zenit, então orientado por André Villas-Boas, confirmou o apuramento do Benfica para os quartos de final.

O contrato com o Zenit terminou em junho de 2018. E Génova voltou a chamar por Criscito. A hipótese do seu regresso foi notícia durante meses e acabou mesmo por se concretizar.

Para não nos perdermos nas contas, começava aí a sua quarta passagem pelo clube. E desta vez prolongou-se por quatro temporadas que fortaleceram a relação de amor de Criscito com Génova. Em janeiro de 2020 a Fiorentina quis contratá-lo, mas ele decidiu ficar, com o clube na luta pela permanência. «Como capitão nem por um segundo pensei em abandonar os meus companheiros nesta duríssima batalha. Todos juntos temos de levar o clube à salvação», escreveu nas redes sociais.

«Não queria lutar contra a equipa do meu coração»

O Génova salvou-se nessa época, mas em 2021/22 não conseguiu evitar a descida à Serie B, ao fim de 15 anos no escalão principal. Foram dias duros para Criscito, que ficou marcado por um penálti falhado no dérbi com a Sampdoria, numa derrota a quatro jornadas do fim que seria decisiva na queda do Génova. No jogo seguinte, não falhou da marca dos 11 metros e marcou nos descontos o penálti da vitória sobre a Juventus, mas não foi suficiente para evitar a descida.

Em janeiro de 2022 a MLS tinha chamado por ele. Nessa altura o capitão do Génova disse não ao Toronto FC. Mas seis meses mais tarde, depois da descida e perante a proposta do Génova para que deixasse de jogar e assumisse um papel nos quadros do clube, decidiu sair.

A decisão não foi bem recebida por muitos adeptos, mas Criscito explicou que queria continuar a jogar. «O clube tem um projeto e eu já não fazia parte dele como jogador. Mas eu ainda tenho vontade de jogar e tinha duas hipóteses: continuar a jogar na Serie B, onde tinha propostas, ou ir para outro lado», contou ao jornal Secolo XIX.

Assim, o coração decidiu que iria para outro lado: «Não queria lutar contra a equipa do meu coração, que é a minha equipa para sempre. Por isso agarrei a oportunidade de ir para Toronto. Termina uma relação que começou há 19 anos. É uma vida. Tive a sorte de representar estas cores. Acho que o Génova é o clube mais belo e importante de Itália.»

Foram seis meses nos Estados Unidos, ao longo dos quais fez 16 jogos e marcou um golo, ao lado dos compatriotas Lorenzo Insigne e Federico Bernardeschi. Em novembro despediu-se do Toronto FC. O clube norte-americano chegou mesmo a anunciar que o jogador decidira terminar a carreira. Mas Criscito dizia que ainda estava a refletir sobre o futuro.

«Quando me foi proposto voltar nem perguntei sobre o salário»

Um mês depois, decidiu que o final seria mesmo no Génova. O treinador é agora Alberto Gilardino, o antigo avançado que orientava a equipa de juniores do clube e no início de dezembro assumiu a equipa principal, sucedendo a Alexander Blessin. E tudo se conjugou para que voltasse a calçar as botas, por mais seis meses.

«Não podia acabar com o Génova como tinha acabado. Estive no Toronto, foi uma experiência muito bonita, mas depois rescindi e voltei, com a ideia de deixar de jogar. Mas quando me foi proposto voltar ao Génova nem perguntei sobre o salário ou o que quer que seja, disse logo que sim», contou à Sky. Será o salário mínimo definido na tabela salarial acordada entre o Sindicato de jogadores e a Liga italiana. Na Serie B e no escalão etário de Criscito, os tais 2.274 euros brutos por mês. Uma diferença abissal para quem vinha de um contrato de 1.5 milhões de dólares por época na MLS.

Não era um reforço, era um regresso a casa. Uma última despedida. O plano é jogar esta segunda metade da época, decisiva na luta pelo regresso à Serie A, para depois continuar no clube, a treinar as camadas jovens. Nesta altura o Génova está no segundo lugar, mas a luta pela promoção será intensa até ao fim. «Todos sabemos que são os meus últimos seis meses», diz: «Quero fechá-los da melhor forma: quero devolver o Génova à Serie A.»