Na noite deste domingo, uma faixa no exterior do estádio recebia quem chegava para assistir ao Juventus-Atalanta. «Serie A ou Serie B, nós estamos sempre aqui só para a Juventus FC.» Era uma entre muitas manifestações de descontentamento dos adeptos perante um novo escândalo que está longe do fim. A Juventus foi condenada a perder 15 pontos no campeonato, caiu para nono lugar. O empate com a Atalanta (3-3) significa que passa a contar 23 pontos e, embora o treinador Massimiliano Allegri procure olhar em frente, refazendo contas, o cenário é negro. E pode piorar.

Enquanto o clube prepara o recurso a esta primeira sentença, há mais procedimentos em curso na justiça desportiva, além da investigação judicial que esteve na origem do processo e que terá uma decisão preliminar no final de março. E há ainda uma averiguação da UEFA sobre eventual incumprimento do «fair play» financeiro. 17 anos depois do «Calciopoli», que redundou na descida administrativa de divisão, o gigante de Turim vê-se envolvido num processo com contornos bem diferentes, mas que já abalou toda a estrutura do clube e ameaça ter mais consequências. Nos próximos meses deverá perceber-se quais serão e se haverá repercussões também para outros clubes.

As investigações centram-se em suspeitas de manipulação das contas para disfarçar perdas. O caso foi conhecido em novembro de 2021, quando a justiça italiana fez buscas nas instalações da Juventus. A investigação «Prisma», a cargo da procuradoria de Turim, tinha sido desencadeada em maio e procurava apurar, segundo as autoridades, «possíveis crimes de falsa comunicação de sociedades cotadas e emissão de faturas, por transações inexistentes» entre 2019 e 2021, examinando para isso «várias operações de transferências de jogadores profissionais e os serviços prestados por alguns agentes envolvidos».

Um processo com 14 mil páginas

A investigação da procuradoria de Turim está ligada a outra, conduzida pela Consob, a autoridade italiana de regulação do mercado de capitais, centrada igualmente em suspeitas de mais-valias fictícias e que questionava dezenas de transferências, a maioria delas envolvendo a Juventus e os seus dirigentes, mas também outros clubes, como por exemplo o Nápoles. Foi a partir daí que a justiça desportiva abriu um primeiro processo, que em abril de 2022 resultou na absolvição dos envolvidos. Essa decisão foi confirmada em maio pela instância superior disciplinar da Federação italiana, considerando entre outros fatores que não existe um método objetivo de avaliação do valor dos jogadores e das transferências, pelo que não seria possível chegar a conclusões sobre eventuais fraudes.

Mas a investigação judicial na procuradoria de Turim prosseguia, centrada apenas na Juventus. A investigação resultou num processo com 14 mil páginas, que incluiu recolha de documentação mas também escutas e interceção de mensagens entre vários dos dirigentes da Juventus à época. Tem várias vertentes, todas relacionadas com eventuais irregularidades financeiras. Por um lado, há as suspeitas de ganhos de capital através de transferências inflacionadas de jogadores, as chamadas mais-valias. Por outro, o caso que diz respeito à redução dos salários dos jogadores anunciada pela Juventus em 2020, no meio da pandemia de covid, com suspeitas de que também aí houve uma manobra com o objetivo de melhorar artificialmente as contas do clube.

Os salários dos jogadores e a «Carta Ronaldo»

Muitos pormenores da investigação foram sendo divulgados na imprensa italiana, com estimativas de que estariam em causa 155 milhões de mais-valias fictícias e com a enumeração dos negócios sob suspeita, como a transferência do português João Cancelo para o Manchester City ou a troca de Pjanic por Arthur com o Barcelona. Também foram publicadas ao longo do último ano várias escutas conduzidas no âmbito da investigação.

A justiça ouviu também vários jogadores, no âmbito do caso da redução de salários. Na imprensa chegou a ser divulgado o alegado depoimento de Chiellini, em que o ex-capitão da Juventus teria admitido que, apesar de ter sido divulgado que os jogadores aceitaram uma redução de quatro meses de salário por causa da pandemia, teria ficado combinado que os jogadores abdicariam de apenas um mês, recebendo mais tarde o valor restante. Um documento considerado crucial para essa investigação era a «Carta Ronaldo», um documento «secreto» em que a Juve se comprometia a pagar cerca de 20 milhões ao jogador português e que confirmaria a tese dos pagamentos diferidos. Na semana passada, o «Corriere della Sera» publicou aquela que diz ser essa carta, e que está assinada pelo então diretor Fabio Paratici, mas não por Cristiano Ronaldo.

O fim da era Andrea Agnelli e as finanças em queda

O cerco apertava-se em torno da Juventus e no final de novembro de 2022 a direção presidida por Andrea Agnelli demitiu-se em bloco. Era o fim de uma era. Agnelli liderava o clube desde 2010 e ao longo desse período a Juventus investiu muito e conseguiu liderar desportivamente a nível interno, mas nunca atingiu aquele que era o grande objetivo, a conquista da Liga dos Campeões. As finanças do clube deterioraram-se, apesar de sucessivos aumentos de capital por parte da empresa-mãe, a Exor, controlada pela família Agnelli. No ano passado, a Juventus anunciou prejuízos recorde de 254 milhões de euros.

A saída da direção não aliviou o foco sobre as questões legais em torno da Juventus. Em dezembro de 2022, a justiça desportiva decidiu pedir a reabertura do processo contra o clube, alegando novos dados resultantes da investigação judicial. Foi a reabertura desse caso que levou às condenações anunciadas na noite desta sexta-feira.

Depois de a procuradoria federativa ter pedido uma pena de perda de nove pontos para a Juventus, o Tribunal de Apelo decidiu agravar a sentença, retirando 15 pontos, com efeito já nesta época. Além disso aplicou várias suspensões, que envolvem Andrea Agnelli ou Pavel Nedved, que era vice-presidente do clube, mas também dois dirigentes que estão em atividade: Fabio Paratici, que é atualmente diretor do Tottenham, e Federico Cherubini, diretor desportivo da Juventus. Foram em contrapartida absolvidos os outros clubes envolvidos e os seus dirigentes - Sampdoria, Pro Vercelli, Génova, Parma, Pisa, Empoli, Novara e Pescara. Neste processo já não estava o Nápoles, mas apenas os clubes associados aos negócios sob suspeita com a Juventus.

Os processos que se seguem

Esta decisão diz respeito a apenas um dos processos em curso na justiça desportiva. Há mais dois, com decisões previstas para breve. Um deles tem a ver com o caso dos salários dos jogadores. O outro com mais suspeitas de mais-valias fictícias, que por sua vez envolvem outros clubes em negócios com a Juventus.

Quanto à investigação judicial, será decidido a 27 de março se avança a acusação criminal contra o clube e os seus antigos dirigentes.

Por fim, na sequência de todo o escândalo, também a UEFA abriu em dezembro passado uma investigação à Juventus, para averiguar «potenciais quebras dos regulamentos» do fair play financeiro. O clube tinha chegado em agosto passado a um acordo com o organismo europeu, que admite agora rescindi-lo e aplicar sanções disciplinares adicionais se concluir que os pressupostos desse acordo foram alterados.

Ainda não são conhecidos os fundamentos da sentença que condenou a Juventus à perda de 15 pontos e, por outro lado, absolveu os outros clubes envolvidos. Os advogados do clube falam em «desigualdade de tratamento» e há vária vozes a questionar o facto de apenas a Juventus estar a ser incriminada por uma prática a que muitos outros clubes recorrem.«Temos de perceber que este método é usado por muitos clubes, é preciso resolver este problema de uma vez por todas e para todos», disse por exemplo o antigo jogador Claudio Marchisio à RAI, defendendo que os «responsáveis trabalhem nesse problema, a que se assiste não só em Itália mas também na Europa.»

O processo está baseado em muitos dados que apontam para uma prática sistemática de manipulação das contas pela Juventus e as revelações que foram feitas na imprensa apontam para a ideia de que os então responsáveis do clube «auto-denunciaram» as ilegalidades. A reforçar essa ideia uma frase do antigo responsável financeiro da Juve, Stefano Bertola que emergiu das escutas e foi divulgada: «Nos últimos 15 anos só o Calciopoli foi tão mau como isto. Naquela altura fomos atacados de todos os lados. Mas desta vez fomos nós que criámos isto.»

Depois de conhecer os fundamentos da sentença, a Juventus tem um mês para apresentar recurso junto do Colégio de Garantia Desportiva do Comité Olímpico italiano. Esse organismo não avalia o processo em si, mas apenas eventuais vícios de forma, podendo confirmar ou anular a pena.