1987, 1990 e 2023. Nápoles esperou 33 anos e não quer esperar mais. O título pode ficar confirmado neste fim de semana, mas os preparativos para a festa do terceiro campeonato da história do clube começaram há meses, confiantes na enorme vantagem que a equipa construiu em campo. O scudetto com o número 3 estampado está por todo o lado na cidade, nos bairros históricos há ruas pintadas de azul e branco e de janela a janela, de varanda em varanda, há faixas e camisolas gigantes, estendidas como em cordas de roupa. Nas praças, figuras de cartão dos jogadores em tamanho real surpreendem os visitantes. Os novos heróis lado a lado com o ídolo de sempre, Maradona, omnipresente também nas ruas decoradas da cidade.

«Diz-se sempre que os napolitanos são supersticiosos, mas desta vez não quiseram esperar para fazer a festa do scudetto.» Salvatore Malfitano, napolitano e jornalista da Gazzetta dello Sport, conduz o Maisfutebol por esta paixão: «A cidade está a preparar a festa há meses.»

A receção à equipa depois da vitória em Turim sobre a Juventus no domingo passado deu só uma ideia de como será a festa quando o scudetto ficar finalmente confirmado. Milhares de adeptos foram esperar os jogadores ao aeroporto de Capodichino, com o autocarro escoltado por um cortejo de motas até ao estádio.

A festa pode acontecer neste fim de semana. O que até levou a Liga italiana a alterar o calendário da jornada, prestes a formalizar o adiamento do Nápoles-Salernitana, inicialmente marcado para sábado, para a tarde de domingo. Poucas horas depois do Inter-Lazio, que se joga às 11h30. A sete jornadas do fim, o Nápoles lidera com 17 pontos de vantagem e para festejar já precisa de ganhar o dérbi e esperar que a Lazio não vença. Os adeptos não queriam fazer a festa em diferido, queriam celebrar em campo, daí o pedido para que os dois jogos se realizem à mesma hora.

A identidade dos adeptos «mais calorosos»

Nápoles está tomada pela loucura do scudetto. Os adeptos tatuam-no no corpo, vendem-se bolos e pães na forma do emblema com as cores de Itália que simboliza o campeão, ou com o logotipo do clube. Na igreja, mostrava por estes dias uma reportagem da RAI, um padre termina a missa com o grito ‘Forza Napoli’.

Os napolitanos são apaixonados e são apaixonados pelo seu clube. Mesmo nos anos em que a equipa andava a penar nos escalões secundários – o Nápoles chegou a cair na Serie C, em 2005, depois de um processo de falência, e ainda assim chegou a ter 50 mil adeptos no estádio.

A paixão faz-se de uma identidade forte que tem também raízes políticas e culturais. «Tem a ver com a questão norte/sul, que ainda é bastante sentida, também pelos cânticos de discriminação territorial de que os napolitanos são frequentemente alvo nos vários estádios de Itália», diz Salvatore Malfitano: «São seguramente dos adeptos mais calorosos de Itália. A identidade é muito forte.»

A cidade um clube só (e de Maradona)

Além disso, nota, Nápoles é uma cidade de uma cor só: «É a única grande cidade de Itália a ter apenas uma equipa importante, enquanto as outras têm duas: Génova tem o Génova e a Sampdoria, Turim tem Torino e Juventus, Milão tem Milan e Inter, Roma tem Roma e Lazio.»

Nápoles é do Nápoles. E de Maradona, o astro que escolheu Nápoles para uma história de amor que se tornou eterna na conquista de dois campeonatos. Maradona morreu em novembro de 2020 e a cidade rebatizou o Estádio San Paolo com o seu nome e guardou para sempre a sua memória.

O Nápoles é até hoje o único clube do sul de Itália continental a vencer a Serie A. A última vez foi em 1990. Muitos dos adeptos que agora se preparam para fazer a festa eram jovens de mais para se lembrar. Mas esta foi uma história que passou de pais para filhos.

De pais para filhos, em vídeos e histórias

«É verdade que muitos dos atuais adeptos não viveram os primeiros dois campeonatos, mas todos puderam ver aqueles feitos em videocassetes e DVDs. Todos os pais os mostraram aos filhos pelo menos uma vez na vida, para explicar quem era Maradona e o que significaram para a cidade aqueles triunfos», conta Salvarore Malfitano, que nasceu em 1994 e é um desses jovens que cresceu a ver e a ouvir falar daquele tempo: «O meu pai também era jornalista da Gazzetta, era amigo de Maradona e ainda é amigo de todos os ex-jogadores daquele Nápoles que venceu os scudetti. Ele mostrou-me muitos vídeos e contou-me muitas coisas sobre aquele período.»

Ele próprio conheceu Diego, numa visita de Maradona à cidade. «Foi em janeiro de 2017, o Diego tinha voltado a Nápoles houve um espetáculo no teatro San Carlo para celebrar os 30 anos do primeiro scudetto. No dia anterior ele foi convidado num canal de televisão e o meu pai entrevistou-o. Eu estava com ele e no final do programa ele apresentou-mo», conta: «Estava tão emocionado que não consegui falar com ele.» Mas tem uma foto para a memória.

Muitos jovens adeptos terão visto vídeos como este.

O «show» de Maradona nos balneários, com o microfone da RAI na mão, na festa do primeiro scudetto a 10 de maio de 1987, quando depois do empate frente à Fiorentina na penúltima jornada o San Paolo esperou, de rádio no ouvido, pela confirmação da derrota do Inter frente à Atalanta, para enfim poder celebrar.

Ou a imensa festa três anos mais tarde, já depois da outra grande conquista do clube, a Taça UEFA de 1989. O segundo «scudetto» chegou com a vitória sobre a Lazio na última jornada, a 29 de abril de 1990.

O Nápoles esperou muito tempo para poder celebrar outro campeonato. Esteve perto, nos últimos anos, o que alimentou a expectativa. «O Nápoles está há anos entre as melhores equipas de Itália, mas não está habituado a vencer. Ter ido buscar o Carlo Ancelotti em 2018 significou querer dar um impulso vencedor, apesar de a experiência ter sido muito infeliz», observa Salvatore Malfitano.

O último título da equipa onde joga o português Mário Rui chegou em 2020, quando o Nápoles, já depois da saída de Ancelotti e com Gattuso no banco, venceu a Juventus por 4-2 na final da Taça de Itália. Estava-se em plena pandemia, não houve adeptos nas bancadas, mas isso não impediu os napolitanos de saírem à rua. «Esses festejos durante a pandemia foram incríveis, mesmo não tendo sido em total respeito das normas de segurança do coronavírus», recorda Malfitano.

A «alquimia» de Spalletti e o terramoto, quase literal, no Maradona 

Agora, a confirmação do terceiro scudetto é só uma questão aritmética. Será conquistado por uma equipa bem diferente daquelas que tinham Maradona e companhia, como observa Malfitano, a analisar as bases do sucesso deste Nápoles: «O Spalletti soube criar uma alquimia especial, talvez também porque a equipa rejuvenesceu muito com as chegadas de Kvaratskhelia, Raspadori ou Kim em comparação com Insigne, Mertens e Koulibaly, pelo que conseguiu assimilar melhor as ideias do treinador. Em comparação com a época de Maradona, a equipa tem menos campeões. Com Maradona havia jogadores muito importantes como Bagni, Careca, Giordano. Os jogadores atuais não eram assim tão consagrados, mas passam a ser a partir deste ano.»

A festa está à porta. Foram os adeptos que lançaram as celebrações e engalanaram a cidade, enquanto as autoridades napolitanas procuram enquadrá-las. A cidade tinha previsto organizar uma festa para o dia da última jornada da Liga, a 4 de junho, mas ela vai ser antecipada. Será um desafio para as autoridades, uma vez que este fim de semana coincide com outro evento relevante na cidade, o Comicon, que decorrerá não muito longe do estádio. Também por isso, já não há quartos disponíveis na cidade. E os alojamentos que ainda se encontram podem atingir os mil euros por noite.

Os responsáveis da cidade pretendem que, a acontecer no domingo, a festa fique sobretudo concentrada no estádio, mas isso será difícil. Será sempre complicado, independentemente do dia em que acontecer a consagração do Nápoles. «A autarquia teme que a festa possa causar problemas nas zonas mais centrais da cidade e gostaria de deslocar as pessoas para locais mais amplos e controláveis, mas será difícil gerir centenas de milhares de pessoas que esperam por este momento há 33 anos», diz Salvatore Malfitano.

O presidente da câmara de Nápoles antecipa a dimensão da festa. «Será um terramoto de alegria», disse Gaetano Manfredi à Associated Press. O que é mais ou menos literal, segundo conta o autarca, que foi professor de engenharia sísmica na universidade de Nápoles: «O prédio do departamento de engenharia fica perto do estádio e há um sismógrafo lá que, sempre que o Napoli marcava, registava uma abalo suficiente para quase ser registado como um terramoto.»