Jesualdo Ferreira e Paulo Bento parecem ter um imenso monte de detalhes a separá-los. Na idade, por exemplo, na postura, na forma de falar, no cuidado com a imagem, até. Há um pormenor, porém, que os junta: ambos têm raízes transmontanas. É certo que Lisboa é a cidade que adoptaram como lar, doce lar, mas antes dela foi em Trás-os-Montes que as famílias desenvolveram raízes. Jesualdo Ferreira chegou mesmo a nascer em Mirandela, bem no centro da vila que depois se tornou cidade, na Rua do Arco.
Entre a ponte velha e o Palácio dos Távoras. O pai era mesmo de lá, a mãe era de Carvalhais, uma aldeia que começa onde Mirandela termina. Acabou por sair aos dois anos, com a família que partiu para Angola. De onde só regressou com 14 anos. Já depois de se ter separado dos pais, que ficaram em Cubal e enviaram o filho para Nova Lisboa. Para estudar no colégio Alexandre Herculano, que oferecia melhores condições de ensino. Ficou com uns tios, que não tinham filhos e que viviam desafogadamente.
Mirandela, Angola, Valpaços, Chaves e Mirandela outra vez
Gente de dinheiro, que entretanto chegara à reforma. Por isso regressaram à metrópole, para assentar em Valpaços, de onde eram naturais. A poucos passos de Mirandela. Jesualdo Ferreira regressou com eles. Veio na idade de ir para o Liceu e por isso foi sozinho morar para Chaves. Vivia num quarto alugado, na Rua do Sol. Um fim-de-semana por outro regressava a Carvalhais, onde estava grande parte da família pelo lado da mãe e para onde vieram os pais quando deixaram Angola. Nas férias estava sempre lá batido. Vinha de autocarro, raramente, vinha de boleia com um senhor de uma aldeia ao lado que era viajante, a maior parte das vezes. Foi lá que cresceu até terminar o Liceu. Então partiu para Lisboa, para tirar o curso no ISEF. E fez da capital o lar.
Uma vida inteira em Lisboa com janela para Bragança
Paulo Bento, por outro lado, tem uma história diferente. O treinador do Sporting, já foi nascer a Lisboa. Os pais eram de fora, o pai de Lousa (perto de Castelo Branco) e a mãe de Bragança. Conheceram-se porém na capital, namoraram na capital, casaram-se na capital e fizeram vida na capital. Onde moravam também mais tios, irmãos da mãe, incluindo um, Rogério Gomes, actualmente olheiro do V. Guimarães para as camadas jovens, que o acompanhou praticamente desde o berço e o levou muitas vezes a jogar à bola no Futebol Benfica. Antes de partir para a capital com apenas 17 anos, porém, a mãe fez toda a vida em Bragança. De onde era natural e onde tinha a família. Ainda hoje, no mês de Agosto, insiste em ir passar as férias à terra natal.
Desde cedo que também habituou os filhos a acompanhá-la. Entre eles Paulo Bento, claro. Um hábito que o treinador do Sporting ganhou com gosto. Um hábito que ainda hoje mantém, mesmo que em menor assiduidade, naturalmente. Também porque as obrigações que tem não o permitem. Apesar de tudo, uma vez por ano, pelo menos, o treinador leonino insiste em dar um salto a Trás-os-Montes para matar saudades. Nem que seja por um instantinho. Fica em casa de uma tia, visita os familiares, está com os amigos e perde-se também nos prazeres da mesa. Tal como Jesualdo Ferreira ainda faz, de resto. Um pormenor que os une, afinal de contas, entre o imenso monte de detalhes que os separam. Porque como se disse um dia, nós somos o que são as nossas raízes.