Godinho Lopes disse que Jesualdo Ferreira ia ser o treinador dos treinadores: o novo gestor do futebol do Sporting vai ter funções transversais a todas as equipas, fazendo a ligação entre a formação e a equipa principal, com a ideia de pensar todo o futebol leonino como uma só estrutura.
Ora estas funções não são novas para Jesualdo: o novo manager é aliás várias vezes descrito como o professor dos professores e também já foi uma espécie de treinador dos treinadores. Aconteceu no início da carreira, no início dos anos 70, numa época que mudou para sempre o futebol português.
Depois de uma rápida passagem pela carreira de jogador, na Ovarense, Jesualdo dedicou-se aos livros e tirou uma licenciatura em Desporto no Instituto Superior de Educação Física, em Lisboa. Com Mirandela da Costa, que tinha sido professor dele, criou depois a especialização em Futebol.
Ora por essa especialização haveriam de passar, por exemplo, Carlos Queiroz, Nelo Vingada, António Violante e até um tal de José Mourinho. Depois disso foi levado por David Sequerra para a Federação, onde criou uma estrutura de formação que mudou para sempre o futebol nacional.
«Eu tinha sido professor de Jesualdo no ISEF e levei-o para a Federação em finais de 1974. Por causa disso tive muitos problemas com os dirigentes, que não aceitavam um miúdo desconhecido e sem experiência no futebol. Mas eu sabia que estava certo», conta David Sequerra ao Maisfutebol.
Nessa altura não existia uma organização de futebol de formação. David Sequerra levou Jesualdo a um torneio em Cannes como auxiliar, depois integrou-o na estrutura e juntos criaram o edíficio do futebol jovem. «Não existia uma seleção de juvenis ou iniciados. Não existia nada.»
«Jesualdo era metódico, organizado, refletia muito e escrevia bem. Tinha noções claras do que era o futebol de futuro, fazia relatórios, esquematizava conceitos e criava manuais. Fizemos ações de formação e sensibilização por todo o país, criámos uma estrutura de recrutamento», adianta.
David Sequerra sorri com alguns episódios. «No dia 25 de novembro de 1975 estávamos no Porto numa ação de formação com iniciados. Foi uma carga de trabalhos para conseguirmos voltar a Lisboa.» Por essa altura a estrutura de formação das seleções estava definitivamente lançada.
«Fomos a França para conhecer um programa de formação que era o Gillette. Isto em 1974. Trouxemo-lo para Portugal e tentámos implementá-lo, mas não conseguimos totalmente. Ficaram apenas alguns conceitos e teorias para o futuro, que as seleções jovens aproveitaram», adianta.
Ora voltando ao início, ao treinador dos treinadores, David Sequerra lembra que com Jesualdo e José Moniz (elemento também ele fundamental), foi criada uma estrutura jovem por onde passaram vários treinadores. «Carlos Dinis, António Violante, Silveira Ramos, Nelo Vingada, entre outros.»
David Sequerra haveria de sair três anos depois, Jesualdo Ferreira ficou e manteve o trabalho que esteve na origem das várias gerações de ouro do futebol português, gerações essas exponenciadas por Carlos Queiroz. Entre o gabinete e o relvado, o novo manager leonino afirmava a competência.
Mirandela da Costa lembra «um jovem que fugia da rotina e defendia a criatividade». «Mudou conceitos, divulgou as exigências do treino moderno e arbitrou conflitos ideológicos entre os treinadores do Simbol, em Lisboa, e o Sindicato de Treinadores, liderado por Pedroto, no Porto.»
Por isso o antigo professor não tem dúvidas que o Sporting fez uma excelente escolha. «Ele vive em todas as plataformas do processo de gestão do futebol. O gestor não existe em Portugal, mas ele é perfeito: vai ver por cima o conceito e ajudar quem está no campo a aplicar os processos».
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