João Nunes tinha oito anos quando foi descoberto pelo Benfica nas Escolinhas do Quinito, em Setúbal. O miúdo cresceu. Primeiro entre os treinos nos Pupilos do Exército, depois no centro de estágio do Benfica, no Seixal. Fez parte da equipa que foi à final da Youth League em 2014, foi vice-campeão europeu sub-19 e mundialista sub-20 na Nova Zelândia.

Aos 20 anos desvinculou-se do Benfica e rumou ao Lechia Gdansk, o atual líder do campeonato polaco que sonha com um inédito título e onde tem sido opção regular.

Em conversa com o Maisfutebol na véspera de regressar ao frio polaco após a pausa natalícia, João Nunes explicou por que razão decidiu deixar o Benfica e fez o balanço dos primeiros meses no estrangeiro.

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Fez toda a formação no Benfica até sair agora. Levou muitas recordações consigo?

Cheguei ao Benfica com oito anos e custa sair ao fim de 12 anos. Custa mas a vida é assim. Levo muitas lembranças. Tive a felicidade de ter ganho os três campeonatos da formação: iniciados, juvenis e juniores. Aprendi no Benfica praticamente tudo e devo muito ao clube o facto de me ter tornado no jogador que sou. Tenho muitas memórias com jogadores que estão agora na equipa A, com outros que estão fora e outros que estão na calha para ser lançados, como o Diogo [Gonçalves] e o João Carvalho. O Rebocho, o Guzzo… Ficam muitas histórias.

O que o levou a quebrar definitivamente este laço com o Benfica?

Não foi uma situação fácil. Estreei-me na equipa B quando ainda era júnior. No ano seguinte [2013/14), com a Youth League, acabei por não o fazer e depois, já com o mister Hélder, fiz mais dois anos na equipa B. Estava na altura de dar o salto. Falou-se muito nos jornais sobre uma possível pré-época na equipa A, chegaram até a falar comigo sobre isso, mas as coisas não foram nesse sentido e tinha de arranjar-se uma solução. O presidente [Luís Filipe Vieira] também me fez ver que esta era a solução mais indicada.

Estamos numa idade em que precisamos de progredir e de ganhar experiência para que no futuro possamos ter a legitimidade de querer essa oportunidade»

 

A solução de ir jogar para a Polónia?

Sim. O Benfica continua a ter 50 por cento dos meus direitos financeiros. Tomámos a decisão de ir jogar para a Polónia e não me arrependo. Como acontece com qualquer jovem, o meu sonho focou-se em chegar à equipa principal do Benfica. Acabou por não ser possível, mas o futuro a Deus pertence.

Percebeu que esse sonho de chegar à equipa principal seria difícil de se concretizar?

As conversas que tive há algum tempo não tornavam esse sonho irreal. O Benfica fazia sentir-me uma aposta. A mim e a outros colegas. Mas o futuro imediato não passava por aí. Percebi isso e decidi seguir em frente. Somos jovens, estamos numa idade em que precisamos de progredir e de ganhar experiência para que no futuro possamos ter a legitimidade de querer essa oportunidade.

Sentiu que não podia correr o risco de ficar muito tempo à espera de uma oportunidade?

Nunca tive pressa nesse sentido, mas sentia também que seria importante jogar. Mesmo numa I Liga, com um empréstimo ou noutra situação parecida, tinha de jogar. Vários colegas meus, como o Fábio Cardoso, por exemplo, saíram para jogar na I Liga e demonstraram o seu valor. Eu tinha essa necessidade de jogar, até porque é isso que nos move.

E porquê o Lechia Gdansk. Por tratar-se de um clube com boas relações com o Benfica?

Sim. Pelas boas relações com o Benfica e pelo projeto interessante que me foi apresentado. Mas foi uma situação que me deixou a pensar. Estamos a falar de um país e de um campeonato pouco conhecido em Portugal. Mas é como disse: não me arrependo de ter tomado esta decisão.

(…)

Quando cheguei lá vi que tem um campeonato extremamente competitivo, equilibrado e com equipas de muita qualidade. Basta ver o Legia Varsóvia, que fez uma boa campanha na Liga dos Campeões. Foi a Dortmund e, apesar de perder por um resultado avolumado, foi uma equipa que criou dificuldades, o mesmo com o Real Madrid em casa e com o Sporting. Isso espelha muito o nosso campeonato.

Foto: arquivo pessoal

Estamos cada vez mais focados em ser campeões da Polónia»

 

E quais são os objetivos do Lechia Gdansk?

O projeto do clube passa pelos lugares europeus e estamos cada vez mais focados em ser campeões da Polónia. Temos um projeto muito aliciante.

Mas estamos a falar de um clube sem grande palmarés. Não vos surpreende este primeiro lugar?

Não! O Lechia tem lutado muito nos últimos anos pelas competições europeias e acaba por ficar sempre a um ou dois pontos. O clube tem feito um esforço para conseguir alcançar os lugares europeus. Não estamos nada surpreendidos, porque quem olhar para a nossa equipa vê que temos muita qualidade. É perfeitamente merecido que estejamos nesta posição. Se acredito que é possível continuarmos na luta? Sim, penso que sim. Temos capacidade para lutar com qualquer equipa do campeonato polaco e alcançar os objetivos a que nos propusemos.

O Lechia é um clube organizado?

Sim, sim. As coisas são diferentes do que acontece em Portugal. Posso dizer que estruturalmente há poucos clubes como o Benfica, onde a organização é uma coisa extrema. Tem apoios para tudo para os jogadores, tudo bem estruturado, bem planeado. É claro que o Lechia não tem a organização do Benfica, mas é um clube estruturado e com os objetivos muito bem definidos.

O que conhecia do futebol polaco?

Sinceramente não conhecia muito. Meia dúzia de equipas, como o Legia Varsóvia, o Lech Poznan, o Ruch Chorzów e pouco mais. Por isso é que digo que só estando lá é que temos a noção da real dimensão. Já começamos a ver agora a seleção polaca com excelentes jogadores e com prestações muito fortes. A Polónia é um país com uma grande projeção para o estrangeiro. Há muitos países atentos ao nosso campeonato.

A Alemanha, por exemplo.

Sim. É um dos países que tem um grande foco na Polónia. Nota-se pelo grande número de jogadores polacos a atuar na Alemanha. Há uma grande proximidade.

Ficou surpreendido com a competitividade que encontrou na Polónia?

Não digo que tenha ficado surpreendido com a qualidade do nosso plantel, porque já tinha tomado conhecimento disso. O que me surpreendeu foi a liga ser muito equilibrada, onde o primeiro classificado pode ir jogar a casa de uma equipa que está lá para baixo e vai ter muitas dificuldades porque todas as equipas são muito aguerridas, batalhadoras. Mesmo que algumas não tenham muita qualidade, há uma enorme competitividade.

Recomendava algum jogador do Lechia ao Benfica?

Não é fácil, mas temos jogadores de muita qualidade. O Wolski, que jogou na Fiorentina, o Chrapek, os irmãos [Flávio e Marco Paixão] também têm uma grande qualidade. O Milos Krasic é conhecido no mundo do futebol: jogou na Juventus, no Fenerbahçe, ganhou uma Taça UEFA ao Sporting [n.d.r.: pelo CSKA Moscovo em 2005]. Temos muitos jogadores de qualidade.

Nos últimos tempos um jornal português avançou a hipótese do guarda-redes  do Lechia, o sérvio Vanja Milinkovic-Savic, transferir-se para o Benfica. Teria qualidade para isso?

Sim, sim! É um excelente guarda-redes com uma margem de progressão enorme. É jovem e tem muita margem de aprendizagem. Tem espaço para entrar num grande clube europeu.

Com os irmãos Flávio e Marco Paixão. João Nunes é ainda companheiro de Steven Vitória (ex-Benfica) e de Simeon Slavchev, médio ainda pertencente ao Sporting (foto: arquivo pessoal)

Dos 20 jogos que o campeonato já leva, participou em 11. Estes primeiros meses têm correspondido àquilo que esperava?

Sim, sim. Felizmente tenho jogado, tenho trabalhado bem num grupo muito forte.

Sente que já conseguiu conquistar o seu espaço?

Não digo isso, porque não há um grupo fechado de 11 titulares, mas sinto que tenho demonstrado o meu valor, que tenho estado bem e que sou uma opção válida para qualquer jogo e necessidade que a equipa tenha.

E os irmãos Paixão? O facto de jogar na mesma equipa deles, que também já estão habituados ao país, tem ajudado na adaptação?

Seria mais complicado se eu estivesse lá sozinho. Isso é muito importante. Eles já estão na Polónia há dois, três anos e já conhecem os costumes do país. Ajudaram-me a integrar-me não só no clube mas também no grupo, com os meus colegas polacos, sérvios. Isto apesar do processo de integração nunca estar fechado, até porque estou num país diferente...

Antigo estádio do Lechia Gdansk. Campeonato polaco só regressa em fevereiro. «Já tive de comprar mais casacos e botas mais grossas», conta. Nesta altura do ano, as temperaturas ultrapassam os -10ºC (foto: arquivo pessoal)

O que é que lhe custou mais nos primeiros tempos na Polónia?

Foi a primeira vez que saí do país. Há sempre aqueles momentos em que sentimos a falta de casa, dos hábitos que tínhamos. Em Portugal ia ao cinema, passeava… Na Polónia não faço isso com tanta regularidade. Fecho-me mais em casa, até porque não estou tão habituado àquele clima. Os costumes e os hábitos alimentares também são diferentes.

Não se come muito bem aí, não é?

É diferente… Mas têm coisas muito boas. Uma sopa fantástica chamada Zurek. É claro que não é a mesma coisa e mesmo quando cozinhamos em casa os alimentos não têm o mesmo sabor, mas ainda tenho alguma sorte porque temos lá um supermercado do grupo Jerónimo Martins, que tem muitos produtos próximos dos nossos.

Calculo que sinta a falta do choco frito.

Ah, sim! Não há nada como o choquinho frito, isso é certinho [risos]. Tanto que já fui comer. Quando vamos a Portugal damos outro valor às coisas por não as termos com tanta regularidade.

Sonho de chegar à equipa principal do Benfica mantém-se»

 

Relativamente a objetivos de carreira, voltar ao Benfica é um objetivo?

Chegar à equipa principal do Benfica foi um objetivo que tive durante muitos anos, talvez desde os meus 13/14 anos. Nessa altura começamos a cair em nós e a pensar que aquilo que amamos pode tornar-se na nossa vida. Nunca se sabe o futuro, mas era um sonho que eu tinha.

Ainda o tem?

Posso dizer que sim. Esse sonho mantém-se. Não sei se será possível num futuro imediato, mas vamos ver.

E em relação às seleções? É internacional por quase todos os escalões. Quais são os objetivos mais imediatos?

Voltar à Seleção é claramente uma ambição. Quero chegar aos sub-21. Ainda por cima, o Europeu deste ano vai ser na Polónia e gostava de o jogar em «casa». Seria bonito, até porque dois dos jogos da nossa seleção vão ser disputados na cidade do clube rival do Lechia: Gdynia. Gdansk pertence a um núcleo que eles designam de três cidades: Gdansk, Sopot e Gdynia. Há uma rivalidade muito grande entre o Lechia e o Arka Gdynia e seria espetacular estar presente nesse Europeu.

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