Morreu João Semedo, esta quarta-feira, aos 50 anos.

Fundador da Academia do Johnson, João Semedo era ativista e uma inspiração para centenas de crianças e jovens, que apoiava há anos através de atividades desportivas e sociais.

Nasceu em São Tomé e Príncipe, mas veio para Portugal aos dois anos de idade. Com ele, chegaram também sete irmãos e a mãe. O pai já cá estava.

Do desconforto no lar aos vícios na rua

O início, que depois foi meio e quase foi fim, foi complicado. João sempre viveu na Cova da Mora, e começou por morar numa barraca sem água e sem eletricidade e com muita fome, como o próprio contou numa palestra que deu em 2018, no Colégio Militar.

O desconforto no lar era muito, e, ainda criança, aos dez anos, saiu de casa. A nova morada? A rua. E os problemas acentuaram-se. Nessa altura, as drogas começaram a fazer parte da rotina de João Semedo. «Pouco a pouco fui ao haxixe, depois à heroína e depois à cocaína. Fui viciado durante anos e anos. (…) Tenho amigos meus que ficaram, que morreram. Tenho um que não tem duas pernas. Cenas assim», disse, na mesma ocasião.

Aos 16 anos foi preso pela primeira vez, para depois ser libertado. Aguentou cinco meses antes de voltar a ser detido. «Aí, fiquei com uma pena de 14 anos. Cumpri dez. Se tivesse de voltar atrás fazia tudo igual, se calhar com menos violência pelo meio», confessou.

É que foi na prisão que a vida de João Semedo começou a mudar.

(facebook Academia do Johnson)

«‘O que podem mudar dentro da comunidade?’ Essa foi a pergunta que me fiz dentro da cadeia e quando saí, pensei: ‘Espera aí, o que posso mudar com a minha história para que outros não tenham de bater com a cabeça na parede para perceber que está lá a parede?’»

O objetivo, contou, era tirar o curso de treinador, «para estar perto e por dentro aquilo que é a missão de ajudar os miúdos a perceber que o desporto é o melhor meio para poderem sair da delinquência e dos ímanes negativos».

No fundo, João Semedo queria que não houvesse mais Joões Semedo.  

A sobriedade que lhe abriu as feridas

Ainda assim, o percurso não foi fácil. Até porque a sobriedade ofereceu-lhe a realidade.

«Quando saí da prisão, tinha medo de voltar. Fui tratar-me para uma clínica, curar o meu vício da droga. Depois fui para uma comunidade terapêutica e aí percebi quem sou, para onde queria ir, quais os meus medos, as minhas vergonhas e o que se passou. Posso dizer-vos que foi muito mais difícil olhar para dentro de mim nesses dois anos, do que durante toda a minha vida de pistoleiro. Porque nesses dois anos tinha de olhar para mim sem drogas, tinha de mexer nas minhas feridas e olhar para as minhas falhas», lembrou.

E depois o projeto que lhe mudou a vida e a de muitos outros.

Em 2014, a surge a Academia do Johnson, no Bairro do Zambujal, na Amadora, para «promover o desporto, o desenvolvimento e a integração social de jovens e crianças dos bairros da zona da Cova da Moura», lê-se no site da instituição.

​«Porque o amanhã se constrói hoje, a Academia do Johnson aposta nos talentos dos jovens do bairro da Cova da Moura. Através do Futsal, da dança e de outras atividades desportivas, cria equipas fortes e coesas para treinar também competências académicas e reforçar valores humanos. O lema da Academia do Johnson é: somos aquilo que fazemos! Promover a educação e os valores de cidadania na prevenção de situações de risco de crianças e jovens que vivem nos bairros da Amadora.»

Marcelo visitou e não esqueceu

Ao longo dos anos, a organização que saiu da cabeça solidária de João Semedo ajudou centenas de crianças, numa obra reconhecida até pela Presidente da República.

Em 2020, Marcelo Rebelo de Sousa visitou a Academia do Johnson. Ficou «maravilhado» com a «obra excecional» que viu com os próprios olhos.

«Fico maravilhado porque é uma obra excecional, de uma pessoa que passou a vida que passou, que aprendeu com essa vida, e que pega em centenas de jovens, fá-los estudar, cria condições para fazerem desporto, cria um ambiente que é um ambiente excecional, de várias idades, portanto de várias gerações», referiu na altura Marcelo, aos jornalistas.

João Semedo com Marcelo Rebelo de Sousa (facebook Academia do Johnson)

«É um exemplo de vida e é um exemplo de dedicação à comunidade», acrescentou, ao lado de João Semedo.

Marcelo não esquece, aliás, e já esta quarta-feira reagiu ao desaparecimento do ativista. O Presidente da República apresentou «as suas sentidas condolências à família e amigos de Johnson Tavares Semedo, fundador da Academia do Johnson, associação que tantas vidas tocou no concelho da Amadora e no país» e recordou «o seu exemplo e ativismo na inclusão dos jovens pelo desporto, que teve o privilégio de conhecer e acompanhar no terreno».

Depois da redenção, João Semedo não mais parou e ainda há duas semanas apresentou uma nova plataforma, a AKTO – Play Your Future, que disponibiliza um curso online sobre as diferentes áreas da indústria desportiva.

«Todos têm o sonho de ser jogadores da bola e depois há uma frustração porque nem todos chegam lá. Isto dá-lhes a capacidade de encontrarem outro caminho, outra forma de fazerem a sua vida dentro do desporto», disse na ocasião, à Lusa.

Por esse esforço, a comunidade está-lhe grata, e a despedida da Academia do Johnson ao homem que faleceu às 06h00 desta quarta-feira, rodeado da família, segundo a Lusa, faz jus a isso mesmo.

«Queridos Pais, Queridos Amigos,

Quiseram os mistérios da vida que na madrugada de hoje o nosso Querido Jonhson tenha deixado de estar entre nós.

A tristeza que sentimos tem que dar lugar à força, à esperança e ao amor, que sempre ele partilhou entre nós.

Este é o momento de darmos as mãos e de darmos o melhor de todos nós, para que a Academia possa continuar no coração do Johnson e ele saber que somos capazes de continuar o seu sonho, em prol das nossas crianças, dos nossos jovens, dos nossos idosos e famílias. Como diria o Jonhson “Somos Aquilo Que Fazemos”!

Este é um momento em que a dor, tem de dar lugar à Esperança.

Partilhamos com muito carinho aquele abraço que só o Johnson sabia dar.

Precisamos de todos nós!»