Um golo sofrido no último lance do prolongamento e três penáltis para apuramento desperdiçados justificam-no: a mais cruel forma de perder.

Nada vai apagar uma noite absolutamente histórica em Vila do Conde. O Rio Ave teve tudo para afastar o colosso Milan, mas caiu ao fim de 120 minutos e… 24 grandes penalidades. Os italianos seguem para a fase de grupos da Liga Europa.

A equipa de Mário Silva esteve a um lance, no prolongamento, de apurar-se pela segunda vez na história para o quadro principal da prova. Dispôs de três penáltis para sentenciar no desempate. Mas a estrelinha esteve do lado de quem, na teoria, tinha maior poder.

É preciso respirar, sentar no sofá e atentar ao filme de um jogo épico. Depois de 14 grandes penalidades marcadas, todas com êxito, Colombo atirou a 15.ª por cima, mas Nélson Monte viu depois a bola bater nos… dois postes. Ao segundo match-point, Kieszek fez exatamente o que Donnarumma tinha feito antes: atirou por cima. Foi preciso dar a volta a todos os jogadores em campo e Geraldes, à terceira hipótese de passagem, atirou ao poste depois da redenção de Kieszek, que negara o segundo penálti de Bennacer. Por fim, Kjaer marcou e Aderllan viu a esperança vila-condense morrer à 24.ª batida, com a defesa de Donnarumma.

A meio deste filme, já Piazón cerrava os dentes numa toalha. Outros de mãos na cabeça ou deitados, incrédulos com o cenário.

Pasme-se quem não viu o que poucos assistiram ao vivo, mas muitos viram pelo grande ecrã. Ou escutaram nas emoções da rádio.

E tudo isto depois de um apuramento que parecia quase certo para o Rio Ave.

Foi um jogo insano. Não é exagero.

Com o relógio a bater no minuto 120, a mão de Borevkovic - que foi expulso - pecou e permitiu ao Milan segurar-se no último lance da meia-hora extra, quando Çalhanoglu fez, de penálti, o 2-2, antes do último apito do espanhol Gil Manzano em 120 minutos.

Por esta altura, já o Rio Ave tinha dado a volta a um jogo extraordinário. De competência, segurança, inteligência e sofrimento. Este era daqueles que, se desse, tinham de passar duas equipas. A armada verde e branca merecia.

O sete vezes campeão europeu de clubes festejou primeiro e no fim. Abriu o marcador no início da segunda parte, num remate de Saelemaekers, após um canto, ao minuto 51. A primeira parte nem é digna deste filme, de tão pobre que foi. Ressalve-se o sacrifício e a coesão do Rio Ave a defender e a incapacidade de o Milan penetrar. Só Carlos Mané, ao minuto 41, fez um remate enquadrado.

Depois do tento do belga, tudo mudou. A história começou verdadeiramente a escrever-se a partir do minuto 72, quando Mané deu a Piazón e esteve serviu para uma «bomba» do recém-entrado Francisco Geraldes, sem hipóteses para Donnarumma.

Do banco saiu também a cambalhota no marcador e por outro ex-Sporting, que teve, quase à mesma hora, uma noite negra em Alvalade. Gelson Dala tentou combinar com Mané, mas fê-lo de forma involuntária com Kessié, até ao remate indefensável para o 2-1, logo a abrir o prolongamento.

O resultado manteve-se, com relativa segurança, mas o futebol deixou mais uma prova de que nada é certo até ao último apito (nem mesmo com este, como se viu no Brighton-Man. United do último sábado).

O penálti de Çalhanoglu salvou o titulado emblema transalpino e depois foi a história vista dos 11 metros. Louca, incrível e dolorosa, que teve ainda um improvável «Panenka» de Filipe Augusto no quinto pontapé dos lusos.

O Rio Ave, que há uma semana festejara da mesma forma na Turquia, caiu numa maratona impensável, que vai entrar para as enciclopédias da bola.

Paolo Maldini viu e respirou de alívio no camarote. Ibrahimovic, por certo, em casa.

O apuramento não ficou nos Arcos. Nem os três milhões de euros de prémio de passagem. Mas ali ficou um dia memorável para o futebol. E, se não for mais, o respeito maior de um dos maiores clubes do mundo para os 81 anos de história do Rio Ave.