O adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio foi um enorme alívio para milhares de atletas, para as federações e para os Comités Olímpicos Nacionais, que se viam perante um pesadelo de preparação e logístico no meio das limitações decorrentes da pandemia do novo coronavírus. A decisão, inédita, dá lugar agora a um cenário nunca visto, reagendar e reorganizar o maior evento desportivo do planeta. Levanta «milhares de questões», como disse nesta quarta-feira o presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach. O Maisfutebol procura resumir algumas delas, olhando também para o ponto de vista português, dado por José Manuel Constantino, presidente do COP.

«Havia enorme ansiedade perante um quadro de indefinição, depois da primeira indicação de um período de quatro semanas de espera para a decisão, mas felizmente ela chegou em 24 horas», começa por dizer José Manuel Constantino, acreditando que a decisão anunciada pelo COI e pela organização japonesa resultou da enorme pressão internacional: «Sim, pressão da opinião pública, de atletas e de muitos Comités Olímpicos que de modo oficial e de modo oficioso fizeram saber que a solução para já não podia ser outra que não o adiamento.»

Agora começa um trabalho sem precedentes, que Thomas Bach definiu como um «gigantesco puzzle». «Todas as peças têm de encaixar. Se tirarmos uma peça, todo o puzzle se desmorona. Tudo tem que encaixar e tudo é importante», disse o alemão.

Algumas das questões para enquadrar esse «puzzle».

Isto já aconteceu antes?

Não. Nunca houve um adiamento. Os Jogos Olímpicos da era moderna apenas não se realizaram por três vezes, todas em tempo de guerra: em 1916, quando a I Guerra Mundial impediu a Alemanha de receber a competição – o que não aconteceria em 1936, quando o regime de Hitler a utilizou mesmo como arma de propaganda -, e depois durante a II Guerra Mundial: em 1940, numa edição que estava originalmente prevista para o Japão, depois para Helsínquia, e em 1944, quando devia realizar-se em Londres. Desde então não houve nenhum cancelamento, nem adiamento, mesmo em situações limite como Munique 1972, quando um atentado redundou na morte de 17 pessoas, entre terroristas e membros da delegação israelita. Houve limitações e boicotes por motivos políticos, mas o espetáculo continuou sempre dentro do tempo previsto.

Quando vão ser mesmo os Jogos Olímpicos?

Ainda não se sabe. Na terça-feira foram formalmente adiadas as datas originais, 24 de julho a 9 de agosto de 2020. O COI definiu apenas um limite temporal, ao anunciar que a nova data dos Jogos fica em aberto, mas não será «nunca depois do verão» de 2021. «As opções não estão restritas a meses de verão. Todas as opções estão sobre a mesa, incluindo o verão de 2021», disse Thomas Bach nesta quarta-feira. Tudo dependerá da evolução da pandemia e, claro, da reorganização do calendário desportivo. Um enorme quebra-cabeças, com várias competições já adiadas para 2021, os principais campeonatos envolvidos num mar de dúvidas sobre o final da época atual, que se estenderão inevitavelmente à próxima temporada, além de outras grandes competições que já estavam previstas para 2021, incluindo das três modalidades nucleares do programa olímpico: no próximo ano estão previstos Mundiais de atletismo e de natação, ambos no verão, e de ginástica, estes em outubro.

Em que ponto estava o apuramento dos atletas para os Jogos?

Estavam apurados, segundo dados divulgados pelo COI há uma semana, 57 por cento dos atletas. Faltam portanto 43 por cento, pouco menos de metade, milhares e milhares de atletas que iriam procurar a qualificação em centenas de competições nos próximos meses, em alguns casos com provas que se estenderiam até final de junho. Reagendar essas competições é um dos grandes desafios que se seguem.

Como vai terminar agora a qualificação das diferentes modalidades?

Boa pergunta, mais uma ainda sem resposta. Dias antes de anunciar o adiamento, o COI já tinha garantido que tudo se manteria igual em relação aos atletas já apurados bem como às quotas de qualificação de cada país, ao mesmo tempo que abria a porta a adaptações no sistema de qualificação em algumas modalidades. Agora, anunciou a criação de um grupo de trabalho a que chamou «Here we go», que tentará encaixar todas as peças do puzzle. O trabalho começa já nesta quinta-feira, com uma videoconferência que reunirá os representantes das 33 federações internacionais das modalidades que constituem o programa olímpico.

Qual o impacto financeiro do adiamento?

Será grande, mas ainda difícil de prever, para mais no contexto de uma pandemia que terá por si só profundas consequências económicas no mundo. O presidente do Comité Olímpico Internacional resumiu o que está em causa, dizendo que a situação iria exigir sacrifícios e «compromissos» de todos os parceiros envolvidos, dos patrocinadores às cadeias televisivas com direitos de transmissão dos jogos. Vários dos principais patrocinadores, com contratos a longo prazo com o COI, já disseram que vão manter as parcerias, mesmo no cenário do adiamento. A decisão já anunciada de manter a designação Tóquio 2020 vai nesse sentido de continuidade, de procurar não deitar pela janela todo o trabalho de promoção já feito e preparado.

Em que ponto estavam as coisas em termos de organização?

O Japão tinha todas as infra-estruturas prontas. O Centro Aquático, concluído no final de fevereiro, foi a último das oito principais estruturas construídas de novo, incluindo o Estádio Olímpico. O país já terá gasto 10 mil milhões de euros, um investimento que provavelmente não será suficiente com a perspetiva do adiamento por um ano.

Que implicações tem isto em termos logísticos?

Citando o presidente do COI, milhares delas, provavelmente. Colocam-se uma série de questões práticas, que vão dos mais de 3000 voluntários, que se tinham comprometido especificamente para este verão, à logística relacionada com hotéis e viagens. Antes de mais das organizações participantes, muitas das quais já tinham feito reservas e pagamentos. José Manuel Costantino enquadra a situação portuguesa. «Já fizemos despesas em termos de alojamento, esperamos de alguma forma poder ser ressarcidos. Recebemos indicação dos responsáveis japoneses de que o assunto está a ser estudado e que seríamos informados sobre a forma de cumprir os pagamentos em falta. O pagamento é feito em tranches, agora seria uma última, temos esperança que a despesa já feita seja transferida. Quanto às viagens, vamos ter que aguardar a evolução das operações comerciais e das empresas de transportes aéreos, de modo a saber se as viagens serão transferíveis para as datas a designar.» Mas há mais. O complexo da Aldeia Olímpica iria converter-se numa urbanização de apartamentos privados depois dos Jogos, muitos dos quais já estão vendidos. Mais um problema para resolver.

E quem já tinha bilhete?

Embora a fase de venda de bilhetes aberta ao público em geral apenas tivesse início previsto para maio, boa parte dos 7 milhões de ingressos já tinha sido disponibilizada, para o público japonês mas também através de agências designadas pelos vários comités olímpicos internacionais. Não há dados oficiais atualizados, mas só no Japão já tinham sido vendidos 4.5 milhões. Se é de admitir que o preço desses ingressos seja devolvido, menos claro é também o que acontecerá com viagens que já tivessem sido marcadas.

Em relação a Portugal, o que acontece à preparação olímpica?

Antes de ser decidido o adiamento, José Manuel Constantino tinha admitido que o Comité Olímpico de Portugal (COP) podia perder um milhão de euros em caso de cancelamento. O pior cenário não se concretizou, mas o adiamento exigirá um esforço adicional. O presidente do COP diz ao Maisfutebol que o assunto já foi debatido com o Governo, mas por enquanto ainda é cedo para fazer estimativas: «É prematuro, porque não sabemos quando vão ser os Jogos. Se forem no primeiro trimestre de 2021 é uma situação, se forem no período homólogo é outra.»

Os atletas portugueses vão ter os apoios olímpicos prolongados?

«Os que estão apurados sim», diz José Manuel Constantino. «Para os que não estão apurados, esses apoios devem existir até ocorrerem as provas de qualificação. Se não confirmarem a qualificação, não. Mas relativamente a esses atletas assumimos o que foi assumido. E o que é válido para atletas é válido para treinadores», acrescenta o dirigente, numa altura em que há 34 atletas portugueses já apurados, dos 89 incluídos no programa de preparação olímpica. A grande incógnita para já é mesmo a forma como se procederá em relação à qualificação nas diferentes modalidades: «Vamos ter de perceber, relativamente às provas de qualificação em que os nossos atletas ainda deviam participar, que alterações terão. Há um conjunto de informações de que ainda não dispomos, vamos ter que aguardar. Por exemplo, o judo fechava em maio. Agora, provavelmente esse prazo vai dilatar-se.» A maioria dos atletas portugueses mostrou-se de resto favorável ao adiamento, ainda antes da decisão. O que não invalida que ela venha alterar planos que condicionaram as suas vidas durante quatro anos, como nota o presidente do COP: «A decisão foi bem recebida pelos atletas, pese embora o facto de para muitos se tratar de um enorme contratempo. Os que estão apurados e têm a vida organizada para ter os Jogos este ano, vão ter de prolongar por mais um ano e há todo um conjunto de investimentos, estágios, plano de treinos, estágios competitivos, que não será aproveitado.»

E onde fica a chama olímpica, que já estava no Japão?

Pois, mais uma boa pergunta. Foi já com o mundo embrenhado no combate à pandemia que a chama foi acesa em Olímpia, a 12 de março, tendo chegado ao Japão na sexta-feira passada. Por agora está em Fukushima, de onde devia partir para a tradicional digressão pelo país organizador. Também ela deverá ser adiada e não se sabe ainda onde ficará a tocha acesa até ser transportada para o Estádio Olímpico, quando finalmente passar o pesadelo e acontecer a abertura dos Jogos de Tóquio. Que serão particularmente simbólicos, depois de tudo o que o mundo terá passado para lá chegar. «Esperamos que possa ser a grande celebração desportiva que define os Jogos Olímpicos, ainda mais especial nestas circunstâncias», diz José Manuel Constantino.