* Enviado-especial do Maisfutebol aos Jogos Olímpicos
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«Olha qui coisa mais linda, mais cheia de graça…». 1962, o génio criativo de António Carlos Jobim e Vinícius de Moraes escreve e compõe a Garota de Ipanema. Sucesso imediato, popular, ginga de bossa nova e refrão doce. A música torna-se na segunda mais tocada de sempre. À frente, apenas Yesterday, dos Beatles.

«É ela a menina, qui vem e qui passa». A menina chama-se Helô Pinheiro. Tem 71 anos, está de boa saúde e vive em… Ipanema, claro. Do outro lado da rua fica o antigo Bar Veloso, agora rebatizado com o título da criação de Jobim e Vinícius.

«Moça do corpo dourado, do sol de Ipanema, o seu balançado é mais qui um poema». Tom e Vinícius bebem e fumam à varanda do Veloso. Ao verem Helô lançam piropos. «Bonitinha, vem cá», lê-se na biografia da Garota de Ipanema, original e verdadeira.

«Ah, se ela soubesse, qui quando ela passa, o mundo sorrindo, se enche de graça». Durante anos a fio, os fãs de Jobim e Vinícius pensam que a Garota é Astrud Gilberto, uma das vozes presentes na cantiga. Engano. A paixão de Jobim, «puramente platónica», é desde o primeiro instante Helô Pinheiro.

Helô Pinheiro com a Tocha Olímpica

«Tom e Vinícius queriam um Brasil evoluído»

Nos últimos dias, Garota de Ipanema é mais escutada do que nunca. Aumento de 1200 por cento das audições nas plataformas digitais e redes sociais. Efeito colateral da Cerimónia de Abertura dos Jogos Olímpicos, pois.

Num dos momentos do evento, o neto de Tom – Daniel Jobim – canta e Gisele Bundchen desfila. Para os mais jovens, as notas dos autores cariocas são uma autêntica novidade.

Em entrevista ao Maisfutebol, Helô Pinheiro recorda os primeiros momentos ao lado de António Carlos e Vinícius. Divertida, confessa que o Desporto estava longe de ser um dos dionisíacos prazeres da dupla. «Tenho a certeza que seriam a favor dos Jogos, mas para eles os verdadeiros Jogos eram os do copo, da boémia».

Helô Pinheiro transportou a chama olímpica no dia 5, não perde um dia de competições e imagina Tom e Vinícius nos dias de hoje. «Eles eram homens cultos, evoluídos, queriam um Brasil também evoluído e divertido».

Helô Pinheiro, a Garota de Ipanema, com Vinícius de Moraes

«O Tom quis casar comigo e o meu noivo ficou desesperado»

54 anos se passaram desde o primeiro encontro de Helô com Jobim e Vinícius. Mais de meio século. Ainda é possível ouvir a música e gostar? A Garota de Ipanema responde afirmativamente.

«Tenho 600 versões da música que um fã meu de Recife me mandou e ainda não escutei todas. A música é eterna e jamais será contaminada. Essa música enfeita a vida, vejo a garota enfeitar o sonho das meninas, as ideias, e os desejos das outras meninas. Isso traz um certo sonho», diz ao nosso jornal, em plena Rua de Vinícius de Moraes.

«Foi um marco na minha vida, mas tudo tem coisas positivas e negativas. Ter sido consagrada por essa música, que encanta o mundo inteiro, é uma grande história. Sinto-me lisonjeada, glorificada».

E, afinal, o que eram Tom e Vinícius para Helô? Amigos, cúmplices? «O Tom Jobim queria casar comigo e o meu noivo ficou desesperado. Por isso marcou logo casamento (risos). A nossa atração foi sempre platónica. O Vinícius tornou-se no meu grande confidente. Ter sido a musa deles é uma bênção», confidencia Helô Pinheiro.

«Ah, se ela soubesse, qui quando ela passa, o mundo sorrindo, se enche de graça». Empresária de sucesso, Helô divide o tempo entre Ipanema e São Paulo. As raízes, porém, são portuguesas.

O sogro é natural das Taipas, a sogra de Penafiel e os avós da zona Centro. Helô pede muitas medalhas brasileiras e «pelo menos 20» para Portugal. «Adoro voleibol e futebol, além dos desportos aquáticos».

Quem chega a Ipanema e pergunta por Helô ouve sempre a mesma resposta: «a moça do Tom e do Vinícius?»

Aos 71 anos, para os cariocas será sempre a «coisa mais linda e cheia de graça». A letra não envelhece.