Este é um trabalho do Maisfutebol sobre os últimos anos da vida de José Torres. Foi publicado originalmente a 31 de Julho de 2006.

José Torres, o «Bom Gigante», perdeu as memórias dos seus tempos de glória, devido à doença de Alzheimer. Mas o antigo jogador do Benfica continua a desfrutar do seu maior troféu, a família, que se concentra em proporcionar-lhe, em cada dia e a cada gesto, as devidas homenagens. Raramente fala, mas ainda sorri perante a persistência da mulher, Alcinda Torres, que insiste em cuidar do marido e em mimá-lo porque em casa «está mais animado» e perto dos seus.

Em ano de Mundial, à medida que a Selecção Nacional ultrapassava mais um obstáculo mais se falava nos Magriços que, em 66, colocaram Portugal no terceiro lugar da prova. Torres fez parte desse grupo e está, agora, longe dos palcos que o consagraram. Há seis anos o avançado foi atingido pelo Alzheimer, uma doença do cérebro, que afecta a memória, o raciocínio e a comunicação, levando ainda, numa fase mais adiantada, à perda da autonomia. As causas do seu aparecimento são desconhecidas e não existe cura.

Torres continua a viver em sua casa, onde a mulher e os filhos cuidam dele. Alcinda Torres já tem 64 anos, mas mantém o sorriso e a força necessária para encarar uma situação que não é fácil, com a maior leveza possível, como contou ao Maisfutebol: «Passa muito tempo a dormir. Vai comendo pela minha mão. Arranjo-o, lavo-o, coloco-o na cadeira e trago-o para a sala, porque lhe faz bem. Dou-lhe carinho. Não fala, só o faz se insistir com ele. Hoje só ouvi bom-dia, porque pedi. Peço que sorria e, às vezes, lá sorri. Dou-lhe muitos beijinhos, brinco com ele e faço umas palhaçadas. Há dias em que toma muito bem os medicamentos, mas há outros em que tenho de incentivá-lo para que tome e aí altero-me um bocadinho. »

A fama e glória que (ainda) não davam dinheiro

O antigo avançado viveu num tempo em que o futebol não movimentava milhares de euros, como hoje em dia. Um tempo em que quase não havia contratos e em que os descontos eram quase inexistentes. A doença de Alzheimer implica um tratamento dispendioso. Um dos medicamentos ultrapassa os cem euros, ficando por cerca de metade depois da comparticipação do Estado, explica a mulher do ex-jogador. Mas há mais um medicamento e outro, e outro, para além das fraldas.

No total, Torres recebe, mensalmente, à volta de 400 euros, cerca de 250 de pensão (de descontos da altura em que trabalhou em serralharia e também como profissional de futebol) e outros 150, que são um complemento da Segurança Social. Ajudas das entidades por onde o jogador passou não existem, mas a família também não as pede. Até porque, embora a situação não seja desafogada, o filho, Francisco Torres, aponta que não passam por necessidades: «O meu pai fez o seu pé de meia. Por isso pode ter a vida que tem. Nunca teve vícios. Não passa fome nem tem falta de medicamentos. Só tenho pena que não possa desfrutar das coisas que mais gosta, uma delas a columbofilia.»

Milhares de doentes caem no esquecimento

Francisco acredita que a mãe sente alguma mágoa «por não ter sido feita a devida homenagem, nomeadamente pelo Benfica», mas aponta que não há rancor em relação a quem quer que seja. Até porque, acredita o filho de José Torres, o ex-jogador também teria este tipo de discurso: «Tentamos passar o discurso que seria o adoptado pelo meu pai. Nunca foi rancoroso ou vingativo. Se estivesse bem nunca levantaria quaisquer problemas. Não faz sentido que instituições como o Benfica, ou outras, paguem um montante mensal a pessoas que estejam nas condições do meu pai, porque não há condições para isso. Se bem que, se calhar, era mais fácil sobreviverem. Mas existem muitas pessoas na mesma situação. A diferença é que o meu pai é uma figura pública. Jogou no Benfica e as pessoas falam nisso.»