Kalidou Yero chegou a Portugal em 2009, com 17 anos, e entrou por uma porta grande. O FC Porto ficou impressionado pelo jovem avançado senegalês que tinha chegado à equipa principal do FC Istres e garantiu o seu concurso. Dois golos num jogo de pré-época frente ao Padroense (5-2), no Estádio do Dragão, motivaram um olhar ainda mais atento de Jesualdo Ferreira.

Dono de uma envergadura física pouco usual no futebol português (1,95 metros), Yero fez três jogos pelos dragões - dois na Taça de Portugal e um na Taça da Liga – antes de sair por empréstimo para Portimonense e UD Oliveirense, clubes da II Liga. A boa época em Oliveira de Azeméis traduziu-se num contrato com o Gil Vicente e a duas épocas na Liga. Antes, porém, foi chamado para a seleção olímpica do Senegal.

Yero ajudou o Senegal a garantir um apuramento histórico para os Jogos Olímpicos de 2012 e participou no torneio ao lado de um jovem chamado Sadio Mané. Um dos melhores jogadores do mundo da atualidade, o avançado do Liverpool é uma referência para o povo senegalês e o compatriota não lhe poupa elogios. Aliás, Kalidou Yero diz que Mané merecia ter vencido a mais recente Bola de Ouro. Ficou apenas no quarto lugar, atrás de Leo Messi (1.º), Van Dijk (2.º) e Cristiano Ronaldo (3.º).

Depois dos Jogos Olímpicos, em que o Senegal caiu nos quartos de final perante o México, Kalidou Yero avançou para duas temporadas no Gil Vicente e outras duas na UD Oliveirense, garantindo números interessantes (9 golos na época 2013/14 e 12 em 2014/15).. Na época seguinte, o melhor registo individual, com 14 golos pelo Penafiel. Seguiram-se Freamunde, Salgueiros, Cova da Piedade e o adeus temporário a Portugal para representar o PKNP da Malásia.

Atualmente com 28 anos, Yero regressou ao nosso país para viver um pesadelo na Associação Desportiva Oliveirense e encontrou novos motivos para sorrir nos Lusitanos de Saint-Maur, equipa com raízes portuguesas que disputa o National 2 de França. Afinal, para um senegalês que se fez homem em Portugal, com orgulho, a coincidência faz todo o sentido.

Maisfutebol – Kalidou, recuemos no tempo até 2009, até ao momento em que chegou a Portugal para jogar no FC Porto. O que recorda dessa altura?

Kalidou Yero – Fui mesmo muito feliz no FC Porto, que para mim é o melhor clube do mundo. Estava bem no Istres, com 17 anos, tive a felicidade de ser campeão e de termos subido à II Divisão, mas não se pode dizer que não ao FC Porto, embora eu achasse que o meu estilo de jogo não era apropriado para o futebol português, era mais para Inglaterra, França ou Alemanha.

MF – Já tinha como destino a equipa principal do FC Porto?

KY – Eu cheguei para a equipa júnior mas comecei a treinar com a equipa principal e a marcar golos em jogos amigáveis. Lembro-me do primeiro amigável, frente ao Padroense, no Estádio do Dragão. Entrei na segunda parte, fiz dois golos e no final o Jesualdo Ferreira veio ter comigo para perguntar: ‘Tu tens mesmo 18 anos?’ Estava a brincar, claro, mas depois disse-me que eu podia ajudar a equipa, que tinha potencial e que ia ficar comigo para eu evoluir.

 

MF – Sente que Jesualdo Ferreira acreditava bastante no seu potencial?

KY – Sim, bastante. Lembro-me de um treino em que disputei a bola com o Bruno Alves e depois o Bruno Alves fez-me uma entrada dura. O Jesualdo Ferreira foi para cima dele, a mandar vir: ‘Tu queres matar o miúdo?’ Ver o treinador a falar assim para o Bruno Alves, que eu considerava um craque, por minha causa foi muito bom. Também me lembro do dia do meu aniversário em que, depois do almoço, decidiram todos cantar-me os parabéns. Ao meu lado estava o Hulk, foi para ele que cortei a primeira fatia, mas estava tão nervoso que cortei uma fatia muito pequena, sobretudo para alguém como o Hulk, e começaram todos às gargalhadas.

MF – Fez os 18 anos em agosto de 2009 e estreou-se pela equipa principal do FC Porto em outubro. Como é que se lida com essas emoções, sendo tão novo?

KY- Foi mais fácil porque encontrei um balneário cinco estrelas. Estive com pessoas fantásticas como o Hulk, o Bruno Alves, o Fernando, o Guarín, enfim. Foi o melhor balneário que conheci, o sítio onde os jogadores podiam ter mais a mania e não a tinham. Acabei por fazer três jogos, dois na Taça de Portugal e um na Taça da Liga. O primeiro que fiz, para a Taça com o Sertanense, foi também o primeiro do Sérgio Oliveira pelos seniores. Ele tinha 17 anos mas já era um craque. Entretanto fui emprestado ao Portimonense, da II Liga.

MF – Na época seguinte foi para a UD Oliveirense, novamente da II Liga, e marcou sete golos. Sente que foi uma boa opção?

KY – Sim, sim. Fiz uma grande época, em que fui o melhor marcador da equipa, a par do Rui Lima, penso. Foi pena não termos conseguido a subida à Liga mas fiquei valorizado e acabei por assinar pelo Gil Vicente. Entretanto, também fui chamado para a seleção do Senegal que tentava apurar-se pela primeira vez para os Jogos Olímpicos. Ganhámos em Dakar à Tunísia, num dia memorável para mim, depois no play-off frente a Omã e conseguimos o apuramento.

MF – Como foi disputar os Jogos Olímpicos pela seleção do Senegal?

KY – Foi fantástico. Fizemos o primeiro jogo em Old Trafford, com o estádio cheio para ver a Grã-Bretanha que estava a voltar aos Jogos. Conseguir o empate (1-1) frente a uma equipa que até tinha o Ryan Giggs foi incrível. Naquela altura percebi que estava a entrar na história do Senegal. Vencemos depois o Uruguai, empatámos com os Emirados Árabes Unidos e perdemos com o México já nos quartos de final.

MF – O número 10 dessa seleção era o Sadio Mané, que é da sua geração. Como foi jogar com ele?

KY - O Sadio Mané já era a estrela dessa equipa, como demonstrou no play-off frente a Omã, mas nunca se comportou como tal. Não tenho o contacto com ele que tinha nessa altura mas uma coisa eu sei: tenho a certeza que, se o encontrar amanhã, vai ser a mesma pessoa que eu conheci, uma pessoa muito simples e humilde. Tenho orgulho no que ele conquistou e em que ele seja atualmente um exemplo no Senegal e em toda a África, um exemplo para as próximas gerações, porque ele não é apenas um grande jogador, é também um grande homem, uma pessoa exemplar.

MF – Viu o Sadio Mané dizer que percebe se o Liverpool não for campeão de Inglaterra?

KY – Vi e sinto um orgulho enorme, porque ele é mesmo assim. Não sei o que vai acontecer agora com o campeonato inglês mas ele merecia ser campeão. Aliás, ele merecia a Bola de Ouro que deram ao Messi. O próprio Messi sabia disso, já que ele até votou no Sadio Mané. Foi triste e ficou sobretudo um sentimento de injustiça, porque percebe-se que não foi apenas uma questão desportiva. Contra factos não há argumentos. O Sadio Mané merecia aquela Bola de Ouro, da mesma forma que o Cristiano Ronaldo merecia a Bola de Ouro que deram ao Modric. É um lado menos bonito do futebol.

MF – Depois dos Jogos Olímpicos, o Kalidou fez boas temporadas no Gil Vicente, na UD Oliveirense e no Penafiel. Onde foi mais feliz?

KY – É uma resposta muito difícil. Talvez na UD Oliveirense, mas também porque foi onde fiquei mais tempo, onde cresci mais como jogador e como homem. Mas não me esqueço que o Gil Vicente deu-me a possibilidade de jogar na Liga e no Penafiel foi onde marquei mais golos numa época. Depois fui para o Freamunde e foi diferente, foi quando tive uma lesão, que não parecia grave mas que infelizmente depois teve complicações, tive uma infeção, etc. Foi quando a minha carreira mudou. Tive igualmente outros problemas, coisas que não esperava mas que me deram lições que nunca iria aprender no futebol.

MF – A sua altura (1,95m) fez sempre com que o Kalidou fosse visto apenas como um finalizador, um homem de área para concluir de cabeça ou com o pé, de primeira? Isso prejudicou a sua evolução?

KY – Essa é uma grande pergunta. A verdade é que joguei muitos anos na II Liga, onde se procura um futebol mais direto, e isso também prejudicou o desenvolvimento do lado técnico do meu jogo. Basicamente, queriam aproveitar a minha altura e o meu jogo físico, o que até não achava mal e percebia, mas também fui sentindo que podia dar mais à equipa. No Gil Vicente, por exemplo, o Paulo Alves foi o treinador que mais me pediu para segurar mais a bola, travar, virar, jogar nos apoios, etc. Depois mais tarde foi o meu treinador do Penafiel, quando bati o meu recorde de golos (14).

MF – Na época 2018/19, você saiu do Cova da Piedade para ir para a Malásia. Porque é que a experiência no PKNP foi tão curta?

KY – Foi por um bom motivo. Em junho de 2019, voltei a França para casar. A minha mulher é francesa, de origem senegalesa, conhecemo-nos desde pequenos, somos amigos desde então, nunca pensámos que um dia iríamos casar, mas aconteceu e estamos felizes. Depois de casar, em Paris, não quis voltar para a Malásia, apesar de ter um bom contrato lá. Ainda procurei clube em França, mas estava difícil, o tempo passou e acabei por aceitar uma possibilidade de Portugal.

MF – Que realidade encontrou na Associação Desportiva Oliveirense?

KY – Eu precisava de jogar e surgiu a proposta da AD Oliveirense, com muitas promessas que nunca se concretizaram, como agora todos sabem por causa das notícias. Já era mau estar na III Divisão, mas não esperava o que veio depois. Tinha um treinador espanhol que vinha da América do Sul e muitos jogadores chegados da América do Sul, mas começaram a vir as dificuldades e senti uma revolta enorme pelo que fizeram. A Federação não devia permitir situações como aquela. Não devia permitir que pessoas como o Sebastian Diericx, que se apresentou como investidor, pegassem num clube sem verem primeiro se essas pessoas tinham condições para o fazer.

MF – No seu caso, em que é que os investidores do clube falharam?

KY - Prometeram uma casa só para mim, por exemplo, mas depois tive de a dividir com outro jogador, o Luisinho. Entretanto, outros jogadores começaram a ser despejados das casas em que estavam e vieram morar connosco. Chegámos a ser cinco ou seis no mesmo apartamento e, quando a minha mulher vinha a Portugal já nem podia ficar ali, tinha de alugar um quarto num hotel. Foi triste ver o que fizeram aos sul-americanos, jovens, que chegaram à Europa sem nada, à procura do sonho, e ficaram até sem comida. Em tantos anos em Portugal, só me tinha acontecido algo parecido no Salgueiros, curiosamente um clube que percebi logo eu era histórico, mal cheguei ao país.

MF – Foi por isso que acabou por sair e regressar a França para jogar nos Lusitanos de Saint-Maur?

KY – Sim, cada um de nós foi procurando outras soluções para o futuro e apareceu o Lusitanos, curiosamente um clube de portugueses. Parecia que estava destinado. Tenho de agradecer muito ao presidente Mapril Baptista e ao vice-presidente Arthur Machado, porque me deram a oportunidade de assinar por um bom clube, perto de Paris, da minha mulher, e já estava a entrar no ritmo, tinha feito alguns jogos, sentia-me finalmente em boas condições mas infelizmente a competição parou. Quero retribuir a confiança que depositaram em mim e ajudar o Lusitanos no National 2.

MF – Esta entrevista foi realizada em português, o Kalidou esteve mais de dez anos aqui, sente que essa ligação a Portugal ficará para sempre?

KY – Sem dúvida. Estive tantos anos em Portugal que me sinto português. Nasci no Senegal, fui para Marselha muito novo mas foi em Portugal que me fiz homem, foi aí que fiz 18 anos e foi onde cresci como pessoa e como jogador. Nunca vou esquecer isso.