Mais do que Rui Patrício, mais do que Adrien Silva, mais do que William Carvalho ou qualquer outro jogador, Kikas é o mais antigo filho do Sporting. O médio da equipa B veste de verde e branco há dezassete anos, o que o transforma num veterano do clube.

«Cheguei ao Sporting com oito anos, estou ligador ao clube há dezassete, com dois anos de interrupção pelo meio. O único jogador que tinha mais anos de Sporting do que eu era o Cedric, com a saída dele o ano passado tornei-me o mais antigo.»

O Sporting, vale a pena sublinhá-lo desde já, nunca lhe virou as contas. Mas por partes.

Antes de mais interessa dizer que Kikas nunca se estreou na equipa principal. Em 2010, no último ano de júnior, chegou a ser convocado por Carlos Carvalhal para o jogo da última jornada, em Matosinhos, com o Leixões, mas não chegou a sair do banco.

A carreira do médio tem sido por isso feita na equipa B, onde costuma assumir um papel de relevo: em dois anos e meio somou 90 jogos pela formação secundária.

Esta temporada, por exemplo, regressou em janeiro a Alcochete: cumpriu então 17 jogos, na parte final da época, e acabou por ser fundamental na recuperação classificativa da equipa, depois de alguns sustos provocados por maus resultados e a linha de água.

«O Sporting B passou um momento complicado, com resultados menos positivos, mas a minha vinda e a do Mica Pinto vieram dar mais tranquilidade ao grupo.»

Refira-se que desde que Kikas assumiu a titularidade, o Sporting B somou sete vitórias, quatro empates e as tais quatro derrotas, alcançando a melhor fase da temporada.

«Tenho 25 anos, muita experiência de II Liga e acho que fiz uma época boa. A nossa chegada foi o momento de viragem: depois de entrarmos na equipa teve quatro derrotas.»

Por aqui também já se percebe que Kikas tentou desligar-se do Sporting, mas não correu. Tentou duas vezes e das duas vezes acabou por voltar a casa.

«A primeira foi na passagem para sénior. O Sporting não tinha equipas B, acabei a formação e fiquei sem clube: não tinha empresário, não tinha clube, não tinha nada. Nessa altura passou-me pela cabeça deixar o futebol», sublinha.

«Acabei por ir para o Real Massamá, mas era apenas um part-time. Não ganhava nada no Real Massamá e tinha de trabalhar no restaurante dos meus pais para fazer algum dinheiro. Aí pensei deixar o futebol. Mas depois apareceu o Sporting e tudo mudou.»

Passados dois anos voltaram as equipas B e Kikas foi convidado por Luís Duque a regressar a Alcochete, para integrar o plantel secundário. Nem pensou duas vezes.

Em duas épocas, com Dominguez e Abel Ferreira no comando técnico, cumpriu 73 jogos e viveu momentos espetaculares: era o tempo das grandes equipas do Sporting B.

«Andámos muito tempo em primeiro. Só após as saídas de Bruma, Ilori, Dier e Zezinho é que caímos na classificação», lembra Kikas.

Ora depois de duas boas temporadas no Sporting B, Kikas achou que era tempo de voar: tinha 23 anos e a vontade de embarcar numa aventura de primeira divisão.

Mas não correu bem. Aliás, voltou a não correr bem.

«Optei por ir para o estrangeiro para dar o salto, aceitei um convite do Rapid Bucareste, mas fiquei seis meses sem jogar por causa de um problema burocrático. O clube tinha muitos problemas, estava em período de insolvência, e foi uma experiência terrível. Passei por momentos muito maus. Dormi no chão, por exemplo. Fiquei no Centro de Estágio, que já de si era muito mau, mas depois quando havia jogos metiam um jogador convocado em cada quarto e juntavam todos os outros jogadores que não eram convocados num quarto, dormindo lá todos. Era um salve-se quem puder», conta.

«Passei de facto momentos muito complicados. A única coisa positiva acabou por ser o apoio dos outros portugueses, como o Filipe Teixeira e o Geraldo Alves, e até mesmo o Peçanha. Já tinham passado pelo Rapid, estavam no Petrolul e sabiam como era o clube... Mais tarde chegou o Rui Miguel, que foi sem dúvida uma grande ajuda.»

Para primeira experiência no estrangeiro, Kikas admite que dificilmente podia ter corrido pior: um clube desorganizado, com problemas financeiros e sem poder jogar.

«Foi tudo caótico. Estava num batizado da família da minha namorada, saí à pressa, fiz a mala e viajei para a Roménia à noite. Disseram-me que tinha de ser assim porque o mercado ia fechar, mas na verdade o mercado na Roménia só fechava passado uns dias. Depois houve muitos problemas, assinei não sei quantos papeis, depois faltava sempre alguma coisa, o processo foi-se arrastando, eu estava lá sozinho, sem o acompanhamento que precisava, enfim. Uma desorganização total.»

Em janeiro as coisas melhoraram um pouco: foi inscrito, arrendou uma casa, saiu do centro de estágios e até acabou a época a titular.

«Acabámos a primeira volta com onze pontos e eles fizeram uma mudança radical no plantel. Mudaram de treinador, que apostou muito nos jogadores que foi buscar, mas a oito jogos do fim foram buscar um treinador italiano e aí sim, acabei a época a titular.»

No final da temporada regressou ao Sporting e sem vontade nenhuma de voltar a emigrar. Mas quando menos esperava apareceu-lhe Dominguez no caminho.

«Era um treinador que me conhecia e me queria no Recreativo Huelva. Com ele tinha feito 37 jogos no Sporting B. Já sabia que o clube tinha tido problemas anteriormente, mas prometeram-me que seria diferente. O problema é que não foi diferente. Em seis meses recebi 600 euros. Se não tivesse a ajuda do Sporting, tinha sobrevivido um mês, porque pagava 550 euros de casa. Supostamente até me pagavam a casa, mas nunca me deram esse dinheiro também», refere.

«Felizmente fui com o Mica Pinto e o Luís Ribeiro, pessoas que conheço há muitos anos, e apoiámo-nos uns aos outros. Caso contrário não teria aguentado tanto tempo. Por isso fomos falando com o Sporting e dissemos que preferíamos regressar.»

Como já tinha acontecido quando saiu para o Real Massamá, o Sporting recebeu-o de braços abertos. Em Alcochete Kikas voltou a sorrir e relançou a carreira a um nível bom.

«O Sporting é a minha segunda casa, conheço o Sporting desde que nascei. Ajudou-me muito, formou-me muito bem, tanto enquanto homem como enquanto jogador, relançou duas vezes a minha carreira e deu-me sempre a mão.»

Apesar disso, Kikas não desiste de lutar. Aos 25 anos sente que o Sporting B começa a ser curto e por isso quer encontrar um clube na Liga.

«Sei que não vou ser jogador da equipa principal do Sporting neste momento. Está muita gente à minha frente. Por isso quero um clube de Liga.»

Ora a maior dificuldade tem sido encontrar um clube que aceite contratar um médio defensivo de 1,68 metros. Em Portugal, diz o trinco, há muito preconceito com o tamanho.

«Sinto que sou prejudicado pela minha estatura. Quem me vê pensa que eu levo um encosto e caio, mas não é bem assim: o que não tenho em força, tenho em outras coisas. Se na II Liga há tanto choque e me safo bem, por que não haveria de safar melhor na Liga, onde até há mais espaços? O futebol português peca muito por isso, por ser discriminatório: um jogador baixo não tem de ser fraco, pode até ser um grande jogador. Basta olhar para Xavi, Iniesta, Modric, enfim, tantos», sublinha.

«Acho que só me falta uma oportunidade, um treinador que não tenha medo de apostar num jogador baixo. Sou muito ambicioso e estou ansioso por essa oportunidade.»

Enquanto essa oportunidade não chega, Kikas pode ficar tranquilo: sabe que tem sempre as portas de casa abertas. Ou não fosse ele o filho mais velho do Sporting. O varão.