A queda da Cortina de Ferro abriu a luz da Europa Ocidental a milhares de russos. A Vasili Kulkov e Sergei Iuran, por exemplo. Entre 1991 e 1995, a dupla foi notícia pela qualidade nos relvados e a indisciplina fora deles. Saídas à noite, atrasos aos treinos, um acidente de viação mortal na Avenida da Boavista [Iuran] e outros feitos poucos recomendáveis.

Hoje em dia, Kulkov é um homem diferente, porém. A lucidez com que analisa o seu passado comprova-o. «Sempre vivi como quis», admite ao Maisfutebol. «Não sei se fui um bad boy. Sei que não me portei bem várias vezes. Fiz grandes amigos em Portugal e nem percebo como alguns nos [a ele e a Iuran] nos aturavam.»

«Fui para o F.C. Porto por culpa do Cherbakov»

A paciência é a mais elegíaca das virtudes. Talvez por isso, Sir Bobby Robson tenha sido um homem admirável. «Ele era incrível. Dava-nos total liberdade, menos nos jogos. Faz o que quiseres, não te vou chatear. Mas se não jogas bem estás tramado comigo! A verdade é que nos treinos eu não dava o máximo. Nos jogos, sim. Para mim era uma questão de vida ou de morte ganhar.»

O ex-internacional russo chegou do Spartak para o Benfica em 1991. Esteve três temporadas na Luz e trabalhou com Sven-Goran Eriksson, Tomislav Ivic e Toni. Todos merecem elogios, à excepção do croata. «Era um chato. Dava muitos sermões e aguentou-se pouco.»

«Iuran era um touro, eu tinha mais classe»

A plêiade russa tinha em Kulkov e Iuran a célula principal. Alexander Mostovoi e Sergeij Ovchinnikov partilharam em determinado período o balneário com os colegas, mas sempre como figurantes. Tantos anos depois, as palavras de Kulkov sobre Iuran são curiosas.

«O que acho dele? Agressivo. Nos treinos e nos jogos. Sempre agressivo. Se calhar tinha mesmo de ser assim. Era um grande amigo, fazia tudo por mim. Eu era mais calmo, jogava com classe. Ele era um touro.»

O golo de Iuran na Luz, já com a camisola do F.C. Porto, é um dos que não sai da cabeça de Kulkov. «Que momento! Marcou de pé esquerdo, festejou à doido e foi expulso. Um momento à Iuran», recorda Vasili Kulkov.

«Há mau ambiente no Spartak»

1991 a 1994 no Benfica; 1994/95 no Porto; 1999/00 no Alverca. Experiências sem fim, tropelias intemporais, colegas e mais colegas. Afinal, era verdade que os russos nunca se deram bem com os portugueses?

«Não, é mentira. No Benfica deixei no João Vieira Pinto, no Mozer e no Paulo Madeira grandes amigos. No F.C. Porto posso dizer que todos eram meus amigos. O balneário era mais unido», conta Kulkov, antes de recuperar um episódio curioso.

«Cheguei ao F.C. Porto e disseram-me que depois do treino havia almoço. Pensei que era organizado pelo clube, mas não. Os jogadores almoçavam juntos por que queriam, num restaurante da cidade. Nunca tinha visto nada assim.»



Recorde o tal golo de Iuran na Luz: