Lado B é uma rubrica que apresenta a história de jogadores de futebol desde a infância até ao profissionalismo, com especial foco em episódios de superação, de desafio de probabilidades. Descubra esses percursos árduos, com regularidade, no Maisfutebol:

33 jogos na temporada 2015/16, 7 golos com a camisola do Atlético de Madrid. O último deles frente ao Granada (3-0), na vitória de domingo que permitiu a colagem ao Barcelona na liderança da Liga espanhola.

Ángel Martín Correa Martínez, ou simplesmente Ángel Correa, fez a sua estreia na Liga dos Campeões frente ao Benfica, em setembro de 2015, e marcou nesse jogo o primeiro e único golo na prova milionária.

Aos 21 anos, o avançado argentino justifica o estatuto de arma secreta no Atlético de Diego Simeone - maior número de golos marcados (4) como suplente na Liga espanhola - e já chegou à seleção principal do seu país. Para trás ficou uma infância dura, marcada pela perda do pai e de um irmão, para além de um problema de saúde que colocou a sua vida em risco.

A história de Ángel Correa começa no problemático Bairro Las Flores, em Rosário, Santa Fé.

«Quando és de um bairro humilde tudo é mais difícil. Deitam-te abaixo, dizem que vais terminar como um drogado ou na prisão. Muito pensavam isso e nem sempre é assim. Existem pessoas de bairro que fazem as coisas bem e provam que com esforço tudo se consegue.»

Angelito reconhece que não foi fácil ultrapassar esses obstáculos nos primeiros anos de vida.

«Via que havia muitos miúdos a jogar futebol com grande qualidade no bairro mas depois ficavam pelo caminho, ou porque eram pais cedo, ou por causa da droga, ou pelo álcool, ou por ferimentos de uma bala que os apanhou no sítio errado à hora errada. Eu tentava ficar sempre longe de todos os problemas.»

Numa longa e reveladora entrevista à revista El Gráfico, em abril de 2014, Ángel Correa recordou os primeiros pontapés da bola mas recusou explicar em que circunstância perdeu o seu pai e o mais velho dos seus nove irmãos. Algo que o marcou profundamente.

O pai do jogador também se chamada Ángel Correa e sentia dificuldades para, a par da mãe, alimentar os dez filhos. O avançado do At. Madrid não esquece essa relação umbilical: tem a palavra Família tatuada no peito.

«Perdi o meu pai quando tinha 10 anos e o meu irmão mais velho, Marcelo, quando tinha 12 e tinha acabado de chegar à pensão do San Lorenzo. Estava longe da minha família e o futebol passou a ser não só uma diversão mas algo que me fazia esquecer os problemas. O que aconteceu? Isso não vou contar.»

Ángel Correa chegara nessa altura ao San Lorenzo, trocando o Bairro Las Flores e a cidade de Rosário pela capital Buenos Aires. O jovem dera nas vistas ao serviço de pequenos clubes locais, o 6 de Mayo e o Alianza Sport.

Jorge García, reputado descobridor de talentos explicou ao jornal Marca como se deixou encantar pelo pequeno craque do Bairro Las Flores.

«Vi o Ángel antes de ele fazer 12 anos, num clube de Rosário chamado Alianza Sport. Tenho quase 50 anos de experiência em ver miúdos, tenho um parâmetro e o que aquele rapaz fazia, com aquela idade, nunca tinha visto.»

O olheiro trabalhava nessa altura para o San Lorenzo e o clube não perdeu tempo. Uma das grandes prioridades foi tirar Ángel daquele meio difícil.

«Nessa altura o Ángel não tinha dinheiro e vivia de forma muito precária em Las Flores. A pensão que o San Lorenzo tinha não era muito confortável mas permitiu tirá-lo do seu bairro. Ao princípio não foi fácil, era preciso pressioná-lo para ir treinar, chegava tarde, não sabia se queria ficar ou regressar.»

O jovem ficou. Viria a afirmar-se como uma das grandes figuras do San Lorenzo e não esquece o dia em que se cruzou com um adepto especial do clube. Com 14 anos, Ángel Correa foi crismado por Jorge Mario Bergoglio, nessa altura Arcebispo de Buenos Aires. Sim, o atual Papa Francisco.

«Tinha 14 anos, estava na pensão e ficava fechado todo o dia. Vieram perguntar-nos, a mim e outros miúdos que estavam na pensão, se queríamos ser crismados. Lá fomos até à nova capela, onde fui crismado por Jorge Bergoglio, que entretanto chegou a Papa. Parece que lhe dei um pouco de sorte, não?»

Ángel Correa estreou-se pela equipa principal do San Lorenzo em março de 2013, pouco depois de ter assinado o seu primeiro contrato profissional, e despertou rapidamente o interesse de clubes europeus. Por essa altura, porém, surge mais uma nuvem negra. A justiça argentina investigou a ligação do futebolista e do seu representante, Francisco Lapiana, a Los Monos, o principal grupo de narcotráfico de Rosário.

Los Monos teriam uma percentagem do passe de Angelito. Monchi Cantero, líder do grupo, não esqueceu a relação com o jogador, que conhece desde pequeno, do Bairro Las Flores, mas afastou o envolvimento nos seus direitos. «Sou amigo de Ángel Correa, com quem lido desde miúdo, no bairro. Mas é mentira que tenha uma percentagem do seu passe.»

Para lá da polémica, o avançado foi conquistando o seu espaço no San Lorenzo e em maio de 2014 foi contratado pelo Atlético de Madrid.

Nessa altura, o argentino superou um dos maiores desafios da sua vida: nos exames médicos foi-lhe detetado um tumor num ventrículo.

O jovem avançado teve de se sujeitar a uma operação delicada ao coração, nos Estados Unidos da América, mas superou a etapa e assinou pelos colchoneros em dezembro desse ano. Em poucos meses convenceu os adeptos do Atleti e chegou à seleção principal da Argentina.