O propósito é óbvio: vender a LaLiga.

A receita é simples: proporcionar aos fãs uma experiência imersiva no futebol e nos costumes locais. Um clube. Uma cidade. Um jogo.

A convite da Eleven, que detém os direitos televisivos da LaLiga em Portugal, o Maisfutebol esteve quatro dias na pitoresca Pamplona, onde o emotivo Osasuna-Barcelona (2-2) foi o pano de fundo de uma das 16 experiências LaLiga previstas para a época 2021/22.

O OSASUNA

Fundado em 1920, é um dos quatro clubes da Liga espanhola que não são geridos por sociedades anónimas desportivas: os outros são o Barcelona, o Athletic Bilbao e o Real Madrid, as únicas, os únicos que participaram em todas as edições do principal campeonato de futebol do país vizinho. É o clube que se associa à Liga Espanhola para esta LaLiga Experience que será muito mais do que futebol.

Da fábrica de talentos…

É em Tajonar, na zona sul de Pamplona, que fica a cidade desportiva Osasuna. Inaugurada em 1982, tem sete campos, dois de relva natural e cinco de superfície artificial. É aqui, nestas instalações com uma área superior a 200 mil metros quadrados, que treinam as mais diversas equipas do clube da capital da província de Navarra: os seniores, a equipa feminina – que compete na segunda divisão de Espanha e que também aqui joga – e a formação. Para os próximos anos está prevista uma remodelação e expansão do centro de treinos, de onde saíram nomes como Raul García, César Azpilicueta ou o mítico Patxi Puñal, que vestiu a camisola principal nas décadas de 90, 2000 e 2010 e mantém-se aos dias de hoje como o futebolista com mais jogos oficiais (513) realizados pelo Osasuna.

Entrada de Tajonar

… ao novo El Sadar

Foi inaugurado a 2 de setembro de 1967 e o primeiro golo pertenceu ao V. Setúbal, que participou num torneio triangular juntamente com a equipa local e o Saragoça: Pedras, que chegou a ser internacional português e representou também o Benfica e o Sporting, marcou aos 57 minutos na derrota sadina com o Saragoça, que viria a conquistar o torneio organizado aquando da inauguração do recinto batizado com o nome do rio que por ali passa a escassas dezenas de metros.

Em 2019, os sócios do Osasuna votaram a favor da reforma integral do El Sadar e o Muro Rojo com o preferido de quatro projetos que se apresentaram a concurso. Os trabalhos de remodelação terminaram no início de 2021. O estádio tem capacidade para 23.500 espectadores e uma parte de uma das bancadas laterais não tem cadeiras: é a única entre os 20 estádios da Liga Espanhola, conta-nos o cicerone da nossa primeira visita ao estádio, no sábado, na véspera do Osasuna-Barcelona.

«Honrar o passado»

À saída do túnel de que liga os balneários ao relvado, junto ao banco de suplentes do Osasuna está uma estatueta de São Firmino, santo padroeiro de Navarra que dá nome a uma das maiores festas de Espanha e que se espera que proteja a equipa da casa nas suas batalhas mais duras em campo.

O novíssimo túnel está impactante. Não com imagens de momentos históricos do clube, mas com o excerto de um texto, escrito para a revista do clube em 2017 por David Beriáin, jornalista assassinado em reportagem durante uma emboscada no Burquina Faso em abril deste ano. «Aqui nem Deus se rende. Aqui, o único orgulho e o único perdão possível é deixar tudo no campo. Até ao último minuto do último jogo. Aqui valorizamos o sacrifício, a humildade, a honestidade do trabalho. Aqui percebe-se que ao El Sadar não se vem para jogar. Vem-se para se sofrer. Aqui honramos o nosso passado», lê-se em castelhano e em euskera. David Beriáin era um fervoroso adepto do Osasuna.

O passado 10 de dezembro foi de luto para o Osasuna. Jesús Riaño partiu aos 78 anos e deixou para trás mais de cinco décadas a registar, no Diário de Navarra, a história do clube de Pamplona. No dia seguinte, o derradeiro treino do Osasuna antes do jogo com o Barcelona foi antecedido por um minuto de silêncio e a fila da frente da sala de imprensa não foi ocupada por nenhum jornalista: no local foi depositada, simbolicamente, uma rosa, que ali permaneceu (pelo menos) até depois do jogo.

A própria sala de imprensa recebeu este ano o nome de um antigo jogador do clube: o malogrado Michael Robinson, que representou o Osasuna entre 1987 e 1989, altura em que, com 31 anos, colocou um ponto final numa carreira que teve como ponto alto o título europeu pelo Liverpool em 1983/84. Robinson, que inicialmente não sabia sequer que Osasuna não era o nome de uma cidade, ajudou o clube a alcançar um histórico quinto lugar na Liga espanhola em 1987/88. E até à morte, em abril de 2020, manteve uma ligação umbilical ao clube de Pamplona e a Espanha.

Pamplona: cidade de San Fermín e do fascínio de Hemingway

De 6 a 14 de julho, Pamplona tranfigura-se. No período das Festas de San Fermín, a capital de Navarra recebe gente de todo o globo e a população de 200 mil habitantes chega a ultrapassar o milhão. Nos mais de 800 metros que separam os currais de Santo Domingo da terceira maior praça de touros do Mundo, milhares de pessoas assistem (e participam) à corrida de touros (Encierro), aglomerando-se na Plaza Consistorial, na Calle Mercaderes e, mais à frente, nas varandas da estreita e perigosa Estafeta, onde a única fuga possível é para a frente.

Em época alta ou baixa, estes são lugares de culto de Pamplona, pejados de lojas de recuerdos e de restaurantes dedicados à gastronomia local: pinchos, croquetas, tortillas, a tradicional paella. A escolha é vasta e foi também muito por isto que o romancista e jornalista norte-americano Ernest Hemingway se apaixonou por Pamplona, cidade que visitou nove vezes e à qual deu dimensão internacional através do romance ‘Sol Nasce Sempre (Fiesta)’, de 1926. Existem incontáveis referências a Hemingway, pelo menos um memorial dedicado a ele e um roteiro com os lugares por onde passou.

O Osasuna-Barcelona

Domingo, 12 de dezembro. É dia de Osasuna-Barcelona e ao nosso quarto dia (terceiro completo) em Pamplona o sol espreita pela primeira vez após dias de fortes chuvadas e inundações na província de Navarra. O dia começa com nova visita ao centro histórico de Pamplona, onde os vencedores dos desafios dos países – Júlio Simões, de Portugal, e Lum Kuraja, da Albânia – testam os conhecimentos num derradeiro desafio entre eles. Entre pinchos e cañas, dali rumamos para o El Sadar. Acessos VIP concedidos, segue-se a presença no hall de entrada para assistir a chegada das equipas ao estádio, um momento de convívio com a lenda Patxi Puñal e o acesso ao relvado durante o período de aquecimento das equipas. O El Sadar, que em 2009 registou o recorde de estádio mais barulhento da LaLiga (115 decibéis) num jogo com o Real Madrid que permitiu ao Osasuna manter-se no principal escalão do futebol espanhol, já está praticamente lotado quando faltam 15 minutos para o apito inicial. Os osasunistas mais enérgicos ficam atrás da baliza defendida na primeira parte por Sergio Herrera, a cumprir a quinta temporada no conjunto de Pamplona, e fazem-se ouvir durante todo o jogo: quando as coisas não estão a correr bem e, mais ainda, quando estão.

Na tribuna VIP não se vive o jogo com a mesma intensidade de um hincha puro. Por exemplo, está explícito nas normas de conduta não levar camisolas ou cachecóis alusivos ao clube. No local onde portugueses, albaneses e a equipa da organização da LaLiga Experience foram colocados também não se tem a melhor das perspetivas do campo: não é possível ver-se um dos cantos e só se vê o anel de baixo das outras três bancadas. Mas a emoção do jogo é propícia a tudo menos a estados depressivos. Nico González inaugura o marcardor para os catalães aos 12 minutos, mas logo a seguir o canterano David García empata. A abrir a segunda parte, o Barça regressa à vantagem e tudo indica que vai conservá-la. O Osasuna não tem argumentos técnicos para ser melhor, mas compensa as diferenças através da parte física.

« (…) O único perdão possível é deixar tudo no campo. Até ao último minuto do último jogo.» Lembra-se? David Beriáin. Até que, numa sobra, Chimy Ávila remata forte para o 2-2 final aos 86 minutos.

A LaLiga Experience termina assim. A comprovar-se que o ambiente do El Sadar corresponde mesmo ao que foi ‘vendido’ ao longo dos dias. Fuerte!

Um clube. Uma cidade. Um jogo. Receita simples e eficaz para levar uma Liga mais longe e criar fidelização.

*O Maisfutebol viajou a convite da Eleven