No início do ano o PortugalDiário foi visitar lares como a Casa Pia. E viu situações preocupantes
Quando somos confrontados com histórias de maus tratos familiares a crianças, ninguém tem dúvidas em afirmar que estas devem ser retiradas à família e protegidas. Os lares são quase sempre a morada seguinte, mas será que a partir daí o sol nasce mais alegre? O PortugalDiário procurou a resposta e descobriu várias falhas.
Maria (nome fictício) trabalha com crianças que «moram» em lares há vários anos. Responsável por Actividades de Tempos Livres (ATL), as suas tardes são passadas a conviver com meninos sem família. Conhecendo, por isso, os medos dos menores e as grandes falhas das instituições.
«Outro dia uma menina chegou ao ATL com 39,5 graus de febre. Liguei imediatamente para o lar e pedi que a fossem buscar para ir ao médico. Perguntaram-me se tinha alguma coisa para a temperatura e para lhe dar, que assim que pudessem iriam buscá-la», conta Maria. «Ao fim da tarde apareceu a empregada de sempre para ir buscar todos os meninos daquele lar. O ATL ia fechar. A menina que continuava a arder em febre só foi ao médico depois. Será que sou eu que sou muito sensível ou isto é uma atitude normal?», pergunta.
António (nome fictício) também conhece bem o funcionamento dos lares. Na década de 80, viveu em regime de semi-internato na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Depois de se formar, trabalhou lá fazendo férias desportivas (em ATL) com crianças oriundas de bairros degradados. Sobre a instituição onde esteve, António nada tem a apontar. Todavia reconhece a existência de falhas em alguns lares.
A lacuna que mais preocupa António é a inexistência de psicólogos em algumas instituições. Durante a conversa com Maria, ela fez-nos a mesma crítica. As crianças com as quais convive só têm acesso ao psicólogo da escola, facto que não garante um acompanhamento muitas vezes absolutamente necessário aos miúdos.
Luís Vaz é director da Casa Pia de Lisboa, uma das instituições das quais só ouvimos dizer que é um modelo a seguir. Questionado pelo PortugalDiário sobre maus tratos e deficiências nas instituições preferiu abster-se de comentar, para «não causar polémica». Mas quando falámos da falta de psicólogos em alguns lares alegou a sua experiência para afirmar que essa falha é grave: «A equipa que acompanha as crianças desde que entram no lar é de extrema importância para o seu bom desenvolvimento. E se tivermos consciência das histórias destes meninos e meninas, um psicólogo é fundamental», assegura.
A presença de psicólogos é, aliás, estipulada legalmente. Um diploma publicado em Diário da República a 1 de Setembro de 1999 - Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Risco - prevê no seu artº 54º, relativo à constituição da equipa técnica, a existência de um psicólogo nos lares de acolhimento de menores.
Fiscalização pouco pode fazer
Da mesma forma que existe fiscalização nos lares de idosos, também na segurança social existe um departamento que tem essa função com os lares de acolhimento de menores.
Em conversa com o PortugalDiário, fonte do departamento, que pediu anonimato, reconheceu que a lei não é tão rigorosa no que respeita aos lares de crianças. Há casos em que só pode ser feita uma recomendação. Ou seja, o lar não pode ser fechado nem alvo de coima.
Todavia, defende que a maioria ds instituições particulares de solidariedade social (IPSS) têm acordo com a segurança social e nessas, devido aos anexos do acórdão, podem intervir com mais rigor.
Leia a seguir, a continuação do artigo: «Sem televisão e sem bolachas: os castigos nos lares»