«Liga a pulso» é um espaço do Maisfutebol com relatos na primeira pessoa de jogadores que chegaram ao principal escalão do futebol português depois de terem passado por clubes semiprofissionais e/ou amadores. São histórias de vida de quem nunca desistiu de um sonho mesmo quando as portas pareciam fechar-se. (sugestões para david.j.marques@gmail.com)

Pedro Trigueira, 28 anos (guarda-redes do V. Setúbal)

«Assinei pelo Rio Ave em 2009. Tinha 21 anos e muitos sonhos. Dois anos depois estreei-me na Liga. Entrei aos 89 minutos para jogar os descontos na última jornada contra o Olhanense. Em dois anos no Rio Ave, fiz apenas dois jogos para a Taça de Portugal. Pouco, mas não considero ter sido uma perda de tempo porque evoluí muito por estar a treinar num clube da Liga.

No verão de 2011, o meu contrato estava a terminar e foi-me proposto assinar por mais dos anos. Aceitei, mas pedi para ser emprestado. Continuava a ser jogador do Rio Ave, mas tinha a oportunidade de jogar com mais regularidade noutro clube. Saí para o Trofense, onde dividi a baliza com o Marco Pereira, com quem já tinha estado uns anos antes na formação do Boavista.

No ano seguinte voltei ao Rio Ave. O Nuno Espírito Santo era o treinador e levou com ele dois guarda-redes: o Ederson e o Oblak. Na melhor das hipóteses ia ser o terceiro guarda-redes. Os meus objectivos não passavam por aí e rescindi contrato por mútuo acordo.

Passei o Verão à espera de propostas que não apareciam. Sei que não tive muita visibilidade e lembro-me que andava angustiado e stressado, nem conseguia dormir. Achava que tinha feito uma má opção em rescindir com o Rio Ave. Era a minha profissão e tinha acabado de trocar o certo pelo incerto. E o incerto permaneceu muitas semanas… Convenci-me de que tinha de me fazer à vida. Procurei outras soluções e fui jogar para a II divisão B.

Numa manhã de agosto de 2012 acordei com um telefonema de um antigo presidente meu a perguntar se queria ir para o Cinfães. Nem pestanejei. Era uma equipa que jogava relativamente perto de minha casa e, como ainda não tinha nada, resolvi aceitar.

Percurso profissional

2007/08: GD Ribeirão

2008/09: Boavista

2009-11: Rio Ave

2011/12: Trofense

2012/13: Cinfães

2013-15: União da Madeira

2015/16: Académica

2016-…: V. Setúbal

Trocar de um dia para o outro a realidade de um clube da I Liga pela de um da II B foi um choque: um clube de uma cidade pequena, com infraestruturas pobres e umas bancadas pequenas mas que chegam e sobram para as pessoas que vão lá ver os jogos. Fui muito bem recebido lá e tive apoio dos adeptos. Muitos ainda hoje me seguem na minha página de Facebook e desejam-me sorte.

Fui para um campeonato diferente e passei a viver outra realidade. As condições de treino não tinham nada a ver. Desde os meus 16 anos que estava habituado a treinar de manhã e ali começava às 6 da tarde e acabava às 9, 9 e meia. O que me pagavam nem tinha comparação com o que ganhava no Rio Ave. Dava para o transporte e pouco mais.

A minha ida para o Cinfães deu-me mais força para continuar, mas nos primeiros três meses passou-me várias vezes pela cabeça deixar o futebol. Para fazer o quê? Quando era miúdo queria ser arquiteto. Andei a estudar artes até ao 12.º ano, mas não tinha média para entrar no curso. E acabei por ir para Educação Física. Desisti ao fim de um ano, porque não era aquilo que eu realmente queria e porque o futebol começou a tornar-se algo mais sério. Nesta altura pensei em retomar os estudos. Tentar o sonho da arquitectura e conciliá-lo com um emprego.

O emprego tive-o. O meu pai é gerente numa empresa metalúrgica e pôs-me lá a trabalhar. Aprendi a fazer um pouco de tudo. Entrava às 8 da manhã e saía às 17h00. Demorava mais uma hora a chegar a Cinfães. Não chegava ao treino cansado: chegava morto, mas não desisti.

Apesar de todo o esforço a época correu bem. A mim e ao clube! Até penso que foi a melhor da história do Cinfães. Estivemos quase sempre em primeiro, mas nos últimos seis ou sete jogos não conseguimos aguentar a liderança e fomos ultrapassados pelo Académico de Viseu, que acabou por subir de divisão.

No final desse ano, soube através de dois amigos que o União da Madeira estava a precisar de um guarda-redes e deram o meu nome a um empresário quando já faltava pouco tempo para começar a pré-época. Felizmente, houve interesse e agarrei a oportunidade, mas teria continuado no Cinfães se não aparecesse nada melhor e se me continuassem a querer por lá.

A passagem por aquele clube foi uma experiência gratificante. Fez crescer enquanto pessoa e profissional. Foi um ano em que comecei a dar mais valor às coisas, a não entregar a minha vida exclusivamente ao futebol e a pensar no dia de amanhã. O futebol é o momento e se as coisas começarem a correr mal de um dia para o outro – uma lesão que me obrigue a deixar de jogar, por exemplo – tenho de pensar numa saída. Tenho de estar preparado para fazer tudo e hoje sei que tenho estofo para isso!

Olhando para trás, reconheço que ir para o Cinfães foi a melhor decisão que tomei na altura, embora essa tenha sido provavelmente a época mais difícil da minha carreira. Por tudo o que já disse e porque desde os 13 anos que estava habituado a ter sempre um treinador de guarda-redes. Essa foi a única vez em que não tive. Valorizo hoje ainda mais a ação do treinador de guarda-redes na nossa evolução.

Desde essa altura, tudo me tem parecido um luxo. Quero melhorar e recuperar o que ficou para trás, sejam os anos em que não fui opção, seja a época em que treinei sozinho. Sinto que comecei do zero de há três anos e meio para cá. Mas sei também que ainda vou a tempo de fazer a minha história no futebol português.»