Três minutos de Vincent contra o vazio criativo. Aboubakar, claro, terapeuta certificado e habilitado a lidar com crises de abstinência pelo golo. Marcou o primeiro de cabeça, ofereceu o segundo a Brahimi, resolveu o bloqueio de uma equipa e a impaciência de 35 mil almas.

Aboubakar aceita visitas por marcação e faz domicílios. O golo é a sua vida e se for na Liga dos Campeões ainda melhor: sete jogos, seis remates vitoriosos na principal prova europeia de clubes. Vincent, doutor Vincent.

Do divã do camaronês saiu o antídoto para a vitória. Justa, irrefutável, mas com muito por explicar. Principalmente nos primeiros 30/35 minutos do FC Porto, francamente maus.

FICHA DE JOGO E AO MINUTO DO FC PORTO-MACCABI

O dragão foi torpe, lento, como se saísse de um saloon e levasse com o balanço da portada na cara. Imbula e Corona, principalmente Corona, cometeram erros atrás de erros, mas a origem do problema era mais grave, mais profunda.

O FC Porto sobrevoou a vítima em círculos, vezes sem fim, sem nunca dela se aproximar. E a pobrezinha não fazia mal a ninguém.

Casillas tocava em Marcano, Marcano passava a Martins Indi, a bola chegava a Maxi, arriscava o pé direito de Corona e voltava atrás para mais uma volta. O bloco baixo, quase atarracado, do Maccabi israelita agradecia.

Bola longe da baliza de Rajkovic, minutos de respiração segura, prova de vida. E o FC Porto caía no velho pecado: não perceber que a circulação de bola é um meio para obter um fim e não um fim em si mesmo. Psicologia boa e barata, à medida do doutor Vincent Aboubakar.

A prosa monossilábica, profundamente aborrecida, do FC Porto passou a verso inspirado aos 38 minutos. Cruzamento de Miguel Layún de pé esquerdo, o pior, cabeça de Aboubakar, golo.

Sintonia repetida logo depois, em nota ligeiramente diferente: arrancada de Vincent pelo centro, israelitas estarrecidos, passe a isolar Brahimi – no limite do fora de jogo – e finalização confiante do encantador de serpentes argelino.

Estava aberto o Bar Mitzvah, o FC Porto transportava o seu corpo e as suas ambições para a 20ª vitória consecutiva no Dragão – recorde de José Mourinho batido! -, na noite em que o menino Rúben Neves escreveu a sua própria história.    

OS DESTAQUES: Aboubakar e os outros na noite de Rúben

O jogo não morreu com o intervalo, mas podia. Do segundo tempo pouco reza a história.

Viu-se um Lopetegui desassossegado e a apontar o duche aos dois piores da equipa – Corona e Imbula, lembram-se? -, para dar minutos a Tello e Danilo; viu-se uma bola no poste da baliza do Maccabi (quase autogolo); viu-se mais um remate perigosíssimo de Aboubakar; viu-se um ou dois sustos a rondar a baliza do tranquilo Iker Casillas.

O FC Porto fecha a primeira volta com sete pontos, à frente do Grupo G. E fica a quatro jogos de igualar as 24 vitórias seguidas, estabelecidas num dos reinados do rei Artur Jorge. Há saúde, há futebol, há um clínico camaronês especializado em doenças do foro desportivo.

Mazel Tov Vincent Aboubakar, a Liga dos Campeões ainda não é de/para israelitas.