Yacine Brahimi não tem paciência nem feitio para lidar com bloqueios criativos. Iluminado por Alá e abençoado com um pé direito sagrado, o argelino olhou o céu e indicou o traço dos milhões.

O FC Porto volta a estar na Liga dos Campeões.

A complacência dos dragões para com o limitado Lille, adiou excessivamente, porém, uma definição que se julgava simples e imediata. Incapaz de gerir os tempos de jogo e a hesitar de forma assustadora na primeira fase de construção, o FC Porto foi salvo – não é exagero – pelo génio do argelino.

Um livre direto transformado com a excelência dos maiores e um passe a deixar Jackson olhos nos olhos com o golo – muito boa a finalização do colombiano – deram ao resultado uma segurança aparente e incoerente com o antes e o depois destas duas ações.

OS DESTAQUES DO JOGO: Brahimi e o arco do triunfo


É justo acrescentar, aliás, que o FC Porto recebeu a primeira grande notícia de 2014/15 (mais de oito milhões de euros nos cofres) na pior exibição coletiva da época.

O essencial, lá está, foi conseguido, mas a análise deve ser mais profunda e rigorosa.

Onde falhou o FC Porto até Brahimi assumir o controlo do argumento e, qual ghost writer, escrever a solo uma história que não devia ser sua? Pelo menos, só sua.

Antes de mais, na confrangedora capacidade de perceber o que fazer com a bola. Fabiano tocava em Martins Indi, o central (mais tarde lateral, com a lesão de Alex Sandro) esperava, tocava no lateral e recebia para… voltar atrás.

Mas não só. Casemiro jogou quase sempre de costas para a baliza contrária e nunca fez a troca de flancos, como vimos em Paços Ferreira; Herrera alternou um péssimo início com uma reta final razoável; Óliver escondeu-se nas linhas e nunca entrou no jogo; Rúben está visivelmente desgastado...

O FC Porto não teve rasgo, dinamismo nem acerto na circulação de bola. Os pilares, afinal, da cartilha de Lopetegui.

FICHA DE JOGO E A PARTIDA VISTA AO MINUTO


A desinspiração atingiu níveis sérios e originou o tal bloqueio criativo a que nos referíamos. O FC Porto olhava a folha em branco, angustiado, e nada lhe saía. Impotência total na conjugação de uma receção com um passe vertical, um drible com um cruzamento perfeito, uma transição com o foco em Enyeama.

Pernas pesadas? Ansiedade? Incompreensão dos planos de Julen Lopetegui?

Surpreendido com a dor do adversário, sem ter uma participação direta na mesma, o Lille soltou-se. Apercebeu-se da crise do dragão e cresceu até onde as suas faculdades lhe permitiram.

Valeu ao FC Porto o jogo superior de Yacine Brahimi, o menino de pés de veludo, e a boa solidez do processo defensivo – quarto jogo seguido sem sofrer golos – para garantir uma qualificação, seja como for, mais do que justa.

Tudo o resto (o acessório?) foi limitado pela fragilidade em conseguir escrever o conto perfeito pelo seu próprio punho.

Não houve Quaresma uma vez mais (suplente não utilizado), mas houve um Brahimi que começa a entusiasmar a exigente tribuna do Dragão. O argelino é um compêndio de fantasia e brilhantismo.

Com ele em campo, não há bloqueio criativo que perdure no tempo.