Turim está assinalada a vermelho por duas vezes no mapa europeu do FC Porto. Duas visitas, duas derrotas dos azuis e brancos à casa agreste da Vecchia Signora. Más memórias, mas memórias que importa confrontar antes do clássico europeu desta terça-feira.

A 14 de março de 2017, 1-0 para a Juventus, e os dragões afastados nos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. A 23 de outubro de 2001, 3-1 para os transalpinos, num jogo a contar para a fase de grupos da máxima competição europeia de clubes.

Conclusão: o FC Porto só marcou uma vez no templo bianconero. Autor da façanha? Clayton Ferreira da Cruz, um esquerdino habilidoso e veloz, dragão de 1999 a 2003 e senhor de uma memória enciclopédica.

«O meu golo foi de livre direto, um bocado estranho. Puxei bem a bola na direita em direção à baliza, uma espécie de centro-remate. Ninguém fez o desvio, o Buffon ficou sem saber bem como reagir e a bola entrou», recorda Clayton ao Maisfutebol.

VÍDEO: o golo de Clayton em Turim

O brasileiro inaugurou, de resto, o score nesse Juventus-FC Porto. Os dragões de Octávio Machado estiveram a vencer com esse golo aos 13 minutos, mas um livre de Alessandro Del Piero – já perto do intervalo – sinalizou a mudança na inclinação da balança.

Essa Juventus tinha Del Piero, Trezeguet, Nedved, Buffon… Piada, não é? Nós até fizemos um bom jogo. Depois de eles empatarem 1-1, aliás, nós até podíamos ter feito logo a seguir o 2-1. Se eu tivesse acertado em qualquer um dos lados da baliza era golo, porque eu estava muito em cima do Gigi. Na segunda parte a cavalaria veio pesada e não conseguimos aguentar.»

A cavalaria italiana fez dois golos e deixou Clayton e companhia sem reação. O segundo da Juve apareceu aos 47 minutos, pelo uruguaio Paolo Montero, e o terceiro chegou aos 74, com Trezeguet a punir um erro gigante de Hugo Ibarra.

Como diz Clayton, é «impossível vacilar» num jogo desta dimensão. «Podíamos ter evitado o segundo e o terceiro golos. Ele [Paolo Montero] marcou de cabeça dentro da pequena área. O Ovchinnikov era um excelente guarda-redes, grandão, mas perdeu o timing na saída. O primeiro foi um livre direto do Del Piero, muito bem marcado. Foi um jogo interessantíssimo contra uma Juventus que era uma constelação, não tinha só uma estrela.»

Nesse outubro de 2001, o FC Porto foi a Turim debaixo de alguma pressão interna. A equipa perdera dias antes contra o Belenenses, no Restelo, e o trabalho do eterno adjunto de Artur Jorge começa a ser contestado. A valia da equipa era, porém, inegável.

«A nossa equipa também era pesada, o mais fraquinho era eu (risos). O Deco era diferenciado, estava cinco ou seis degraus acima dos outros. O Jorge Andrade e o Ricardo Carvalho eram incríveis, o Ibarra era da seleção argentina, o Mário [Silva] fazia o corredor todo com uma facilidade incrível, o Costinha foi um verdadeiro príncipe no futebol, o Capucho era uma delícia dentro do campo, o Pena era um guerreiro. Às vezes tinha fases menos boas, mas não parava de lutar.»

Clayton insiste na tese e garante que na primeira parte o FC Porto podia ter feito «mais um ou dois golos». «Tivemos oportunidades com o Capucho, com o Deco, eu fiz um remate de pé direito por cima. Na primeira parte até tivemos mais finalizações do que a Juventus.»

E agora, 20 anos depois, o FC Porto terá mais possibilidades de sair feliz? «Bem, se eu marquei ao grande Buffon, o Marega marca ao Szczesny. A Juventus é um colosso, mas o estádio vai estar vazio e por isso jogar em Turim terá menos peso. De certeza que o Sérgio vai preparar bem a equipa, porque vai ser pesado. Vai ser muito pesado.»

Clayton fez 18 jogos pelo FC Porto na Liga dos Campeões e está habilitado a analisar «a atmosfera e a intensidade» deste tipo de jogos. «São jogos bons para quem gosta de desafios grandes. Não basta fazer três ou quatro golos num desafio da Taça de Portugal a uma equipa pequena. É um bom jogo para o jogador vestir a camisola e dizer ‘vamos lá então buscar essa qualificação’.»

A grande diferença entre aquela Juventus e a Juventus de 2021 é, diz Clayton, Cristiano Ronaldo, que até foi seu colega de equipa no Sporting.

«Não vale nem a pena falar do Cristiano Ronaldo», brinca Clayton. «Ele no Porto esteve bastante apagado e em Turim vai entrar num turbilhão. É o melhor jogador do mundo e o Porto terá de se preparar bem. É um bom jogo para mostrar a força da camisola azul e branca.»

Clayton Ferreira da Cruz, o único jogador do FC Porto com um golo marcado na casa da Juventus.

FICHA DE JOGO: 

Estádio Delle Alpi, 23 de outubro de 2001
Árbitro: Anders Frisk

JUVENTUS: Buffon; Thuram, Montero, Tudor e Zambrotta (Zenoni, 73); Paramatti, Davids (Birindelli, 87), Nedved e Tacchinardi; Del Piero (Maresca, 77) e Trezeguet. 

Não utilizados: Carini (GR), Iuliano, Ferrara e Amoruso
Treinador: Marcelo Lippi

FC PORTO: Ovchinnikov; Ibarra (Rubens Júnior, 87), Jorge Andrade, Ricardo Carvalho e Mário Silva; Costinha, Fredrik Soderstrom e Deco (Rafael, 67); Capucho, Pena e Clayton (Hélder Postiga, 61).

Não utilizados: Paulo Santos (GR), Ricardo Silva, Paulinho Santos e Paulo Costa
Treinador: Octávio Machado

Golos: Clayton (13), Del Piero (33), Montero (47) e Trezeguet (74)