Estádio Fadil Vokrri, Pristina. Frente a frente o Tre Penne e o FC Santa Coloma. Muito calor, pouca gente na bancada. Mas ainda assim uma atmosfera diferente no jogo que deu o pontapé de saída na Liga dos Campeões 2019/2020. No início da longa caminhada que vai terminar em maio do ano que vem, na final de Istambul, não há holofotes nem «glamour». É outro mundo. Mas é uma experiência para a vida para quem vive esse outro futebol, aquele que não gira em torno de estrelas e milhões, e naquele momento se sente um bocadinho parte disso. «São as recordações que uma pessoa guarda quando deixar o futebol», diz quem lá estava e vai jogar nesta sexta-feira o acesso à fase seguinte.

André Azevedo é português e joga no Santa Coloma. Chegou a Andorra há dois anos, depois de ter jogado em vários clubes no Campeonato de Portugal, o último o Praiense. Começou por representar o Lusitanos, na época passada mudou-se para o Santa Coloma, crónico campeão, que somou esta temporada o sexto título seguido. «Somos uma espécie de Juventus de Andorra», brinca o jogador português, que guia o Maisfutebol nesta viagem ao ponto de partida da Liga dos Campeões.

 

É em Pristina que se joga a ronda preliminar, uma espécie de «final a quatro» que antecede a primeira pré-eliminatória e onde entram os campeões dos quatro últimos países no ranking da UEFA. Restam duas equipas, que vão jogar a final nesta sexta-feira: o Feronikeli, equipa da casa, e o Santa Coloma. Quem ganhar passa à primeira pré-eliminatória, as outras três equipas seguem para a segunda ronda de qualificação da Liga Europa.

Esta ronda preliminar da Champions foi introduzida apenas na época passada e desta vez foi o Kosovo o palco escolhido. André Azevedo diz que encarou a viagem com alguma apreensão. Mas passou rapidamente. «Não fazia ideia como seria o país, quando se fala em Kosovo pensa-se em guerra. Mas faz sete, oito anos que as coisas aqui estão mais calmas. A receção foi muito boa», conta. «Para nos deslocarmos temos de andar sempre com escolta, as pessoas andam na estrada sem critério nenhum. E no jogo, que não era de alto risco, havia muita segurança, muita polícia. Mas não se sente insegurança, já demos voltas aqui ao redor do hotel e o ambiente é tranquilo. Há pessoas que olham para nós com curiosidade, algumas sorriem. Está-me a surpreender bastante, as pessoas no hotel e no estádio são muito prestáveis.»

Treino no Barcelona, para entrar no espírito

O Santa Coloma tem presença regular nas fases preliminares das provas europeias e é sempre especial. Desta vez a aventura até teve passagem pela cidade desportiva do Barcelona, onde a equipa treinou antes de viajar para o Kosovo. «Tínhamos voo muito cedo e para ficarmos logo em Barcelona o nosso clube pediu ao Barça se cediam as instalações para treinarmos. Eles foram muito simpáticos e deram-nos o campo onde treina a equipa principal. Treinar ali naquele campo é completamente diferente, é quase como estar a jogar, o relvado é incrível. Foi bonito», conta André.

Os primeiros jogos aconteceram na terça-feira. O Santa Coloma defrontou o Penne a meio da tarde. Com muito calor. «Estava mesmo muito quente. Regaram o relvado antes do jogo, mas ele secava muito depressa.» E não havia muita gente nas bancadas. Só ficaram mais compostas para o encontro seguinte, quando o anfitrião Feronikeli venceu o Lincoln Red Imps, campeão de Gibraltar. «Não há muita gente que queira vir a uma pré-eliminatória, ainda por cima no Kosovo. Até eu comentava com a família que não fazia ideia para onde ia», diz André: «No jogo de sexta-feira acredito que vá estar mais gente, porque jogamos com a equipa da casa.»

O Santa Coloma venceu o campeão de San Marino por 1-0. Javier Lopez, de alcunha Camochu, marcou o primeiro golo desta Liga dos Campeões. Teve direito a saudação especial. «Ele é espanhol e foi notícia em Espanha por ter marcado o primeiro golo da Champions. Aqui no hotel felicitámo-lo por isso», conta André.

As estrelas da Champions e o «ambiente diferente»

Em campo não se ouviu o hino da Liga dos Campeões, mas o logótipo das estrelas já apareceu. «Durante o jogo está o símbolo da Champions nos monitores, as nossas credenciais também são da UEFA e dizem Liga dos Campeões. E depois há a atitude das pessoas no estádio, muito disponíveis, se acaba a fruta e as bebidas energéticas são logo repostas. São tudo pormenores que fazem sentir um ambiente diferente», conta André.

A perspetiva de viver uma experiência de competições europeias foi um dos motivos que levou André até ao Santa Coloma. «Eu saí para experimentar um pouco o futebol fora de Portugal, vim um pouco por isto. Independentemente de estarmos a falar de um nível competitivo diferente, só o simples facto de estar a jogar a Liga dos Campeões é especial. Quando acabou o contrato com o Lusitanos surgiu a oportunidade de jogar no Santa Coloma e atraiu-me a possibilidade de jogar a segunda eliminatória da Liga Europa. Foi uma experiência brutal. Jogámos na Islândia, com grande ambiente no estádio, tanto lá como em nossa casa.»

O Santa Coloma não tem grandes objetivos nesta caminhada europeia. Apesar de jogar regularmente na Europa, o clube só passou uma vez à segunda pré-eliminatória da Liga dos Campeões, em 2014/15. «Pensamos jogo a jogo. Claro que o objetivo é sair daqui com a passagem para a pré-eliminatória. É bom para o clube e para os jogadores, mais dinheiro, mais prémio. Mas só pensamos em ganhar o próximo jogo.» Se acontecer, é festa garantida. «Tenho colegas que já passaram uma eliminatória e dizem que quando voltaram tinham pessoas à espera, a festejar. Para um país como Andorra é importante passar uma eliminatória.»

Andorra e Capdevila no Whatsapp

É a realidade do Santa Coloma e do futebol de Andorra. «Está ao nível de uma boa equipa do Campeonato de Portugal, de uma equipa que lute para subir à II Liga. O futebol aqui nem é o desporto principal. Em primeiro vêm o basquetebol, porque Andorra tem uma equipa na I Liga espanhola, e o esqui. Está a mudar a mentalidade, está a crescer e há mais pessoas a vir aos estádios, mas é um país pequeno.»

O Santa Coloma até é o clube com mais exposição em Andorra, por ser aquele que mais ganha e por ter ganho há poucos anos atenção mediática quando teve na equipa Joan Capdevila, campeão da Europa e do Mundo pela Espanha e que jogou no Benfica. André já não jogou ao lado do antigo lateral, mas a ligação ao clube mantém-se. «Temos um grupo de Whatsapp da equipa, onde vão entrando os novos jogadores e saindo os que vão embora, mas o Capdevila continua lá e não sai. Quem tem estatuto tem estatuto», sorri André.

O extremo português de 28 anos foi titular no encontro com o Tre Penne e tem nesta sexta-feira a oportunidade de tentar ajudar a equipa a chegar mais longe. Para já é esse o seu plano, embora tenha no horizonte um futuro regresso ao futebol português. «Em princípio este será o meu último ano no Santa Coloma, depois gostava de voltar a Portugal. Sempre joguei em equipas que lutam para subir à II Liga, o objetivo é esse.»

Se o Santa Coloma vencer o jogo desta sexta-feira defronta na primeira pré-eliminatória da Champions o New Saints, campeão de Gales. Se perder ainda não diz adeus à Europa: passa para a segunda pré-eliminatória da Liga Europa. De uma forma ou de outra, há um longo caminho até chegar ao momento em que se acendem as luzes e se liga a atenção mediática. Até porque, com o formato atual da Champions, os campeões dos países mais abaixo no ranking seguem sempre, até à fase de grupos, um caminho diferente dos clubes de Ligas mais fortes – onde está o FC Porto, que entra na terceira pré-eliminatória. Pristina está muito longe disso. Mas também alimenta ilusões e memórias, com estrelas de Champions.