Imaginemos um jogo de xadrez.

Mas em que as regras parecem diferentes para as pedras vermelhas e para as pretas.

As pretas usam todo o tabuleiro.

Há saltos com cavalos. Torres que sobem pelas alas e que lateralizam. Bispos a fazer diagonais. Um fartote.

Já as pedras vermelhas têm outra estratégia.

Vão ali, peão a peão. Casa a casa. Sempre em frente. Sem grande rasgo, mas lá vão avançando.

Ainda assim, é normal que as pedras pretas fiquem mais próximas da felicidade.

É isso que acontece no tabuleiro da Luz no confronto entre dois históricos do futebol europeu.

Vestido de preto, o Ajax começa por dar um recital de como fazer um jogo de futebol parecer simples, sendo jogado de forma super-dinâmica.

É dessa forma que equipa holandesa chega à vantagem ao minuto 18. Uma subida da torre – do lateral, aliás – Mazraoui pela direita, as pedras da defesa do Benfica todas desorganizadas, e Tadic a rematar para o fundo da baliza.

A resposta encarnada surgiu meio aos repelões, numa insistência de Vertonghen que acabou com um autogolo de Haller.

Desde quando é que o xadrez impede de utilizar uma pedra contrária para impedir o xeque-mate?

Mas como uma rainha que se mete de uma ponta à outra do tabuleiro numa jogada, Haller, o rei dos goleadores da Champions esta época, votou a dar vantagem ao Ajax três minutos depois.

Assim, a desvantagem do Benfica ao intervalo pedia muitas mudanças. Mais do que nas pedras vermelhas, nas jogadas e dinâmicas apresentadas.

E não é que as pedras vermelhas – talvez inspiradas pelo que viram das pretas – revolucionaram-se no tabuleiro na segunda parte?

Taarabt apareceu em todo o campo. Parecia saltar por cima de adversários para estar em todo o lado. Como um cavalo. Rafa acelerou pela ala, qual torre endiabrada. Darwin cavalgou metros e metros da esquerda para o meio.

E o Ajax, que tanto gosta de enlear o adversário com bola, viu-se obrigado a defender-se dos constantes ataques das pedras vermelhas.

E de fora do tabuleiro, como um peão que é substituído por uma rainha-extra, veio uma pedra decisiva: Yaremchuk.

O avançado ucraniano – um país com escola de xadrez – evitou o xeque ao Benfica aos 76m e deixa tudo em aberto para a segunda mão e ainda dedicou o golo ao seu povo, que está neste momento envolto noutras batalhas mais duras.

É raro um jogo de xadrez ficar empatado? É. Mas foi isso que aconteceu na Luz. Fica tudo para decidir em Amesterdão.

Na Luz, houve mestre na primeira parte. Mas o aprendiz surgiu na segunda a mostrar que pode muito bem virar este tabuleiro.

Para já, o aprendiz conseguiu que o mestre, pela primeira vez, não vencesse. Estão ambos em xeque. Falta fazer o xeque-mate.

(Imagens vídeo Eleven Sports)