A cada golpe de génio, um pedido de desculpas. Na noite de Anfield, reinou Salah.

«Mo Salah, the egipcian king», ouve-se na Kop.

Na verdade, no reencontro com a sua ex-equipa, o «rei do Egito» fez os possíveis para reclamar para os seus o trono do futebol europeu, ao encaminhar a passagem do Liverpool à final com dois golos e duas assistências.

Encaminhar, não decidir.

O que chegou a ser uma goleada de dimensões bíblicas, acabou com alguma redenção. Atirados às feras, os romanos haveriam de se livrar das cinco pragas do Egito com dois golos que deixam ainda entreaberta a porta da eliminatória.

Numa meia-final entre improváveis, os Reds dominaram a formação de Eusebio Di Francesco e deram um passo importante rumo à final de Kiev, onde estará o vencedor do duelo entre Bayern de Munique e Real Madrid.

A Roma nem entrou mal e até criou a primeira grande oportunidade de jogo (Kolarov à barra, aos 18’), mas a meio da primeira parte o Liverpool acordou o tornou-se avassalador.

Pressão alta, velocidade sobre a bola, ataque em movimento, vertigem… O futebol de Jurgen Klopp, bem sabemos, é rock ‘n roll, mas com um solista como Salah o jogo torna-se num recital.

Se Liverpool teve nos Beatles um quarteto famoso, agora há um trio que é um sucesso. Mané, Firmino e Salah deram música e colocaram a defesa romana de cabelos em pé.

À meia-hora de jogo (já depois de Chamberlain ter saído com uma lesão grave), três oportunidades consecutivas deram o tom que o jogo haveria de ter. O ritmo era frenético, arrasador até...

Todos a postos para o «show» de Salah? Palco ao artista, então: aos 36’, o egípcio recebe na área e de pé esquerdo coloca a bola na gaveta. Aos 45’, ele aparece na cara de Alisson e pica-lhe a bola sobre o corpo para o 2-0.

Dois grandes golos, dois pedidos de desculpa. Salah destroçava a Roma, que representou nas duas temporadas anteriores, e pelo meio como que dizia aos ex-companheiros de equipa: «Perdoem-me, por estar a destruir os vossos sonhos.»

Na segunda parte, manteve-se o ritmo de um futebol estridente e demolidor. Salah chamou o resto da banda para o palco e em vez de marcar resolveu também assistir. Solto sobre a direita serviu para o golo Mané aos 56’ e cinco minutos depois voltaria a repetir a fórmula para assistir Firmino para o 4-0.

O 3-5-2 da Roma revelava-se desajustado para conter a velocidade pelos flancos do ataque do Liverpool. E já nem foi preciso Salah mexer uma palha quando de uma bola parada os Reds haviam de ampliar o marcador: canto de Milner e bis de Firmino, de cabeça.

A eliminatória parecia resolvida. Mas os ajustes feitos por Di Francesco, com a mudança de sistema e as entradas de Gonalons e Perotti aos 67', deram resultado. A reação da Roma havia de valer uma centelha de esperança para a segunda mão no Olímpico.

Já sem Salah do lado contrário, Dzeko haveria de aproveitar um erro de Lovren para reduzir aos 81’… E cinco minutos depois Perotti, de penálti (por mão de Milner na área), havia de reduzir ainda mais a desvantagem da Roma.

5-2! Jogo memorável em Anfield. Talvez o melhor nesta edição da Liga dos Campeões. E a verdade é que nos quartos-de-final a Roma conseguiu reverter um 4-1 em Camp Nou com um 3-0 no Olímpico. 

Não será fácil repetir o milagre. Sobretudo diante de um Liverpool que tem o recorde de golos na Liga dos Campeões: 38!

A Roma está como o Coliseu: em ruínas, sim, mas não desmoronou. Embalado pelo jogo, Anfield terminou a cantar You’ll Never Walk Alone. Não há melhor encore para um recital de Salah.