Maldição é palavra proibida. O dicionário europeu do FC Porto tem essa página rasgada, não vá a memória atraiçoar a ambição e lembrar que em 20 tentativas os dragões nunca venceram em Terras de Sua Majestade.

Nem tudo é mau e vale a pena lembrar o empate em Old Trafford em 2004, na caminhada para Gelsenkirchen, e outro no mesmo santuário, já em 2008. Com Sérgio Conceição, a equipa também foi capaz de sair de Anfield Road com um 0-0, mas depois de ser goleada em Portugal.

No estádio do Manchester City, o agora faustoso Etihad, há o registo de duas visitas. A primeira em 2006, no torneio Thomas Cook, de pré-época. O FC Porto, ainda a superar o choque pela abrupta saída do treinador Co Adriaanse, venceu 1-0: golo de Adriano Louzada, de cabeça, após canto de Raul Meireles na esquerda.

Em jogos oficiais, é necessário avançar até 2012 e ao reinado de Vítor Pereira para encontrar um duelo entre Citizens e dragões. 16-avos-de-final da Liga Europa, duas vitórias para o City e a sensação «muito forte» de alguma injustiça.

«Não ficámos convencidos da superioridade do City», recorda Rui Quinta, treinador adjunto do FC Porto nessa eliminatória disputada há oito anos.

«Nós tínhamos sido eliminados da Champions, depois de um empate contra o Zenit. Fizemos um grande jogo, com muitas oportunidades, e empatámos 0-0. Caímos para a Liga Europa e apanhámos logo com o City.»

 

Os «dois lances cínicos» no Dragão e o risco total em Manchester

O City milionário, o City que se abastece dos petrodólares do Sheikh Mansour, começava nesses dias de 2012 a ganhar forma e embalo europeu. No Dragão venceu por 2-1, em Inglaterra aumentou a diferença para 4-0.

«A expetativa era grande porque se falava muito do enorme investimento que o City começara a fazer. O treinador era o Roberto Mancini, o mediatismo em Inglaterra à volta da equipa era enorme, só que o FC Porto nessa temporada tinha um grande grupo de jogadores», conta Rui Quinta, atual comandante técnico do Lusitânia de Lourosa.

Silvestre Varela marca para o FC Porto aos 28 minutos. Um autogolo de Álvaro Pereira, infeliz como quase todos os autogolos, iniciou a reviravolta Citizen. Kun Aguero aplicou um golpe quase mortal aos 85 minutos. Rui Quinta lamenta esses «dois lances cínicos» no Dragão.

«Abordámos o jogo com a nossa identidade. Fomos atraiçoados na fase final e ficámos condicionados para a segunda-mão.»

Hulk contra Yaya Touré no FC Porto-City de 2012 (FOTO: Catarina Morais)

No Etihad, onde regressa agora, o FC Porto sofreu um golo logo no primeiro minuto. E de nada valeu o bom futebol e as muitas oportunidades criadas a partir daí.

«Os jogos vivem das crenças, do que os jogadores sentem ser possível acontecer. Fizemos um jogo muito bom até aos 2-0 [minuto 76, Edin Dzeko] e aí caímos. Nessa fase já estávamos a arriscar, desequilibrados, e foi triste porque sentimos que a qualidade era idêntica», sublinha o antigo treinador do FC Porto.

«O City aproveitou muito bem as oportunidades que teve no Dragão e em Inglaterra foi mais competente a gerir as incidências. Nós impusemos o nosso futebol, criámos oportunidades, mas não fomos capazes de fazer um golo.»

«Vimos umas lâmpadas grandes no estádio, ficámos meio parvos»

Da visita a Inglaterra, à casa do Manchester City, Rui Quinta guarda alguns pormenores. O treinador foi, por exemplo, obrigado «a passar pelo meio do público inglês» para chegar ao lugar que lhe estava atribuído numa zona alta de uma das bancadas.

«A minha função nos jogos era estar posicionado aí e passar as informações que julgava pertinentes ao banco. O que vimos foi um estádio que queria modernizar-se, mas estava ainda agarrado às fundações do antigo recinto, que existia no mesmo lugar. Eles fizeram uma remodelação, um rearranjo, mas não havia grandes sinais de luxo.»

Villas-Boas assistiu ao lado de Pinto da Costa ao City-FC Porto

Uma das exceções dizia respeito ao relvado. Nesse aspeto, o investimento do City já era evidente, assinala Rui Quinta.

«Entrámos no autocarro, fomos para o estádio e na zona de acesso aos balneários vimos muitas lâmpadas grandes, numa espécie de grelha. Ficámos meio parvos, sem saber o que era aquilo e fomos perguntar. Os senhores ingleses disseram-nos que era com aquelas lâmpadas que aqueciam o relvado. Naquele clima, de frio e nevoeiro, esse calor era essencial para manter o relvado em boas condições.»

«Esse foi um dos indicadores da era nova em que o City estava a entrar. Estava a entrar no clube dos ricos e poderosos», completa o antigo assistente de Vítor Pereira.

Sergio Aguero é o sobrevivente de 2012

O FC Porto foi tricampeão entre 2011 e 2013. Sempre com Vitor Pereira – primeiro adjunto de André Villas-Boas e depois técnico principal – e em dois desses anos com Rui Quinta. O treinador de 60 anos, que agora procura colocar o Lourosa na II Liga, fala de um dos pormenores que terá conduzido, no seu entender, a equipa ao sucesso.

«Jogávamos na altura com o Hulk como avançado no corredor central. Isso deu-nos uma amplitude fantástica nos movimentos de ataque e na pressão às zonas das defesas opostas. Isso redimensionou a nossa equipa e foi fundamental. Fez toda a diferença para sermos campeões.»

Aguero (atrás) é o único resistente do duelo de 2012

Falava-se de avançados e chegámos a Sergio Aguero. O atacante argentino, de 32 anos, é o sobrevivente dessa eliminatória de 2011/2012.

«Sou um apreciador do Aguero. Inteligente, qualidade enorme na relação com a bola, nas movimentações e na capacidade para marcar golos. É por isso que continua no City, tantos anos depois. E estamos a falar de um clube que tem capacidade para contratar qualquer jogador.»

Como nota de rodapé, e sem querer imiscuir-se nas opções e nas possibilidades do FC Porto de Sérgio Conceição para a estreia na Liga dos Campeões, Rui Quinta destaca as ideias do seu próprio FC Porto em 2012.

«O Vítor [Pereira] pretendia que a nossa forma de jogar, a defender e a atacar, fosse capaz de lidar com aquilo que o adversário desse ao jogo. Veja-se o que fizemos contra o PSG, quando demos um recital e ganhámos só 1-0. Contra o Málaga foi a mesma coisa. A nossa capacidade de concretizar não esteve, muitas vezes, ao nível da nossa capacidade de construir. Com os elementos que teve, o Vítor fez um trabalho fantástico. Construiu uma equipa equilibrada e competitiva.»

Uma equipa equilibrada e competitiva. Tudo o que o FC Porto precisa de ser para ganhar em Manchester ao City de Pep Guardiola.