O espectro da criação de uma competição europeia fechada, ao estilo norte-americano, pairou sobre o velho continente desde a primeira década do século XXI.

Em 2000, meses depois de a UEFA ter tornado a Liga dos Campeões mais acessível a mais equipas dos principais campeonatos (segundos, terceiros e até quartos classificados), alguns dos clubes mais poderosos da Europa criaram o G-14. O FC Porto integrou a lista de fundadores deste grupo formado também por clubes italianos (3), espanhóis, franceses, ingleses, alemães e holandeses, com dois representantes cada.

Em 2003, alguma imprensa internacional avançou que estes clubes estariam a preparar a criação de uma superliga, a começar após a época 2006/07, quando terminasse o negócio em vigor relativo aos direitos televisivos dos jogos da Liga dos Campeões.

Com muitas cedências, dinheiro à mistura e algumas ameaças de expulsão, o organismo presidido por Lennart Johansson até 2007 e, a seguir, por Michel Platini até 2016 manteve, ainda que com algumas crises pelo meio, estáveis os alicerces da mais importante competição europeia de clubes.

Michel Platini com Lennart Johansson aquando da eleição do francês para a presidência da UEFA, em 2007

No início de 2008, o clima de hostilidade entre UEFA e o G-14 serenou. Foi atingido um acordo para o pagamento de uma contribuição aos clubes que cedessem jogadores às seleções presentes nas grandes competições internacional e os clubes, que passaram a ter mais uma fonte de rendimentos, passaram também a ser parte mais ativa na discussão de problemas no seio da UEFA.

O G-14 dissolveu-se nesse mesmo ano, dando origem à Associação Europeia de Clubes (ECA), mais representativa e que se demarcou rapidamente da ideia de criar uma competição à revelia da UEFA. Estávamos em março de 2009 quando a Associação dizia-se «muito satisfeita com os campeonatos europeus», isto escassos meses antes da entrada em cena de nova alteração que aumentou a representação na Liga dos Campeões de clubes dos principais países.

Em 2016, numa altura em que o tema da criação de uma «liga de elite» à revelia voltou à baila através de Real Madrid, Juventus PSG e Manchester United, a UEFA ameaçou os clubes com a exclusão das competições europeias ou, num cenário um pouco menos drástico, com a redução do número de participantes de cada um destes países na Liga dos Campeões até ao máximo de um. Mas, paralelamente, iniciou conversações e convenceu-os a desistir da ideia. Como? A partir de 2018, metade dos 32 acessos diretos à fase de grupos da competição estaria reservada para os quatro países com melhor ranking.

A isso veio associado mais dinheiro: um bolo anual de 1,9 mil milhões de euros distribuído aos clubes, mais €500M do que até então, o que representou mais uma de várias subidas de patamar financeiro no espaço de pouco mais de uma década.

Para ter uma ideia, em 2006 a entrada na fase de grupos da Liga dos Campeões valia um encaixe de 4,4 milhões de euros por clube. Quatro anos depois, o valor cresceu para os 7,2 milhões de euros. Hoje rende um mínimo de 16 milhões de euros, podendo esse valor ultrapassar os 50 milhões, consideravelmente mais do que podia arrecadar o vencedor perfeito da Liga dos Campeões em 2013: 37 milhões de euros.

Real Madrid é a equipa mais titulada da história da Taça dos Clubes Europeus/Liga dos Campeões: soma 13 triunfos, seis deles desde 2000

Foi esse o montante (50 milhões de euros) pago esta época só ao Real Madrid pela entrada dos merengues na fase de grupos da Liga dos Campeões: 15,25 milhões de euros base (como a todos os outros) + 32 parcelas de €1,1M (sensivelmente 35 milhões de euros) cada uma pela liderança no coeficiente de clubes a dez anos.

Este foi um dos novos parâmetros introduzidos na distribuição financeira de receitas que entrou em vigor em 2018/19, época na qual a UEFA tirou valor ao market pool, baseado no valor comercial do mercado televisivo doméstico e que favorece os clubes das cinco principais ligas, cujos países (Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França) geravam em 2016, segundo cálculos do secretário-geral da UEFA, 86 por cento das receitas, mas recebiam «apenas» 60 por cento» em nome da solidariedade para com países menos poderosos para atenuar o fosso competitivo existente e que a UEFA reconhecia existir. Em 2018, o peso do market pool no total de receitas da Liga dos Campeões caiu de 40 por cento para apenas 15 por cento.

Uma perda de receitas para os maiores clubes das «big five»? Não necessariamente, como mostra a proteção que lhes foi dada pela UEFA através do aumento de lugares na competição e da criação do coeficiente a dez anos.

A receita da UEFA para manter os «ricos» enfeitiçados pela Liga dos Campeões e tirar-lhes «Super-ideias» da cabeça fez-se à custa de dinheiro e de muitas cedências, como mostra a transformação da prova desde o seu início, que pode ver na cronologia em baixo. Mas, agora, parece já não ser suficiente.

1992/93 – Taça dos Clubes Campeões Europeus dá lugar à Liga dos Campeões. Participam 36 equipas campeãs nacionais em título, entre ronda preliminar, primeira e segunda rondas, fase de grupos e final. Nos anos seguintes são efetuados ligeiros ajustes, com oscilações no número de participantes e na própria estrutura da competição. Em 1994/95, os oito campeões provenientes dos países com melhor ranking europeu saltam diretamente para uma fase de grupos à qual se juntarão mais oito das 16 equipas que passarão por uma primeira ronda que conta com os campeões dos países colocados entre o 9.º e o 25.º lugares da hierarquia. Os restantes campeões passam apenas a ter acesso à Taça UEFA.

1997/98 – Até esta época, a única forma de chegar à competição sem ser enquanto campeão nacional é vencendo a Liga dos Campeões no ano anterior. A partir de agora, abrem-se oito vagas para os segundos classificados dos primeiros oito países do ranking europeu, mas sem acesso direto à fase de grupos, entrando estas equipas na prova pela segunda fase de qualificação, a última antes da fase de grupos.

Manchester United foi o primeiro vencedor da Liga dos Campeões a dar entrada na competição sem ser na condição de detentor do título ou de campeão nacional, o que só passou a ser possível em 1997/98

1999/00 – Vice-campeões nacionais das seis Ligas com melhor ranking entram diretamente na fase de grupos, agora alargada de 24 para 32 equipas. Além disso, a Liga dos Campeões passa a estar acessível aos terceiros classificados dos seis países mais cotados, e aos quartos classificados dos três países com melhor ranking, que entram todos em prova na terceira fase de qualificação, a que antecede a fase de grupos. Nesta época, três das quatro equipas presentes nas meias-finais serão espanholas e Real Madrid e Valência (3.º da Liga espanhola na época anterior) defrontam-se no encontro decisivo.

2009/10 – Acesso à fase de grupos fica mais facilitado para os representantes dos países mais poderosos. Número de equipas mantém-se (32), mas há agora nove não campeões nacionais (mais três) que entram em cena diretamente na fase de grupos: entram os terceiros classificados das três principais ligas (leia-se, coeficiente). A UEFA procura equilibrar os pratos da balança, para tentar agradar à maioria e alarga de 10 para 13 o número de campeões nacionais com acesso direto à fase de grupos. Em 2015/16, o sistema de entradas diretas na fase de grupos mantém-se, mas é introduzida uma novidade: caso não se apure para a fase de grupos da Liga dos Campeões pela via convencional, o vencedor da Liga Europa terá direito a um dos 32 assentos.

2018/19 – Metade dos lugares da fase de grupos da Liga dos Campeões passam a estar reservados para os quatro primeiros países do ranking. Espanha, Alemanha, Inglaterra e Itália passam a ter quatro equipas cada. Há agora menos campeões com entrada direta na fase de grupos: 11. A porta da Liga Milionária está cada vez mais fechada para as Ligas periféricas.

2024/25 – Aumento de 32 para 36 do número de participantes. Habitual fase de grupos será substituída por uma Liga única. Uma das quatro vagas adicionais será para o terceiro classificado do país que estiver na quinta posição do ranking da UEFA. Outra será atribuída a um campeão nacional, aumentando-se de quatro para cinco o número de equipas apuradas através do denominado «Caminho dos Campeões». As restantes duas vagas serão para os clubes com o melhor coeficiente (nos últimos cinco anos) entre aqueles que não tiverem garantido a qualificação direta, mas que tenham garantido vaga para as pré-eliminatórias da Liga dos Campeões, para a Liga Europa ou para a recém-criada Liga Conferência.