Pela primeira vez na história da Taça/Liga dos Campeões Europeus duas equipas da mesma cidade jogam a final da prova. Madrid muda-se momentaneamente para Lisboa, que por uma noite servirá de palco ao maior dérbi de todos os tempos entre Real e Atlético. Nenhum dos clubes é novo nestas andanças e a capital portuguesa também já tem muita história para contar nestas coisas de finais europeias de clubes.

Enquanto Real Madrid e Atleti preparam a partida de sábado, enquanto Diego Costa e Arda Turan, ou Pepe, Cristiano Ronaldo e Benzema correm contra o tempo para marcarem presença no relvado, enquanto Ancelotti e Simeone desenvolvem estratégias para o encontro, a
MF Total tomou um tempo para respirar... e percorreu as várias vezes que Lisboa acolheu um jogo decisivo na Europa de clubes.

O antigo Estádio da Luz: palco de uma final europeia que (quase) ninguém quis ver



As diferenças mediáticas desta final da Champions League para aquela de 1967 no Jamor são tão grandes quanto o tempo que as separa. Há 47 anos, a UEFA tinha pouco mais de uma década de existência, quando atribuiu a final da principal prova à capital portuguesa. É aí que esta história começa - sem desprimor paras as duas Taças Latinas que o Estádio Nacional recebeu em 1950 (vencida pelo Benfica) e 1953 (vencida pelo Stade de Reims, com dois golos de Raymond Kopa, os únicos que o francês, tricampeão europeu pelo Real Madrid, alguma vez marcou numa final internacional de clubes). 

Estádio do Jamor 1967

Bobby Lennox, jogador do Celtic em 1967 - «Eles eram as estrelas, tinham sido campeões europeus [em 1964 e 65] e campeões mundiais de clubes. Nós éramos os rapazes de Saltcoats, Kirkintilloch e Hamilton que iam jogar contra os gigantes do mundo.»

A primeira vez que Portugal recebeu uma final da UEFA foi em 1967. E, como acontece com qualquer final, ficou para a história. O Inter de Milão já tinha sido bicampeão europeu e era favorito frente a um Celtic que se tinha tornado no primeiro clube britânico a chegar à decisão e cujos jogadores tinham nascido num raio de menos de 50 quilómetros de Glasgow.

Billy McNeill, capitão dos escoceses em 1967- «Estava a olhar para estes italianos vestidos de azul e negro, de expressão simpática e com boa aparência. Virei-me para o Bobby e disse: "Eles devem pensar que vão jogar contra a equipa de um pub qualquer."»



Mazzola fez o 1-0 para o Inter, de grande penalidade. Mas o Celtic atirou-se ao adversário e deu a volta na segunda parte. Com os italianos remetidos à defesa, o lateral esquerdo subiu no terreno e, em frente à área, pediu a bola. Gemmels rematou para o 1-1.

Aos 85 minutos, Steve Chalmers desviou uma bola na área e fez o 2-1 final. Os escoceses tinham demonstrado uma alma enorme e foram engolidos pelos adeptos que invadiram o relvado.

Saíram do Jamor não só como a primeira equipa britânica a sagrar-se campeã da Europa, como os bravos que deram a volta ao Inter ganharam alcunha para todo o sempre: The Lisbon Lions.

Estádio da Luz 1983

O Benfica a jogar em casa e sem conseguir dar a volta ao Anderlecht, numa final a duas mãos: o que, convenhamos, é um formato que não tem o mesmo encanto. Foi a estreia do recinto encarnado em jogos decisivos e, quanto ao encontro, a história é por demais conhecida. O Benfica vinha de uma derrota por 1-0 e empatou 1-1. Shéu marcou aos 31, Lozano empatou aos 38, uma igualdade que deu a Taça UEFA 1982/83 ao Anderlecht. Num 18 de maio, premonitório para o que lá vinha muitos anos depois.



Estádio da Luz: 1992

A final que ninguém quis ver. Se as diferenças entre a final de 1967 e esta Champions League de sábado são gritantes ao nível mediático, o mesmo se pode dizer para o que aconteceu na Luz em 1992, na Taça das Taças, mas noutro aspeto. 

A UEFA já não destinava uma final europeia a Portugal desde o Celtic-Inter (a taça UEFA, recorde-se, era a duas mãos nos estádios dos finalistas) quando a Luz foi escolhida naquele ano.

Os finalistas foram Mónaco, com o português Rui Barros, e Werder Bremen. No banco francês estava um tipo chamado Arsène Wenger, do outro lado…um alemão que é o único a sair como técnico vencedor de uma final na velha e na nova Luz: Otto Rehhagel.

Sem contexto, as imagens do jogo mais parecem de um qualquer torneio de verão. Quase ninguém foi à Luz naquele dia e o esqueleto do estádio ficou bem à mostra: um gigante com capacidade para 120 mil pessoas estava nesse dia com pouco mais de dez por cento de ocupação. Impensável no sábado.

Klaus Allofs era já um veterano e campeão da Europa com a Alemanha (1980) quando chegou ao Werder Bremen. Foi ele quem abriu o marcador para os germânicos. Mais improvável seria dizer que, um dia, um neo zelandês iria marcar numa final europeia. Wynton Rufer estava, porém, destinado a grandes feitos. Foi ele quem qualificou a nova Zelândia para o Mundial 1982, ao apontar o 2-1 no play-off frente à China.

Mais de dez anos depois, o avançado tornou-se numa ilha em plena Luz. Allofs colocou-lhe a bola e, de repente, só se via o neo zelandês na metade norte do relvado. Rufer foi para a área, passou pelo guarda-redes Ettori e selou o jogo. Wenger perdera a sua primeira final europeia.



Estádio José Alvalade: 2005

Tal como em 1967, Lisboa coloria-se com muito verde e branco. Desde o patrocinador da prova às cores de um dos filhos da cidade. O Sporting jogava a final da Taça UEFA em casa e, ao intervalo, tudo corria de acordo com o plano.

Rogério foi um desses futebolistas brasileiros que quase não fez carreira na Europa. A exceção foi mesmo o Sporting 2004/05. O ex-Corinthians jogou no meio-campo nesse dia e da entrada da área atirou uma bomba para o 1-0. Alvalade rejubilou, com uma maioria larga de adeptos sportinguistas.

O CSKA Moscovo era o adversário dessa final e frio como a Rússia deu a volta ao jogo num ápice. Aleksei Berezoutski empatou aos 56, Yuri Zhirkov fez o 2-1 aos 66 e Vagner Love, o artilheiro do amor, acabou com as esperanças leoninas aos 75. 

Essa foi a última vez que o Sporting esteve numa final europeia e também a derradeira ocasião em que Lisboa recebeu o último jogo de uma competição de clubes da UEFA. Noutro 18 de maio, uma equipa lisboeta voltara a perder uma Taça UEFA em casa.



Estádio da Luz: 2014

O país recebeu mais duas finais internacionais, uma delas entre clubes. O FC Porto campeão europeu bateu o Ajax na Supertaça Europeia de 1986/87, a duas mãos. Venceu em Amesterdão, golo de Rui Barros, e na Invicta, golo de António Sousa. É a única equipa nacional a vencer no próprio terreno.

Porque depois há ainda aquele jogo do Euro 2004... passados dez anos, o palco do Portugal-Grécia é para Real Madrid e Atlético Madrid.

Os
merengues buscam a tão ansiada décima, duas mãos cheias de Taças/Liga dos Campeões Europeus. O Atlético de Simeone quer dar o primeiro troféu do género ao clube. E marcar ainda mais as diferenças que separam o emblema de Manzanares daquele de Chamartín.

Para o Real Madrid, vencer será lógico, fruto do investimento, condição natural dirão os adeptos de um clube que venceu na prova como nenhum outro.

Para os colchoneros, ganhar é muito mais do que o sonho de uma vida. E por isso inexplicável.

Em 1974, a taça escapou-se-lhes das mãos para o Bayern Munique. Mas agora é frente ao Real, em campo neutro de novo, como em 1959 (Saragoça) na meia-final perdida a três jogos para o rival. 

Toda a regra tem exceção, mas o Atleti faz fé numa cidade que tem por hábito dar o troféu em causa a quem ainda não o tem: foi assim em 1967, 1983, 1992 e 2005 (nas Latinas de 1950 e 1953 também). 

Ou seja, sempre.