Campeão! Depois de ter tido de lutar consigo próprio durante grande parte do tempo mais do que com o rival de ocasião, o Olhanense, o título acabaria mesmo por chegar. O avanço cruel do cronómetro, depois de tantas perdidas e, sublinhe-se, daquele erro infantil de Garay logo aos dez minutos, que Lucas Souza não soube aproveitar, davam um tom cinzento a um ambiente que começou a ser de festa bem antes do pontapé de saída. Mas o novo campeão soube reencontrar a sua maior força. Recuperou a bola mais vezes em transições do rival, e saiu rápido para a baliza. Lima e Belec, o guarda-redes, dividiram protagonismo em dois lances, que terminaram sempre de forma favorável aos encarnados. E à explosão nas bancadas de quase 64 mil pessoas.

A Luz não merecia tanto sofrimento. Não merecia esperar até aos 57 minutos. Mas, antes, não merecia tanta cerimónia, ainda por cima em sua própria casa, dos jogadores no momento de rematar à baliza. O lado direito do ataque criava os desequilíbrios necessários – quantas vezes Salvio entrou na área por esse lado, faltando depois alguém para finalizar? –, depois a ansiedade prendia os músculos perante a natural sofreguidão dos algarvios em tapar a baliza de Belec. Luís Filipe, mais um regresso com outras cores, era o pronto-socorro de uma defesa bem numerosa, naquele 5x3x2 desdobrável em 3x5x2 em situações ofensivas, e o guarda-redes esloveno passou 45 minutos entre pontapés de baliza e o agarrar de bolas mortas à sua frente.

Ansiedade tomou conta dos melhores

O Benfica começou por falhar na pressão alta que não conseguiu impor nas saídas dos olhanenses. Esses movimentos desordenados permitiram que os visitantes conseguissem superioridade numérica no recuo defensivo porque perdiam a bola bem mais à frente do que a que normalmente os locais obrigam. Depois, em posse, quis entrar com a bola quase pela baliza dentro, acrescentando sempre um toque a mais quando era preciso objetividade e sentido de baliza. É verdade que, em dois ou três momentos, esteve perto de marcar o golo do campeonato (não só o que valia o título, mas também o mais bonito), mas perdeu-se em outros tantas, que podiam ter acabado com o stress, o seu e o dos adeptos, bem mais cedo.

No plano individual, naqueles 45 minutos de nervosismo, Enzo não encheu o campo como noutras ocasiões. André Gomes desceu uns furos em relação ao clássico de dias antes com o FC Porto. E Rodrigo, sobretudo ele, não esteve nos seus dias. Foi o jovem internacional sub-21 espanhol quem mais sentiu o peso da responsabilidade: incrível falhanço logo aos seis minutos, depois de o cabeceamento de Garay lhe ter escancarado as portas da baliza; estranha reação numa bola dividida com Luís Filipe, em que acertou nas pernas do defesa depois de este ter ganho o lance. Acabou a sentir que devia o seu golo ao jogo, e receberia palmas de junto à linha de Cardozo, que o substituiria perto do fim.

Nessa fase de maior desacerto, também o herói dos nossos protagonistas e, consequentemente, desta crónica, se mostrava demasiado humano. Também Lima ficou a dever golos ao jogo, antes (e depois) do seu bis. Mas fez o que era preciso e isso basta.

Lesão de Salvio e uma arma diferente

A primeira parte tinha acabado com uma má notícia, a lesão de Salvio. O argentino saiu com o braço esquerdo enfaixado, e deu entrada a Markovic. O Benfica passava a ter uma arma diferente para desbaratar aquela defesa demasiado subida do Olhanense (a pisar o meio-campo, talvez para encurtar ao máximo o espaço de construção do adversário – o que nunca foi cem por cento eficaz, mesmo no primeiro tempo): bastava pôr no sérvio para ele correr. No entanto, isso só se tornaria mais evidente com o Benfica em vantagem no marcador. A equipa de Jorge Jesus, hoje na bancada devido à expulsão na Taça, só somaria oportunidades e não golos ao score.

O 33º título ficou desbloqueado aos 57 minutos. Perda de bola sobre a direita do ataque do Olhanense, com Belec a defender para zona fatal um primeiro remate, aparentemente inofensivo de Gaitán. A baliza ficou deserta, o brasileiro só teve de empurrar para o libertar de todas as emoções nas bancadas. Que explosão. Três minutos depois, o jogo acabaria para dar lugar à festa, ainda com o cronómetro em andamento. Novamente, perda de bola dos algarvios, desta vez sobre a esquerda, com Markovic a soltar rápido para Lima. O avançado aguentou até ao limite, e Belec deixaria passar o remate entre as pernas. Estava feito! Já nenhum fantasma conseguiria pousar sobre a Luz.