Seria redutor mencionar apepas a sorte de principiante (pela estreia, naturalmente) no Dragão. É certo que o FC Porto chegou à vitória na sequência de um autogolo de Salin mas fez o suficiente para justificar o desfecho.

Sem afastar os fantasmas de uma campanha errática, com erros de casting, o candidato ao título garantiu um triunfo tangencial nas urnas e não deixou Sporting e Benfica descolarem na tabela classificativa da Liga.

O onze foi o mesmo. Algo que seria de esperar face à equipa utilizada em Famalicão, na segunda derrota consecutiva dos dragões. Mas isso fez deste FC Porto de Peseiro o mesmo que o FC Porto de Lopetegui ou o FC Porto temporário de Rui Barros? Longe disso.

Em menos de três semanas – 18 dias entre o empate com o Rio Ave no adeus de Julen Lopetegui e a estreia de José Peseiro frente ao Marítimo - os jogadores foram confrontados com três políticas distintas. Curiosamente, em dia de eleições presidenciais, é justo lembrar que estes não têm direito de voto.

Durante época e meia, Lopetegui exigiu a cultura de posse levada ao extremo. Pinto da Costa admitiu por estes dias que não era um grande apreciador da lógica, embora a tivesse validado por longos meses. Ou seja, adiou o veto presidencial à política do governo.

Rui Barros não mexeu no onze nem na estrutura mas alterou os princípios. Permitiu o jogo mais direto, com os médios interiores adiantados e a velocidade nas transições como máxima.

Com um par de dias, o que fez José Peseiro? Demonstrou confiança na equipa que perdeu em Guimarães e, após escassos treinos, decidiu somente inverter o triângulo do setor intermediário. Uma pequena-grande mudança, por sinal.

Hector Herrera surgiu na linha de Danilo Peseira e André André libertou-se para um 4x2x3x1, claramente distinto do tradicional 4x3x3. André tinha permissão para trocar com Brahimi e Corona, criando novas dinâmicas no processo ofensivo. Os extremos deixavam de estar presos aos flancos.

A ideia fazia sentido mas Herrera foi alternando bons cortes com demasiados passes sem sentido. O seu estilo de jogo, na base do risco, pode não fazer sentido ali. Neste desenho, Rúben Neves parece o parceiro mais indicado para Danilo, que vai procurando multiplicar-se em funções.

Enquanto o FC Porto apresentava a sua nova política, um remendado Marítimo procurava aproveitar o estado de alma do adversário para provocar nova surpresa. A formação insular empatou na primeira volta (1-1) e venceu no Dragão para a Taça da Liga (1-3), no princípio do fim para Lopetegui.

Nelo Vingada, antigo professor de José Peseiro, contou com a boa disciplina do seu grupo para resistir a uma hecatombe na defesa – três castigados, um lesionado – e entrar melhor no encontro. Fransérgio, médio adaptado a central, cumpriu com distinção.

Nos primeiros quinze minutos viram-se três remates perigosos do Marítimo, com destaque para uma defesa de Casillas perante Dyego Sousa, contra apenas um do FC Porto, em lance individual de Brahimi (bom jogo do argelino).

Os dragões foram crescendo a partir daí e Miguel Layún comprovou a dupla face: crise de confiança a defender, faro para assistências no carrossel ofensivo.

As redes balançaram ao 22º minuto de jogo. Após cruzamento na direita, Salin saiu da baliza e ficou a queixar-se de mão de Aboubakar. O lance continuou. Layún insistiu, entrou na área e cruzou para um belíssimo remate de primeira, com o pé esquerdo de André André. O resto foi felicidade. Bola na trave, depois nas pernas de Salin e golo.

Após dois desaires em branco, o FC Porto voltava a festejar. Um autogolo, ainda assim.

Seguiu-se uma fase louca do encontro, com Maxi Pereira a travar duelo curioso com Jorge Ferreira. No total, o lateral portista caiu por três vezes na área do Marítimo e o árbitro nunca considerou grande penalidade. A primeira, pelo menos, parece ser evidente.

Pelo meio, convém realçar, o FC Porto viu Dyego Sousa cabecear à trave (Marcano e sobretudo Indi sentiram grandes dificuldades perante o avançado), o Marítimo perder Marega por aparente lesão - unidade influente que pode estar de saída - e ficar igualmente a reclamar um castigo máximo por mão de Danilo Pereira após corte defeituoso de Layún, ao minuto 26. Aqui, sem razão. Danilo estava de costas. Dyego Sousa levou cartão amarelo a caminho dos balneários por protestos.

A vantagem mínima assentava à equipa de José Peseiro. Na etapa complementar, o 2-0 esteve sempre mais perto que o 1-1. O público do Dragão não gostou de alguns períodos após o intervalo (destaque pela negativa para uma tentativa de atraso de Layún para fora), mas animou-se na última meia-hora.

Salin negou o golo a André André, bem lançado por Brahimi, e Jesus Corona surgiu por duas vezes isolado frente ao guarda-redes, após grandes passes de Danilo Pereira, mas não conseguiu garantir a tranquilidade. Ao minuto 64, fora de jogo mal tirado ao mexicano. Pouco depois, Corona conseguiu fugir a Patrick mas viu o guarda-redes do Marítimo brilhar para evitar o segundo.

A formação madeirense esteve melhor na primeira parte que na segunda e não fez mais que manter a incerteza.

Vitória justa do FC Porto pela diferença mínima e graças a um autogolo. Sem maioria absoluta de razão, por certo, mas com esperança de uma nova política de sucesso. As bases vão sendo lançadas pela mão de José Peseiro. Hoje foi o primeiro dia no resto da vida deste resistente candidato ao título.

Uma nota final para os regressos de Peseiro e Vingada, duas figuras com provas dadas no futebol português. Sejam bem-vindos.