O mestre Eduardo Galeano dizia que o golo é o orgasmo do futebol e que, como o orgasmo, é cada vez menos frequente na vida moderna. Não é difícil imaginar, pois, a surpresa que terá sentido ao ver o prazer com que Aboubakar marcou e celebrou no Bessa.

Um improvável momento de hedonismo num dérbi onde reinaram o caos e o belicismo.

Marega, já mais tarde na refrega, ampliou a contabilidade de lápis atrás na orelha e bico da chuteira na bola. Mas, em nenhum campo do mundo, o segundo golo do FC Porto pode entrar na categoria de «animal belo e em vias de extinção». Com Marega, a estética é um lugar perdido.

O terceiro golo apareceu na última curva, com Brahimi ao volante. O argelino, artista-mor dos azuis e brancos, beneficiou de uma rara fuga em liberdade para se isolar e perguntar a Vagner para que lado queria o golo.


FICHA DE JOGO E O DÉRBI VISTO AO MINUTO

Uma diferença exagerada no marcador e que penaliza a quebra acentuada do Boavista após as substituições feitas. O FC Porto cresceu, cresceu, cresceu, até acabar o dérbi mandão como nunca havia sido até aos 60/65 minutos. A introdução de mais um médio (André André por Corona) não será estranha a isto.

Foi, então, um FC Porto de unhas cravadas na presa e a morder os lábios aquele que triunfou na casa do vizinho Boavista. Um triunfo suadíssimo, que fique bem claro, e que pediu aos dragões a invocação do espírito de guerreiro imaculado.  

O diabólico plano arquitetado por Jorge Simão deu, aliás, frutos durante boa parte do confronto: peito às balas na primeira linha de pressão, intensidade máxima nos duelos individuais e, na posse de bola, procurar a irreverência malandra do estreante Yusupha Njie, uma bela surpresa.  

Nesse molho picante derramado sobre a relva do Bessa, o Boavista esteve confortável, muito confortável, até ao intervalo. Pernas estendidas sobre a toalha, óculos escuros e copo de brandy na mão, a saborear o cocktail ao mesmo tempo que o conflito se desenrolava e penalizava a natural ambição do FC Porto.

DESTAQUES DO JOGO: Brahimi, arte no meio do caos

Do que os axadrezados não suspeitavam, e mal, é que este dragão de Conceição nada tem de pacífico e muito menos de bom rapaz. Reagiu mal ao aperto do Boavista na primeira parte, sim senhor, mas na segunda oportunidade que teve para marcar – Corona falhou a primeira, em cima do intervalo -, Brahimi tocou de primeira um cruzamento de Tecatito e Aboubakar empurrou para o fundo da baliza a bola e para a liderança da Liga a equipa.

Aí sim, o Boavista percebeu que o vizinho da Invicta não tem bom feitio. Não vale a pena bater-lhe à porta e pedir-lhe um bocado de sal. O FC Porto, o novo FC Porto, gosta de combate e de problemas. E quando os resolve, como quase sempre tem sucedido, é uma alma feliz.

Exemplo desta absoluta devoção? Aos 58 minutos, o ponta-de-lança Aboubakar fez um pique da frente para trás, correndo todo o campo em perseguição a Kuca e impediu o cabo-verdiano de fazer o cruzamento. Comovente, caro Vincent.

Se Eduardo Galeano, o homem que corria os palcos do mundo da bola atrás de uma jogada bonita, fosse vivo e tivesse estado no Bessa, é provável que reformulasse a sua definição de orgasmo. O prazer vai além do golo, o prazer mora no clímax do triunfo.