O futebol é um colecionador de paradoxos. Na mesma semana em que o FC Porto foi atirado para fora da Taça da Liga, a equipa de Sérgio Conceição fez uma das melhores exibições da época. 

Antes, durante e depois, o homem do jogo foi outro. E já não está entre nós: Bernardo Tengarrinha. Até já. 

Nos primeiros 30 minutos, o dragão agarrou e arrancou a armadura enfiada por João Pedro Sousa à pantera. Foi meia-hora de pressão insuportável, de recuperações em zonas altas, de combinações rápidas e remates de todos os lados.

Mas como é que o marcador indicava 1-1 nessa altura?

A resposta é simples: o futebol é um jogo maravilhoso, surpreendente e… paradoxal.

Foi assim: Boavista suportou tudo o que podia suportar atrás e, no primeiro remate feito à baliza de Diogo Costa, conseguiu empatar o dérbi. Um golo, um golaço de Hamache, num pontapé de fora da área.

O DÉRBI SEGUIDO AO MINUTO

A partir da consciência da sua inferioridade, o Boavista reduziu ao mínimo possível a margem do azar. Percebeu muito cedo que a única escapatória possível seria o máximo esforço em bloco baixo, a fechar todos os espaços possíveis e imagináveis.

Insuficiente.

É verdade que o golo de Hamache deixou o estádio confuso, sem perceber bem o que se passava. Era o final do Estrada Perdida, de David Lynch, em exibição pública no Dragão. ‘O que foi isto? Já acabou?’

Não, não tinha acabado. O que é mais surpreendente na história é que antes de o FC Porto resolver o jogo – bis de Evanilson aos 41 e 47 minutos, sempre lançado por Mehdi Taremi -, o Boavista teve a melhor oportunidade de todo o jogo para fazer o 1-2.

Kenji Gorré lançou Petar Musa, o avançado isolou-se e Diogo Costa defendeu com o pé direito.

Também não faltou polémica e protestos. Afinal, isto é o dérbi da Invicta, dérbi de gente rija e de pulmões fartos. Taremi pediu pelo menos três vezes o penálti, mas o momento mais claro até foi com Evanilson. Aí, é de facto difícil perceber o silêncio do VAR – o empurrão de Abascal foi demasiado evidente.

Evanilson, dizíamos, precisava do golo e ele lá apareceu em dose dupla. Depois, enfim, a cabeça azul e branca pareceu começar a pensar em demasia na viagem até San Siro e o Boavista passou a demonstrar mais. Atrás e à frente, curiosamente. Mais e melhor.

João Pedro Sousa anda com graves problemas no centro da defesa – três centrais lesionados (Ilori, Porozo e Djaló) – e isso explica parte das limitações da equipa. Não todas. Esta época, os axadrezados já mostraram muito mais do que aquilo que foram capazes de dar ao dérbi.

Há gente de qualidade para ter mais bola, ter mais futebol. A equipa fez um golo, ameaçou seriamente o segundo, e no segundo tempo teve um ou outro envolvimento muito interessante. Tiago Morais e Javi Garcia até estiveram perto do 3-2 em pontapés ameaçadores.

Nota final para a estreia e para o golo de Danny Loader no 4-1 do FC Porto; e para as lesões: demasiadas. Reggie Cannon saiu logo na fase inicial, Matheus Uribe deixou o campo no início da segunda parte (San Siro em risco?), Zaidu e Marcano lesionaram-se nos derradeiros minutos.

É o dérbi, senhores. Intenso, polémico, com golos, surpresas e muito para contar. 

Mas mais importante do que o futebol foi, a larga distância, a homenagem a Bernardo Tengarrinha antes do pontapé de saída. O médio jogou nos dois clubes e faleceu neste sábado aos 32 anos

Este dérbi é teu, Tengarrinha.