A vitória do Paços Ferreira sobre o FC Porto que reanimou o campeonato, embora reforce uma tendência de dificuldades dos dragões na Mata Real, representa algo cada vez mais raro num campeonato marcado por grande desequilíbrio, em campo e no olhar generalizado sobre o jogo, como notaram dois treinadores nesta ronda: precisamente o técnico do Paços, João Henriques, e o treinador do Desp. Chaves, Luís Castro. O fosso cresce, mesmo com o Sp. Braga a intrometer-se pelo menos na luta pelo pódio. Curioso o caso dos minhotos, aliás, a reforçar no limite a ideia do fosso para os três ditos «grandes».

A equipa de Abel é em absoluto aquela que perdeu menos pontos com os chamados pequenos: seis, nas duas derrotas com V. Setúbal e Marítimo.  A diferença, para o Sp. Braga, está mesmo nos jogos com FC Porto, Benfica e Sporting. Em cinco encontros (falta apenas receber o Sporting, daqui por duas rondas), perdeu quatro jogos e empatou um, precisamente frente aos «leões»: portanto, conseguiu apenas um em quinze pontos. A quatro pontos do Sporting, uma vitória sobre a equipa de Jorge Jesus podia fazer toda a diferença, mas o facto é que este Sp. Braga ainda não conseguiu passar essa barreira.

Se olharmos só para FC Porto, Benfica e Sporting, os crónicos candidatos ao título perderam até agora 25 pontos com outras equipas. Os «dragões» perderam sete, primeiro nos empates com Desp. Aves e Moreirense e agora na derrota com o Paços que tirou ao dragão o estatuto de invicto. Era a penúltima equipa na Europa que ainda não tinha perdido para o campeonato, agora resta apenas o Barcelona.

O Benfica deixou nove pontos em duelos com equipas que não os dois rivais: empates com Rio Ave, Marítimo e Belenenses, derrota com o Boavista. Tantos como o Sporting, que empatou com Moreirense, Sp. Braga e V. Setúbal e perdeu com o Estoril.

Com oito jornadas por disputar, este número caminha para ser bastante inferior ao das últimas temporadas. Em 2016/17 foram 57 os pontos que os «grandes» não ganharam fora dos duelos diretos. Nas duas épocas anteriores, 41 em cada.

Esta temporada ainda não houve nenhuma equipa a conseguir repetir a conquista de pontos frente a um «grande», muito diferente da última época, quando o V. Setúbal, por exemplo, ganhou um jogo e empatou outro com o Benfica e arrancou dois empates ao FC Porto. E o Marítimo ganhou pontos aos três, e o V. Guimarães forçou o Sporting a dois empates.

A polarização da discussão em torno dos três «grandes» não é nova, mas nesta ronda houve dois treinadores a acentuar como esse discurso está a dominar o futebol português e a acentuar desequilíbrios. 

João Henriques, treinador do Paços Ferreira, resumiu assim a questão, depois da vitória sobre o FC Porto: «Quando as equipas pequenas perdem 5-0 há suspeitas. Quando dificultam é antijogo. Nunca dão o mérito.» E continuou com outra ideia a fazer pensar: «As pessoas deviam ficar felizes por haver estes jogos onde os grandes perdem pontos, seria melhor para o campeonato. Depois vê-se nas provas europeias, onde enfrentam equipas com orçamento muito superior.»

Luís Castro, o treinador do Desp. Chaves, reforçou essa ideia da desconfiança e da falta de crédito que se dá às equipas mais pequenas, após a derrota com o Sporting: «Chegámos ao ponto em que se perdemos por três, quatro ou cinco, estamos vendidos não sei a quem. Se ganhamos, estamos comprados não sei por quem.»

Mas Luís Castro já tinha lançado para o debate a questão dos desequilíbrios na Liga ainda antes de entrar em campo, na antevisão ao jogo com o Sporting, onde a equipa flaviense voltou a dar boa réplica mas não conseguiu qualquer ponto. O treinador falava em hipocrisia e notava, a propósito do jogo com os «leões», a diferença abissal entre o terceiro e o sexto lugares na Liga portuguesa, que é de 23 pontos.

Se fizermos esse exercício, entre terceiro e sexto classificados, o facto é que essa discrepância não acontece em mais nenhum dos principais campeonatos europeus, em nenhum ela chega sequer aos 20 pontos. Castro deu outro exemplo, o do saldo de golos.

Notou como na Liga portuguesa do quinto classificado para baixo já não há equipas com saldo positivo de golos. E disse que isso não acontecia em mais lado nenhum. É, mais uma vez, uma singularidade portuguesa e que reforça essa ideia do enorme fosso logo a partir de posições altas na tabela classificativa. Há exceções, como Espanha, que tem o Sevilha a baralhar estes dados. Os andaluzes são quintos, mas têm saldo negativo de golos, menos seis marcados do que sofridos. Mas abaixo dessa posição ainda há várias equipas com saldo positivo, até ao saldo nulo da Real Sociedade, na 14ª posição.

Nada que se pareça na Liga, onde abaixo do saldo nulo do Rio Ave no quinto lugar, ninguém tem melhor do que sete golos negativos. Mundos diferentes mesmo.