Vem aí a nova temporada, as equipas aceleram o trabalham no terreno e, nos bastidores, o Conselho de Arbitragem (CA) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) está a fazer um esforço para passar informação, não só sobre as alterações às Leis do Jogo, mas sobretudo sobre as orientações que os árbitros recebem relativas à gestão técnica e disciplinar.
Questões pertinentes que dão sempre azo a muito barulho ao longo da temporada, como, por exemplo, quando é que um auxiliar deve levantar a bandeirola numa situação de alegado fora de jogo. Ou mesmo a clássica mão na bola ou bola na mão. Situações que vão ter critérios bem definidos e, apesar de haver sempre espaço para a subjetividade que está inerente ao jogo, o objetivo passa por uma maior coerência, não só dentro de uma mesma partida, mas entre todos os encontros disputados ao longo da época.
A informação, como é habitual, está a ser passada às equipas, treinadores e jogadores, com as habituais palestras junto dos clubes na pré-temporada, mas também ao público em geral, através da comunicação social, para que todos percebam os critérios que os árbitros vão seguir na temporada 2018/19. Portanto, antes de embirrar, leia com atenção as novas diretrizes que os árbitros vão seguir na temporada que vai agora começar.
VAR integrado no International Board
A maior parte das alterações promovidas pelo International Football Association Board (IFAB), o órgão que regulamenta as leis do futebol, já tinham sido divulgadas ao longo dos últimos meses, algumas delas foram, inclusive, já aplicadas no último Campeonato do Mundo: por exemplo, a quarta substituição em jogos com prolongamento [no caso, a Taça de Portugal]. Na prática, nesses encontros, as equipas passarão a dispor de quatro substituições, sendo a última apenas possível de fazer nesse período extra.
A grande novidade nas Leis de Jogo do IFAB é a integração do VAR (vídeoárbitro). Assim, além do protocolo do VAR, o livro das Leis de Jogo passa a contar com referências a videoárbitro assistente (VAR), assistente de videoárbitro assistente (AVAR), sala de operações de vídeo (VOR) e área de revisão do árbitro (RAR). Termos que, até esta temporada, eram estranhos às leis.
O protocolo do VAR é igual em todos os países que introduziram o vídeoárbitro, mas o modelo aplicado variava de país para país. Em Itália, por exemplo, ao contrário do modelo português, não tinha a figura de assistente do VAR (AVAR), mas com a introdução da nova figura nas Leis de Jogo, o AVAR passou a ser obrigatório.
Outra alteração já divulgada passa pela utilização de comunicação eletrónica nas áreas técnicas dos treinadores. As equipas médicas já estavam autorizadas a recorrer a estes aparelhos, como telemóveis, auriculares ou tablets, em casos relacionados com o bem-estar e segurança dos jogadores, mas agora este upgrade comunicacional também está disponível para os treinadores para aspetos táticos. Muitos treinadores, mesmo quando castigados, já recorriam a estes utensílios, uma vez que não era possível controlar com quem estavam a falar, mas agora esse recurso já está devidamente regulamentado.
Mais tempo de jogo
Em relação a questões mais práticas, os árbitros vão ter mais liberdade para adicionar minutos ao jogo. A introdução do VAR aumentou de forma considerável as interrupções e, além disso, os árbitros têm indicações claras para combater a perda de tempo no decorrer do jogo, com especial incidência sobre o final dos mesmos, quando uma das equipas está mais próxima de atingir o objetivo do que o adversário. Neste capítulo, os juízes têm indicações para advertir os jogadores que podem dar mais um, dois, três ou os minutos que entenderem.
O tempo de compensação, em média, já foi bem maior na última temporada, tal como no Campeonato do Mundo e a tendência é para continuar a aumentar. Os árbitros têm instruções claras para combater qualquer tentativa de «queimar tempo». Quer seja com confrontos entre jogadores, bolas perdidas ou atrasos no reatamento da partida. Neste último caso, é mesmo pedida «mais coragem» aos árbitros para advertir os guarda-redes que atrasem o reinício do jogo, quer seja no início, a meio ou no final do jogo.
Um guarda-redes também pode ser punido disciplinarmente, caso simule uma lesão. Este caso é mais difícil de interpretar, mas, por exemplo, um guarda-redes que se queixe de uma dor no pé e depois vai marcar um pontapé de baliza com o mesmo pé pode ser admoestado com um cartão amarelo, caso o árbitro entenda que, nesse caso, houve simulação de lesão. Um caso mais subjetivo e que deve contar com o apoio do VAR.
Estão também previstas punições disciplinares para jogadores que recorram a objetos para atingir a bola. Uma situação muito rara no futebol, mas que não estava prevista nos regulamentos. Um jogador, por exemplo, que perca uma bota, não a pode utilizar depois para atingir a bola. Outra punição que não estava prevista nos regulamentos está relacionada com infrações cometidas fora do terreno do jogo. Lembram-se daquele caso de um suplente do Sporting B que tocou na bola antes desta sair do retângulo de jogo? [veja o vídeo abaixo] Pois bem, essa situação resultou numa grande penalidade que suscitou muita polémica, mas agora está enquadrada nas Leis do Jogo e pode, em caso extremo, levar mesmo à expulsão de um jogador que não esteja em jogo.
Também foi clarificada em lei a situação em que um jogador cometia duas infrações consecutivas puníveis de forma disciplinar. Havia árbitros que tinham dúvidas como proceder nestas situações. Um amarelo ou dois amarelos? Por exemplo, um jogador que esteve a receber assistência fora do campo, reentra no jogo sem autorização do árbitro e faz falta. Neste caso, o árbitro deve mostrar dois amarelos, um por cada infração, e depois o consequente vermelho. Outra situação que suscitava dúvidas: numa situação para cartão amarelo, mas que o árbitro recorra à lei da vantagem, em caso de golo iminente, o árbitro deve proceder sempre em termos disciplinares. Caso o lance acabe em golo ou a bola bata no poste, o amarelo deve ser sempre exibido no final da jogada.
Outra alteração prevista para a nova temporada é a possibilidade dos guarda-redes darem um toque na bola antes de a agarrar. Por exemplo, um guarda-redes pode impedir que uma bola saia pela linha de fundo com uma palmada, e depois agarrar a bola mais à frente. Também existe uma melhoria de uma lei já existente: os jogadores já não podiam pedir cartões para os adversários, agora também não podem fazer o gesto do VAR [desenhar um retângulo com dois dedos]. A atualização das Leis do IFAB reforçam ainda as sanções contra mensagens de teor político ou religioso exibidas nos equipamentos dos jogadores.
Simples agarrão pode não ser penalty
Das alterações às Leis do Jogo passamos para a gestão técnica, isto é, as orientações que os árbitros recebem quanto ao procedimento que devem ter perante situações específicas. Por exemplo, os árbitros têm indicações claras para não marcar grandes penalidades em situações de contatos leves ou pseudo-penáltis.
Um simples agarrão pode não resultar numa falta. Neste caso os árbitros devem fazer um equilíbrio entre a causa e o efeito. Isto é, o agarrão foi suficiente para provocar a queda ou provocar o desequilíbrio do adversário? Neste capítulo também é pedida aos árbitros «coerência e consistência em todo o terreno do jogo». Além disso, é recordado mais uma vez aos árbitros que uma infração poderá estar associada uma decisão disciplinar.
Bola na mão não é necessariamente falta
A penalização do contato da mão com a bola também vai mudar, ou melhor, vai ser ajustada. A lei tinha adquirido um caráter mais abrangente e, muitas vezes, o simples contato podia resultar numa grande penalidade. Havia equipas que jogavam já com esse propósito quando atuavam na área adversária.
Neste sentido, os árbitros têm agora orientações para recorrer ao bom-senso e, em caso de dúvida, têm mesmo ordens para não apontar para a marca dos onze metros. A lei é clara, é, aliás, a única que tem de ser «deliberada» para ser sancionada. O facto de a bola sofrer um desvio casual numa das mãos ou num braço, não quer dizer que o árbitro tenha automaticamente de assinalar grande penalidade. Uma situação que muitas vezes é difícil de interpretar e, nesse aspeto, pode e deve também contar com o apoio do VAR.
Fora de jogo: quando sobe a bandeirola?
Na última temporada, com a introdução do VAR, os auxiliares tinham indicações claras para não assinalar de imediato uma eventual situação de fora de jogo. Era preferível deixar o lance chegar ao seu termo e só depois levantar a bandeirola de forma a que uma indicação errada não prejudicasse uma eventual situação de golo. No entender do Conselho de Arbitragem, essa indicação foi levada demasiado à letra e levou a algumas situações exageradas.
Nas novas indicações, um fora de jogo «óbvio» pode ser assinalado de imediato, mas em qualquer dúvida, o lance deve correr até ao seu termo. Neste sentido, o CA entende que «é preciso arriscar mais, mas com prudência». Muitas vezes, em situações que o auxiliar deixava o lance prosseguir, apesar de ter detetado uma infração, acabava por não a assinalar quando o o lance não resultava em nada. Errado. O auxiliar deve sempre assinalar a infração, quer o avançado marque golo, perca a bola ou acerte no poste. Temos um caso fresco destes no último Campeonato do Mundo, numa situação em que o auxiliar não assinalou um fora de jogo existente a um jogador da Arábia Saudita. O lance posseguiu não resultou em golo, mas abriu espaço para um pontapé de canto que acabou por dar em golo.
Os árbitros têm, assim, indicações para retardar a decisão em situações de finalização, junto à área adversária, mas em casos demasiado óbvios, longe das balizas, não estão obrigados a esperar. Caso decidam retardar o anúncio da infração, o auxiliar deve esperar mesmo até ao final do lance, não apenas pelo primeiro remate, até porque pode surgir um golo numa recarga, à primeira, segunda ou terceira tentativa.
Neste sentido, o CA pede a todos os elementos da equipa de arbitragem que comuniquem durante o jogo e que expressem as suas intenções. Por exemplo, um auxiliar pode não levantar logo a bandeirola, mas pode anunciar de imediato que tem intenções de a levantar no final do lance. O árbitro também o deve fazer, até para que o VAR esteja atento ao lance e possa corrigir uma eventual decisão errada. Todos os elementos devem, assim, comunicar, até o assistente do VAR (AVAR) pode interferir e pedir ao árbitro para aguardar enquanto o VAR consulta as imagens de um determinado lance. Assim, numa decisão difícil, o árbitro e o assistente, muitas vezes em pontos diferentes no terreno do jogo, dão as respetivas perspetivas sobre o que viram, permitindo ao VAR comparar essas interpretações com as imagens que tem ao dispor.
Em situações de bola parada, os árbitros devem ter uma postura proactiva, isto é, podem advertir o jogador que, caso tenha interferência no lance, pode vir a assinalar a sua posição irregular, mas não está obrigado, nem deve sancionar desde logo a infração.
Bom-senso nos amarelos
É habitual os árbitros demorarem a exibir o primeiro cartão amarelo num jogo. Muitas vezes há uma espécie de acordo tácito em que o árbitro só mostra o primeiro cartão depois de deixar bem definidos, através de advertências aos jogadores, os critérios que vai adotar para o jogo. O CA pede uma gestão «quanto baste» nesta questão, pedindo que os árbitros sejam proativos, mas também reativos. «Um cartão amarelo mostrado logo no início do jogo pode passar uma mensagem, mas se esse amarelo chega aos trinta minutos, depois outras situações idênticas que não foram sancionadas, já não se percebe a mensagem».
Obviamente que há situações em que não há gestão possível e o árbitro deve mostrar sempre o cartão, quer seja no primeiro ou no último minuto do jogo. Por exemplo, situações que demonstrem falta de respeito para com o árbitro, como um empurrão ao juiz ou um simples protesto. Neste capítulo, o CA considera que o Campeonato do Mundo foi demasiado permissivo nessas situações e «não será um bom exemplo para seguir».
O CA pede ainda que os árbitros sejam intransigentes em casos de «força excessiva». Um jogador que atinja, por exemplo, um adversário, nas pernas ou na cabeça, sem o intuito de jogar a bola, deve ser interpretado como uma «agressão» e, consequentemente, sancionado com cartão vermelho.
VAR é apenas mais um assistente
Em relação ao VAR, o CA de arbitragem faz questão de salientar que o árbitro principal é o único «decisor» no jogo. O vídeoárbitro é apenas mais um árbitro assistente que, em vez de ter uma bandeirola, tem recurso ao vídeo. O VAR tem de dar apenas «indicações», não tem o papel de «tentar convencer ninguém». Esta foi uma questão que o CA quis deixar bem vincada. O VAR tem apenas um papel de dar indicações e ajudar o árbitro a decidir, mas a decisão final é da exclusiva responsabilidade do árbitro principal.
Muitos adeptos, ao longo da última temporada, estranharam os «silêncios» do VAR em alguns lances polémicos. Pois bem, quando o VAR está de acordo com a decisão tomada pelo árbitro principal, não tem de inteferir, só quando tem dúvidas é que deve chamar a atenção do juiz de campo.
Portanto, antes de começar a embirrar com esta ou aquela decisão polémica, tenha consciência das novas orientações que os árbitros têm estado a receber e que vão condicionar as respetivas atuações ao longo da nova época.