Os clubes contestaram as elevadas multas aplicadas pela Autoridade da Concorrência, cerca de 11,3 milhões de euros, pelas restrições no mercado laboral, acusando o regulador de desconhecer o setor e de ter ignorado o contexto pandémico em que foram emitidos os comunicados que deram origem ao processo.

Nas exposições introdutórias no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, ao julgamento dos recursos apresentados pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (FPFP) e por 31 sociedades desportivas, as defesas propuseram-se provar que o acordo celebrado em abril de 2020, de não contratação de futebolistas que rescindissem unilateralmente por motivos relacionados com a covid-19, visou «prevenir a debandada» de jogadores, de forma a assegurar a competição desportiva.

Em maio de 2020, a Autoridade da Concorrência (AdC) interpôs uma medida cautelar e abriu um processo contraordenacional, por prática restritiva da concorrência no mercado laboral, na sequência da emissão de dois comunicados por parte da LPFP, a 7 e 8 de abril de 2020, dando conta do acordo de não contratação de jogadores que tivessem rescindido com outro clube invocando a pandemia da covid-19.

Tanto o Ministério Público como a AdC consideram que existiu uma infração e que os clubes e a Liga agiram com consciência da ilicitude, tendo o procurador Paulo Vieira considerado que os comunicados emitidos revelam mesmo «falta de pudor e sobranceria» para com os trabalhadores.

O mandatário da AdC afirmou que o acordo, feito numa altura em que as competições estavam suspensas devido ao confinamento sanitário, não foi objeto de negociação com o sindicato dos jogadores, resultando de uma conduta «dolosa e culposa» que visou restringir a procura e a liberdade de contratação.

Os mandatários da Liga e dos clubes lamentaram que a decisão da AdC não contenha qualquer enquadramento da «verdadeira hecatombe que se abateu sobre o mundo» em janeiro de 2020, lembrando que a LPFP decidiu suspender as competições a 12 de março, dias antes da declaração do estado de emergência, que «fechou o país».

«Além de ignorar o contexto, ignorou o impacto na economia e no futebol», disse o advogado que representa a LPFP e 21 sociedades desportivas, citando dados de um estudo sobre o impacto da pandemia no setor, com milhões de euros de perdas e recurso ao crédito, a acordos salariais e a lay off, o que pôs «em causa a própria sobrevivência do setor».

Acusando a decisão da AdC de conter «erros», nomeadamente sobre a definição do mercado e a dimensão geográfica, e de ignorar especificidades como as «janelas de transferências», que ocorrem em janeiro e julho/agosto, as defesas salientaram que os comunicados foram emitidos quando a janela de inverno já estava fechada e a de verão ainda não estava aberta e num momento em que se discutia o prolongamento da época [que fecha normalmente em 30 de junho] e «o risco de os clubes não terem planteis».

Por outro lado, afirmaram que, com a aplicação da medida cautelar, em maio, o acordo foi suspenso, não tendo originado qualquer efeito, contestando que a AdC pretenda provar que existiu um acordo restritivo da concorrência por objeto (não sendo necessário provar efeitos).

Para as defesas, ao afirmar que o processo movido contra os clubes não tem precedentes, a AdC contradiz a necessidade de uma prática sólida e generalizada que este tipo de conduta implica.

Para o advogado do Vitória de Guimarães e do Marítimo, o acordo visou «evitar o caos no futebol», já que «o Estado se demitiu» de proteger o setor, exemplificando com o que aconteceria se trinta jogadores saíssem de uma equipa, pondo em causa a estabilidade da competição.

«Só por desconhecimento da legislação desportiva se pode dizer que o objetivo era não pagar salários», disse, salientando que as leis que o impõem estavam em vigor e que esse incumprimento pode determinar a perda de pontos e a descida de divisão.

Para o mandatário do Sporting, neste processo, a AdC confundiu-se com a Autoridade para as Condições do Trabalho e quis colocar-se «nos fóruns mediáticos».

O Benfica e o FC Porto foram as sociedades que sofreram as multas mais elevadas [perto de 4,2 milhões de euros e de 2,6 milhões, respetivamente], tendo o Sporting sido alvo de uma coima de 1,7 milhões de euros.