O Benfica já tem o 38. O campeão só ficou confirmado na última jornada de uma Liga que teve muito que contar. O que fica do campeonato 2022/23 em curiosidades, números e protagonistas.

Alejandro Grimaldo

Comecemos por ele, figura incontornável do título do Benfica, mas também das últimas oito temporadas na Luz. Num campeonato a dividir por vários protagonistas na Luz, Grimaldo foi a melhor versão do jogador que, mesmo quando o Benfica falhou, não deixou de ser um farol de qualidade e regularidade. Despediu-se agora, ao fim de mais de 300 jogos pelo Benfica. Fica a perder a Liga, que pode ainda ver partir em breve mais nomes de peso, com o benfiquista Otamendi e o portista Uribe, também em fim de contrato, ou o sportinguista Ugarte.

Benfica

O fim do jejum, quatro anos depois. O Benfica liderou a Liga desde o início, isolado a partir da quarta jornada. Chegou a ter 10 pontos de avanço antes de receber o FC Porto no início de abril, depois entrou numa espiral negativa, com as derrotas frente aos dragões e em Chaves e a eliminação nos quartos de final da Liga dos Campeões, mas reencontrou o equilíbrio e garantiu o objetivo, a toda a linha. Para chegar ao 38º campeonato, o Benfica teve o melhor ataque (82 golos marcados) e a melhor defesa (20 sofridos) da Liga, foi a melhor equipa em casa e também como visitante.

Clássicos

Sérgio Conceição fez questão de o salientar e é um facto. O FC Porto foi a equipa mais forte nos confrontos entre os chamados «grandes». Quer seja num campeonato a três com Benfica e Sporting, quer incluindo nas contas o Sp. Braga. A quatro, os azuis e brancos somaram 13 pontos, contra 8 do Benfica, 6 do Sporting e 5 do Sp. Braga. Tradicionalmente, o campeão nacional é a equipa que vence os duelos diretos com os rivais. Isso só não aconteceu por duas vezes nas últimas dez temporadas e foi sempre o Benfica a furar a regra. Antes desta época tinha-o feito em 2015/16, quando foi campeão vencendo um único clássico - o dérbi com o Sporting.

Dragão

O FC Porto não revalidou o título, em seis épocas no Dragão Sérgio Conceição foi três vezes campeão mas ainda não conseguiu vencer dois campeonatos seguidos. Mas, depois de uma primeira volta sofrível, teve o mérito de manter o campeonato vivo até ao fim. O dragão foi buscar alento suficiente para pressionar o rival, alimentado pela garra que caracteriza o FC Porto de Conceição, aquele mau feitio que o treinador assume, para o bem e para o mal. A época em que o dragão quebrou um velho enguiço e venceu a Taça da Liga ainda não acabou. Falta a final da Taça de Portugal, frente ao Sp. Braga.

Europa

O Arouca foi uma das boas notícias da Liga e selou uma temporada notável garantindo na última jornada o quinto lugar e a presença na terceira pré-eliminatória da Liga Conferência, para aquela que será a segunda participação europeia na história do clube. O V. Guimarães, sexto, entra na segunda pré-eliminatória da competição, tal como aconteceu na época passada.

Fosso

Houve algumas boas surpresas na Liga 2022/23, mas ainda estamos a falar de um campeonato a duas velocidades. O Sp. Braga já subiu de patamar, sim, mas de resto o desequilíbrio continua a ser uma realidade no campeonato português, patente em vários indicadores. Nas contas finais da Liga, há 20 pontos de distância entre o quarto e o quinto classificado. Outro dado: tirando os quatro primeiros, todas as restantes equipas têm, por exemplo, saldo negativo entre golos marcados e sofridos.

Golos

Foram 763 em 306 jogos, média de 2.49 por jogo. Depois de um sinal de subida na época passada, com 2.62 de média, a Liga portuguesa voltou à normalidade. Os quatro primeiros foram responsáveis por perto de 40 por cento do total de golos da Liga. Se o melhor ataque é do Benfica, a equipa que marcou menos golos foi o Portimonense, 25 no total. A pior defesa é do Marítimo, com 63 golos sofridos.

História

O arranque do Benfica foi avassalador, a ameaçar registos históricos do clube. Foram 13 vitórias consecutivas, 28 jogos invicto em todas as competições até à derrota em Braga, a fechar o ano. Não caiu o recorde, mas o início de época do Benfica de Roger Schmidt representou a segunda melhor marca de sempre das águias, atrás apenas dos 31 jogos iniciais sem derrotas de 1959/60, com Béla Guttmann no banco.

Ilhas

Estão em risco de desaparecer do mapa da Liga. Com a descida do Santa Clara, os Açores voltam a não estar representados na I Divisão na próxima época. Mas o Marítimo tem dois jogos para evitar que as ilhas desapareçam mesmo do mapa na próxima temporada, pela primeira vez em 38 anos. O clube madeirense, que está sem interrupção na Liga desde 1985/86, viveu uma época de pesadelo e joga agora a manutenção no play-off com outro histórico, o Estrela Amadora.

João Neves

Quando o Benfica tremeu, na pior fase da época, encontrou resposta no Seixal. No miúdo de 18 anos que torna tudo mais simples ali no meio, como se andasse nisto há anos. Um concentrado de talento e potencial e mais uma aposta ganha na formação das águias, na época que foi de revelação para o também adolescente António Silva, que pegou de estaca no centro da defesa, e de confirmação para mais dois jovens da «cantera» do Benfica, Gonçalo Ramos e Florentino.

Luz

O Benfica voltou a liderar nas bancadas, na primeira época de regresso à normalidade pós-pandemia. A Luz recebeu 970.837 espectadores em 17 jogos na Liga, com média de 57.108 por jogo e também a melhor taxa de ocupação. O FC Porto foi segundo (703.465 espectadores, média de 41.380) e o Sporting terceiro com 497.967, mas sem ter conseguido atingir os 30 mil espectadores de média: ficou-se pelos 29.292. O Arouca, apesar da caminhada até ao quinto lugar, teve as piores assistências da Liga, com 31.209 espectadores e 1.836 de média. O jogo com mais público da época foi o Benfica-Santa da última jornada, com 64.012 nas bancadas na decisão e na festa do título. A Luz tem os 16 jogos da época com melhores assistências, só depois entra o primeiro jogo no Dragão, o FC Porto-Benfica (49.499).

Mehdi Taremi

Foi uma corrida de trás para a frente, mas nesta reta final foi Taremi quem levou a melhor. À quarta época na Liga, a terceira no Dragão, o avançado iraniano conquistou o troféu de melhor marcador da Liga. Marcou 22 golos, mais três do que o benfiquista Gonçalo Ramos, ele que se isolou depois de assinar o único póquer desta edição da Liga, com três penáltis convertidos, na vitória da penúltima jornada frente ao Famalicão. Mesmo com uma quebra no pós-Mundial, foi a época mais produtiva de Taremi, o primeiro jogador portista a sagrar-se melhor marcador desde Jackson Martínez em 2014/15.

Navarro

Nem só de jogadores dos chamados «grandes» vive a Liga e em Barcelos mora um dos destaques do campeonato. Fran Navarro teve uma segunda temporada de confirmação, assente no talento, mas também na regularidade. Somando os 17 golos que lhe valeram um lugar no pódio dos marcadores a par de João Mário às três assistências para golo, o avançado espanhol esteve ligado a dois terços dos golos do Gil Vicente, de longe o jogador da Liga com maior influência direta na equipa.

Oitenta e sete 

Os 87 pontos que valeram o título ao Benfica representam o 28º melhor registo da Liga e igualam o número de pontos do título anterior, 2018/19, mas ficaram aquém do recorde de 91 pontos estabelecido na época passada pelo FC Porto. Foi também o Benfica, em 2013/14, o último campeão que não atingiu a barreira dos 80 pontos: ficou-se pelos 74. Na temporada que agora terminou o Benfica perdeu três jogos – um na primeira volta, em Braga, e dois na segunda, em casa com o FC Porto e em Chaves, em jornadas consecutivas. E cedeu três empates, em Guimarães à 8ª jornada e nos dérbis com o Sporting.

Planeamento

O que faltou ao Sporting na época em que falhou todos os objetivos e acaba no quarto lugar da Liga? Podemos começar por aqui. Planeamento. Rúben Amorim voltou a falar disso no balanço da temporada e se houve mais erros e falhas para juntar à equação, o desequilíbrio começou cedo, com expressão máxima, mas não única, na transferência de Matheus Nunes na semana do clássico com o FC Porto, quando o treinador assumira que abdicara de outros jogadores para segurar o médio e sem que o clube garantisse uma alternativa à altura.

Qatar

O Mundial do Qatar forçou uma longa e atípica paragem a meio da época nos campeonatos europeus. Em Portugal, a Liga esteve interrompida entre meados de novembro e final de dezembro. Pelo meio adiantou-se a Taça da Liga, mas a interrupção competitiva e a presença de vários jogadores no Mundial marcou também o campeonato. O Benfica que o diga: foi no regresso da Liga que sofreu a primeira derrota, em Braga. Em contrapartida, o título da Argentina deu à Liga portuguesa e ao Benfica dois campeões do mundo, pela primeira vez na história: o capitão Otamendi e o médio Enzo Fernández, destaque indiscutível da primeira metade da época, antes de sair para o Chelsea.

Roger Schmidt

Seduziu os adeptos logo à chegada, com a frase que voltou a repetir na festa do Marquês. «Quem gosta de futebol gosta do Benfica». Mas foi muito mais do que isso o que Roger Schmitd levou ao Benfica. Identidade em campo, uma ideia coletiva alimentada pelo jogo intenso e sedutor que construiu a liderança da Liga e se prolongou na muito competente campanha na Liga dos Campeões. Em torno de um núcleo duro cedo definido de que o treinador não abdicou, mesmo quando o volume de jogos aconselharia outra gestão, Schmidt conseguiu dar a volta à fase mais negativa da época e levar o Benfica à meta.

Sp. Braga

Uma época à grande, que termina com um lugar no pódio e o direito a lutar pelo acesso à Liga dos Campeões na próxima época. Artur Jorge, o treinador que foi uma aposta na prata da casa, conduziu o Sp. Braga a um terceiro lugar que terminou com recorde histórico de pontos e golos para o clube. Os arsenalistas chegaram a olhar mais alto e não conseguiram igualar o segundo lugar de 2009/10, a sua melhor posição de sempre, mas esta temporada foi mais um passo na afirmação de um projeto que parece cada vez mais sólido. O Sp. Braga está aí, a meter-se entre os eternos candidatos. E ainda tem a final da Taça de Portugal.

Treinadores

Foram 10 mudanças de treinador, menos duas do que na época passada, mas agora envolvendo apenas sete clubes. A dança começou logo à 5ª jornada, quando Vasco Seabra deixou o Marítimo, que teve três treinadores no banco, tal como o Santa Clara, enquanto o Paços Ferreira, também despromovido, passou pelo insólito de recuperar em janeiro César Peixoto, o treinador afastado em outubro. Gil Vicente, Famalicão, Vizela e Estoril foram as outras equipas que mudaram de técnico. 

Utilizados

Não houve nenhum jogador totalista na Liga. Mas o benfiquista Vlachodimos só falhou o pleno por dois minutos – para que Samuel Soares fosse também campeão, no último jogo da época. Só houve mais dois jogadores titulares nas 34 jornadas da Liga, o gilista Fran Navarro e o vizelense Kiko Bondoso. O avançado benfiquista Petar Musa foi o suplente mais utilizado, com 28 jogos a sair do banco, e também o mais goleador, com seis golos. O clube que utilizou mais jogadores foi o Marítimo, nada menos que 39.

Velhos são os trapos

A Liga 2022/23 teve dois quarentões em campo. Rafael Bracali defendeu a baliza do Boavista frente ao Sp. Braga com 42 anos acabados de celebrar. Foi o último jogo daquele que era há muito o decano da Liga. Agora, ele terminou a carreira, continuando ligado ao clube. Quanto ao incrível Pepe, continua por aí. O fenómeno de competitividade e longevidade que é o central do FC Porto e da seleção nacional fechou a Liga em campo, na vitória sobre o V. Guimarães, aos 40 anos, 3 meses e um dia. Já renovou contrato, portanto ameaça bater todos os recordes.

X

Aqui fala-se de empates e de uma tendência curiosa desta Liga. Terminaram empatados 18 por cento dos jogos, bem menos do que nas últimas três temporadas: foram 28 por cento há um ano, 25 na época anterior e 26 em 19/20. Em paralelo aumentaram as vitórias caseiras, que representaram 49 por cento dos jogos, contra 40 na época passada e valores semelhantes nas duas anteriores. Ou seja, esta edição da Liga voltou ao equilíbrio de forças pré-pandemia, a reforçar a ideia de que as limitações de espectadores nos estádios tiveram um peso não negligenciável também em campo.

Zero

O Paços Ferreira não conseguiu qualquer vitória nas primeiras 15 jornadas da Liga. Quando somou pela primeira vez três pontos, em janeiro frente ao Rio Ave, já estava no banco pela segunda vez César Peixoto, o treinador que saiu e voltou dois meses e meio depois. O Paços terminou a primeira volta com seis pontos somados, o pior registo de uma equipa com vitórias a três pontos. Acabaria por fugir ao último lugar, que foi do Santa Clara, mas não evitou a descida.